Resumo sobre Crises Não Epilépticas Psicogênicas (CNEP): definição, características e mais!
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Resumo sobre Crises Não Epilépticas Psicogênicas (CNEP): definição, características e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco são as crises não epilépticas psicogênicas (CNEP), episódios que se assemelham a convulsões epilépticas, mas têm origem no funcionamento psicológico, e não em descargas elétricas cerebrais anormais.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Crises Não Epilépticas Psicogênicas (CNEP)

As crises não epilépticas psicogênicas (CNEP) representam manifestações comportamentais involuntárias que ocorrem de forma súbita, resultando em alterações na consciência, movimento, sensações ou comportamento. 

Embora imitem crises epilépticas, sua origem está em fatores psicológicos, como traumas emocionais, estresse intenso ou conflitos internos, e não em descargas elétricas anormais no cérebro.

Esses eventos podem ser profundamente angustiantes para quem os vivencia, causando sofrimento real e impacto significativo na qualidade de vida. Podem ocorrer em qualquer faixa etária, sendo particularmente comuns em adolescentes e adultos jovens, especialmente em contextos de vulnerabilidade emocional ou histórico de adversidades na infância. 

Ainda que não sejam intencionais, muitas vezes as CNEP são mal compreendidas por familiares e profissionais de saúde, o que pode gerar estigmatização, sentimentos de culpa ou invalidação da experiência do paciente.

A compreensão das CNEP exige uma abordagem empática e informada, reconhecendo que se tratam de manifestações reais de sofrimento psíquico que se expressam por meio do corpo. 

A convivência com essas crises pode afetar as relações interpessoais, a vida acadêmica ou profissional, além de gerar frustração por parte do paciente, que muitas vezes se sente incompreendido ou desacreditado. Por isso, o reconhecimento do caráter genuíno e involuntário dessas crises é fundamental para o acolhimento e apoio ao indivíduo.

Etiologia das Crises Não Epilépticas Psicogênicas (CNEP)

A etiologia das crises não epilépticas psicogênicas (CNEP) é multifatorial e envolve fatores psicológicos, biológicos e sociais. Tradicionalmente, acredita-se que esses episódios expressam sofrimento psíquico e emoções não resolvidas, ligados a mecanismos inconscientes, como no transtorno de conversão. No entanto, modelos mais recentes propõem abordagens cognitivas integrativas, que consideram a heterogeneidade dos quadros e a interação de múltiplos fatores.

Fatores de risco incluem traumas psicológicos, estressores agudos e comorbidades, como transtornos dissociativos, de humor, de personalidade, epilepsia, cefaleias, distúrbios do sono, dor crônica, dificuldades cognitivas e até asma. Em crianças, eventos como conflitos familiares e abuso são comuns; em adultos, perdas significativas e dificuldades financeiras ou profissionais são frequentes.

Além da origem psicogênica, eventos semelhantes podem resultar de causas fisiológicas, como enxaqueca, mioclonias não epilépticas, AVC, parassonias, distúrbios metabólicos, arritmias e síncopes com movimentos convulsivos.

A complexidade desses fatores torna difícil estabelecer um modelo etiológico único. Ainda não se compreende totalmente como essas variáveis se articulam para gerar os episódios, mas esse entendimento tem evoluído para uma abordagem mais ampla e empática diante da diversidade de causas envolvidas.

Epidemiologia das Crises Não Epilépticas Psicogênicas

A incidência de CNEP nos EUA é de 3,1 por 100 mil habitantes, com prevalência de 108,5 por 100 mil. Em ambulatórios de epilepsia, 5% a 10% dos pacientes têm CNEP, enquanto em unidades de monitoramento esse número pode chegar a 40%. Em casos de estado de mal epiléptico refratário, 10% dos pacientes foram posteriormente identificados como tendo CNEP.

Entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de CNEP estão o sexo feminino, comorbidades psiquiátricas (como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático) e histórico de abuso sexual na infância. Outros fatores incluem trauma, lesão cerebral, procedimentos cirúrgicos prévios e dificuldades de aprendizagem.

Manifestações clínicas das Crises Não Epilépticas Psicogênicas

Fatores precipitantes e circunstâncias

  • Presença de testemunhas: a maioria dos episódios de crises funcionais ocorre na presença de outras pessoas. Um estudo estimou que a ocorrência de uma crise na sala de espera ou no consultório tem valor preditivo de 75% para crise funcional. Episódios que acontecem durante a colocação de eletrodos para EEG também são, frequentemente, crises funcionais. Durante sessões de intervenção psicológica, crises funcionais ocorrem com frequência quatro vezes maior do que crises epilépticas.
  • Relação com o sono: embora até 50% dos pacientes relatem que as crises ocorrem durante o sono, monitoramentos em unidade mostram que elas não acontecem enquanto o paciente está dormindo, mas podem ocorrer logo após o despertar. Crises que surgem exclusivamente durante o sono sugerem epilepsia ou distúrbio do sono (como transtorno comportamental do sono REM).
  • Estresse: o estresse é frequentemente associado às crises funcionais, embora testemunhas tendam a relatar essa associação mais do que os próprios pacientes. No entanto, o estresse também é relatado como desencadeante por pessoas com epilepsia, sendo, portanto, um fator pouco específico.
  • Ciclo menstrual: aumento da frequência de crises no período perimenstrual sugere epilepsia. Um estudo mostrou exacerbação perimenstrual em 13 de 27 pacientes com epilepsia, contra apenas 1 de 38 com crises funcionais.
  • Gravidez: crises funcionais podem surgir na gravidez, provavelmente devido ao estresse envolvido.
  • Despertar da anestesia geral: crises funcionais também podem ocorrer durante o despertar da anestesia geral, possivelmente devido à desinibição causada pelos anestésicos.

Relato do paciente sobre o episódio: alguns pacientes têm dificuldade em descrever suas crises funcionais. Entretanto, a presença de aura é comum (25 a 60%), sendo até mais frequente do que em crises epilépticas. Sintomas como déjà vu, mordedura lateral de língua, queimaduras e salivação espumosa são raros em crises funcionais. Sintomas de pânico ou hiperventilação (palpitação, sudorese, dispneia, sensação de sufocamento, dor torácica, tontura, desrealização, medo de morrer, parestesia) são mais comuns em crises funcionais.

Relato de testemunhas: as crises funcionais geralmente se apresentam em duas formas principais:

  • Crises funcionais convulsivas: podem simular crises tônico-clônicas, com queda e movimentos de membros, tronco e cabeça. Os movimentos tendem a ser tremores com características variadas. Movimentos de “agitação” ocorrem, mas são menos frequentes. Pode haver arqueamento do dorso e tremores amplos e lentos da cabeça. Essa é a forma mais comum.
  • Crises do tipo desmaio (“swoon”): semelhantes a síncopes, ocorrem com queda ou inclinação do corpo, olhos fechados e ausência de movimento ou resposta. Em casos prolongados, quase sempre são crises funcionais. É importante garantir que a testemunha tenha observado o início e o fim do evento, pois crises epilépticas podem ser seguidas de imobilidade.
  • Formas intermediárias: algumas crises combinam características das duas anteriores. Um mesmo paciente pode apresentar ambos os tipos em momentos diferentes.
  • Apresentações mioclônicas e de ausência: raras em adultos, ocorrem principalmente em adolescentes. Crises do tipo ausência funcionais lembram crises petit mal, mas geralmente não interrompem a fala. Crises mioclônicas funcionais têm início abrupto, não predominam pela manhã (como na epilepsia mioclônica juvenil) e envolvem movimentos mais complexos.

Outros comportamentos úteis na diferenciação

  • Atividade motora: em crises funcionais, os movimentos são mais variáveis e não seguem o padrão típico de progressão das crises epilépticas. Podem incluir torções, agitação, arqueamento, movimentos pélvicos e rolamento do corpo. A lateralização consistente fora de postura tônica pode sugerir crise funcional.
  • Mordedura de língua e lesões: mordedura lateral de língua e queimaduras térmicas são mais específicas de epilepsia. Já mordedura na ponta e queimaduras por atrito ocorrem mais em crises funcionais.
  • Nível de consciência: a manutenção parcial da consciência durante a crise ou lembrança de eventos durante a crise favorecem o diagnóstico de crise funcional. A presença de ritmo alfa no EEG durante alteração comportamental ou amnésia é altamente sugestiva de crise funcional.
  • Vocalizações: choro, gemidos, balbucio e vocalizações com conteúdo emocional durante ou após a crise são raros na epilepsia e indicam crise funcional. Na epilepsia tônico-clônica, vocalizações são geralmente iniciais, curtas e inarticuladas.
  • Sinais autonômicos: a presença de sinais como taquicardia e cianose favorece epilepsia. Sua ausência durante crises aparentes pode indicar crise funcional.
  • Fechamento ocular: os olhos costumam permanecer abertos durante crises epilépticas. O fechamento ocular durante a crise, especialmente se o paciente resiste à abertura dos olhos, sugere crise funcional.
  • Duração: crises epilépticas geralmente duram menos de um minuto. Crises funcionais duram mais e raramente são breves.

Diagnóstico das Crises Não Epilépticas Psicogênicas

O diagnóstico da crise não epiléptica psicogênica (CNEP), também conhecida como crise funcional ou psicogênica, é um desafio clínico que exige uma abordagem cuidadosa e multidisciplinar. Embora esses episódios se assemelhem às crises epilépticas, eles não apresentam atividade elétrica cerebral típica de epilepsia no eletroencefalograma (EEG). A seguir, estão os principais pontos sobre o diagnóstico:

História clínica detalhada

  • A coleta de uma história detalhada dos episódios é essencial. Isso inclui a descrição da crise, fatores desencadeantes, contexto emocional e presença de testemunhas.
  • Sinais sugestivos de CNEP incluem: crises em ambientes públicos ou durante o sono superficial, movimentos motores atípicos (assimétricos, lentos, com arqueamento), olhos fechados com resistência à abertura, e vocalizações emocionais.

Monitoramento com vídeo-EEG

  • É o padrão-ouro para diagnóstico. Permite correlação entre sinais clínicos (registrados em vídeo) e atividade elétrica cerebral (EEG).
  • Em crises psicogênicas, o EEG não apresenta atividade epileptiforme, mesmo diante de sintomas motores ou perda de consciência.
  • A presença de ritmo alfa no EEG durante aparente inconsciência sugere alerta, contrariando uma crise epiléptica verdadeira.

Exames laboratoriais

  • O uso do prolactina sérica tem utilidade limitada. Ela pode se elevar após crises epilépticas tônico-clônicas generalizadas, mas não após CNEP.
    • No entanto, a prolactina também pode se elevar em crises sincopais convulsivas, o que limita seu valor diagnóstico.
  • Lactato e creatina quinase podem se elevar após crises epilépticas prolongadas, mas também não são específicos.
  • Nenhum marcador laboratorial isolado permite distinguir com precisão entre CNEP e epilepsia.

Neuroimagem

  • Realizada principalmente na investigação de crises epilépticas, mas não apresenta achados específicos para CNEP.
  • Estudos mostraram afinamento cortical no córtex orbitofrontal medial em pacientes com CNEP, mas ainda sem aplicação clínica consolidada.

Avaliação neuropsicológica e psiquiátrica

  • Pode auxiliar no entendimento da estrutura de personalidade, cognição e possíveis comorbidades psiquiátricas.
  • CNEP está associada com maior prevalência de transtornos de personalidade do cluster B, especialmente traços borderline e depressivos.
  • A avaliação psicológica é útil não para confirmar o diagnóstico, mas para planejamento terapêutico individualizado.

Tratamento das Crises Não Epilépticas Psicogênicas

O tratamento das crises não epilépticas psicogênicas (CNEP) começa com uma apresentação empática do diagnóstico, ressaltando que os eventos são reais e que há tratamento eficaz disponível. É fundamental informar que, na ausência de epilepsia, não há necessidade de anticonvulsivantes, e que esses medicamentos devem ser suspensos quando o diagnóstico de CNEP é confirmado.

Após o diagnóstico, o suporte terapêutico deve ser iniciado rapidamente, mantendo o acompanhamento médico para evitar o abandono do tratamento, mesmo que o paciente resista inicialmente à condição. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é considerada o tratamento mais eficaz, podendo reduzir em mais de 50% a frequência das crises, e seu efeito é potencializado quando combinada com antidepressivos como a sertralina. Além disso, a TCC melhora a qualidade de vida, o humor e o funcionamento geral.

Também é importante tratar comorbidades psiquiátricas, como transtornos de humor e estresse pós-traumático, de forma integrada, para aumentar as chances de sucesso no tratamento, que deve ser individualizado e contar com a participação contínua de neurologistas e profissionais de saúde mental.

Veja também!

Referências

Huff JS, Lui F, Murr NI. Psychogenic Nonepileptic Seizures. [Updated 2024 Feb 25]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441871/

Roderick Duncan, MD, PhD, FRCP. Functional seizures: Etiology, clinical features, and diagnosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

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