E aí, doc! Vamos aprofundar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Diabetes Monogênica, uma forma rara da doença causada por mutações em um único gene, geralmente diagnosticada em pacientes jovens e muitas vezes confundida com diabetes tipo 1 ou tipo 2.
O Estratégia MED está aqui para esclarecer esse conceito e ajudar você a diferenciar os subtipos de diabetes, otimizando o diagnóstico e o tratamento com base em evidências.
Bora seguir aprendendo!
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Definição de Diabetes Monogênica
A diabetes monogênica é um grupo de doenças hereditárias causadas por mutações em genes que afetam diretamente o funcionamento das células β do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina.
Diferentemente dos tipos mais comuns de diabetes (tipo 1 e tipo 2), a diabetes monogênica possui um padrão genético definido, sendo frequentemente transmitida de forma autossômica dominante.
Esse grupo inclui formas como a diabetes neonatal, que surge nos primeiros meses de vida, e o diabetes do tipo MODY (Maturity-Onset Diabetes of the Young), que se manifesta geralmente em adolescentes ou adultos jovens e apresenta forte histórico familiar.
Reconhecida oficialmente como um subtipo de diabetes apenas em 1999 pela American Diabetes Association e pela Organização Mundial da Saúde, a diabetes monogênica continua a representar um desafio diagnóstico.
Isso ocorre pela ampla variabilidade clínica entre os diferentes subtipos e pela semelhança com as formas mais prevalentes de diabetes, o que pode levar à subvalorização ou confusão no reconhecimento dessa condição.
O avanço do conhecimento em biologia molecular tem permitido uma melhor compreensão das bases genéticas envolvidas, mas o diagnóstico ainda depende de uma elevada suspeição clínica e da confirmação por testes genéticos específicos.
Epidemiologia
O diabetes MODY corresponde a cerca de 1 a 5% de todos os casos de diabetes, incluindo 1 a 6% dos casos pediátricos. A incidência mínima estimada da diabetes monogénica é de 0,2 por 100.000 crianças e jovens por ano, sendo o MODY identificado em 2,4% dos casos de diabetes diagnosticados antes dos 15 anos. Muitos casos são subdiagnosticados ou confundidos com diabetes tipo 1 ou tipo 2, devido à semelhança clínica entre os subtipos.
Na Europa, a prevalência varia conforme a região: mutações no gene HNF1α são mais comuns no norte, enquanto alterações no gene GCK predominam no sul.
No Reino Unido, os subtipos mais frequentes são HNF1α-MODY (52%), GCK-MODY (32%) e HNF4α-MODY (10%). A detecção de GCK-MODY é mais elevada em países com rastreio de hiperglicemia assintomática, como França, Espanha e Itália.
Classificação da Diabetes Monogênica
Com os avanços da biologia molecular, a classificação mais moderna da diabetes monogênica passou a ser baseada no gene mutado e nos mecanismos moleculares envolvidos. Essa abordagem permite uma definição mais precisa da etiologia e orienta diretamente o tratamento e o aconselhamento genético.
Diabetes diagnosticada antes dos 6 meses de idade
Esse grupo engloba a diabetes neonatal, que pode ser transitória ou permanente. A forma transitória é geralmente causada por alterações no locus 6q24, enquanto a forma permanente se deve a mutações nos genes KCNJ11 ou ABCC8, que codificam subunidades do canal de potássio da célula β. Essas mutações impedem o fechamento do canal de potássio, comprometendo a liberação de insulina.
Diabetes familiar com hiperglicemia moderada
Esse subtipo, anteriormente conhecido como MODY 2, é causado por mutações no gene da glucocinase (GCK). Apresenta hiperglicemia leve e estável desde o nascimento, sem necessidade de tratamento medicamentoso. Os pacientes geralmente permanecem assintomáticos e têm baixo risco de complicações.
Diabetes familiar de início precoce
Inclui subtipos clássicos do grupo MODY, como MODY 1 (HNF4A), MODY 3 (HNF1A), MODY 4 (IPF1) e MODY 6 (NEUROD1). Essas mutações afetam fatores de transcrição responsáveis pela regulação da secreção de insulina. Os pacientes desenvolvem hiperglicemia progressiva, geralmente antes dos 25 anos de idade, e respondem bem ao uso de sulfonilureias, dispensando muitas vezes o uso de insulina.
Diabetes com manifestações extra-pancreáticas
Essa categoria abrange casos em que a diabetes se associa a outras alterações sistêmicas. O principal exemplo é a mutação no gene HNF1B, associada à presença de cistos renais e anomalias geniturinárias (anteriormente conhecida como MODY 5). Outro exemplo importante é a diabetes mitocondrial, decorrente de mutações no DNA mitocondrial (como a m.3243A>G), que se manifesta com diabetes e surdez neurossensorial.
Diagnóstico da Diabetes Monogênica
O diagnóstico da diabetes monogênica é desafiador devido à sua heterogeneidade clínica e à semelhança com outros tipos de diabetes. No entanto, sua correta identificação é essencial, pois permite um tratamento personalizado e pode evitar o uso inadequado de insulina. Veja os principais aspectos diagnósticos:
Quando suspeitar?
A suspeita deve surgir diante de algumas situações clínicas específicas:
- Diabetes diagnosticada antes dos 6 meses de vida (sugere mutações em KCNJ11, ABCC8 ou locus 6q24).
- Hiperglicemia persistente e leve desde o nascimento, especialmente em indivíduos assintomáticos, sugere mutação na glucocinase (GCK).
- História familiar de diabetes com início precoce (antes dos 25 anos), especialmente em indivíduos não obesos, sem cetoacidose ou autoanticorpos, sugere mutações em HNF1A, HNF4A, entre outros genes.
- Casos de diabetes gestacional com glicemia de jejum persistentemente elevada, antes, durante e após a gestação, podem também indicar mutação em GCK.
Exames que ajudam na triagem
- Dosagem de peptídeo C: a presença de níveis detectáveis fora do “período lua-de-mel” da DM1 indica produção endógena de insulina.
- Autoanticorpos negativos: reforçam a exclusão de DM1.
- Glicosúria com glicemia <180 mg/dL: comum em mutações de HNF1A.
- Hemoglobina A1c inferior a 7,5% com hiperglicemia leve e estável: característica da mutação de GCK.
Confirmação diagnóstica
O teste genético molecular é o padrão-ouro. Ele identifica a mutação específica, confirma o diagnóstico, orienta a conduta terapêutica e permite aconselhamento genético para familiares. Apesar de seu custo elevado, o teste é mais custo-efetivo a longo prazo, evitando tratamentos desnecessários e rastreando familiares em risco.
Tratamento da Diabetes Monogênica
O tratamento da diabetes monogênica deve ser direcionado conforme o subtipo genético identificado, uma vez que diferentes mutações têm impacto distinto na função da célula β pancreática. A seguir, estão os principais subtipos e suas abordagens terapêuticas específicas.
Diabetes neonatal transitória
Esse tipo de diabetes surge geralmente antes dos 6 meses de idade e está associado a alterações no locus 6q24. A hiperglicemia tende a remitir espontaneamente por volta da 12ª semana de vida, embora haja risco de recorrência na infância. Inicialmente, muitos desses pacientes precisam de insulinoterapia para controlar a glicemia. Após a remissão, o acompanhamento clínico é suficiente. Em caso de recorrência, a escolha do tratamento dependerá da função pancreática residual, podendo incluir insulina ou antidiabéticos orais.
Diabetes neonatal permanente
Esse subtipo é causado por mutações nos genes KCNJ11 e ABCC8, que codificam componentes do canal de potássio ATP-sensível das células β. As mutações impedem o fechamento do canal, bloqueando a liberação de insulina. O tratamento mais eficaz nesses casos é feito com sulfonilureias orais, como gliclazida ou glibenclamida.
Esses medicamentos agem diretamente sobre o canal de potássio, permitindo a secreção de insulina mesmo com baixos níveis de ATP. As doses recomendadas variam de 0,4 a 0,8 mg/kg/dia, geralmente maiores que as usadas na diabetes tipo 2. A resposta ao tratamento costuma ser excelente, permitindo a retirada completa da insulina. Esse caso representa um exemplo claro de farmacogenética aplicada ao manejo clínico.
Diabetes familiar com hiperglicemia moderada (MODY 2 – GCK)
Esse tipo de diabetes é causado por mutações no gene da glucocinase (GCK) e caracteriza-se por hiperglicemia leve e estável desde o nascimento. A doença é geralmente assintomática, e as complicações são raras.
O tratamento consiste apenas em monitoramento e dieta hipoglicídica, sem necessidade de medicação. A hemoglobina glicada raramente ultrapassa 7,5%. Durante a gestação, no entanto, pode ser necessário utilizar insulina se houver suspeita de que o feto não herdou a mutação, já que a hiperglicemia materna poderia estimular hiperinsulinismo fetal.
Diabetes familiar de início precoce (MODY 1, 3, 4, 6)
Esses subtipos envolvem mutações em genes que codificam fatores de transcrição nuclear essenciais à função das células β. O mais frequente é o MODY 3, causado por mutações no gene HNF1A. Os pacientes apresentam hiperglicemia progressiva, geralmente diagnosticada antes dos 25 anos.
O tratamento de escolha é feito com sulfonilureias, pois esses pacientes são até quatro vezes mais sensíveis a esses medicamentos do que os portadores de diabetes tipo 2. Doses usuais de gliclazida (20 a 40 mg por dia) são eficazes para manter o controle glicêmico. Em muitos casos, é possível suspender a insulinoterapia. Em gestantes, o uso de insulina continua indicado, já que não se sabe se o feto é portador da mutação.
No caso do MODY 1, causado por mutações em HNF4A, o quadro clínico é semelhante, e o tratamento com sulfonilureias também é eficaz. Já nos subtipos mais raros como MODY 4 (IPF1) e MODY 6 (NEUROD1), a resposta ao tratamento pode variar, e alguns pacientes eventualmente requerem insulina, dependendo da progressão da disfunção da célula β.
Diabetes com manifestações extra-pancreáticas
Esse grupo inclui formas de diabetes monogênica associadas a alterações em outros órgãos. Um exemplo importante é o MODY 5, causado por mutações no gene HNF1B, caracterizado por diabetes precoce e malformações renais (como rins policísticos ou displasia renal). O comprometimento pancreático é significativo, e os pacientes geralmente necessitam de insulinoterapia precoce, pois não respondem bem aos antidiabéticos orais.
Outro subtipo é a diabetes mitocondrial, mais comumente associada à mutação m.3243A>G no DNA mitocondrial. Essa forma de diabetes acompanha manifestações como surdez neurossensorial, retinopatia, miopatia e encefalopatia. O tratamento indicado é a insulina, e é essencial o aconselhamento genético, pois todas as mulheres portadoras transmitem a mutação aos filhos.
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Referências
MORENO, C.; RUAS, L.; CARVALHEIRO, M. Diabetes monogénica: doença rara ou subdiagnosticada? Revista Portuguesa de Diabetes, Lisboa, v. 7, n. 1, p. 37–43, 2012.
BALATA, Scarlett Letícia Elídio. Diabetes monogénica. 2023. 44 f. Artigo de revisão (Trabalho final de mestrado) – Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2023. Orientação: Joana Carina de Pinho Marques Saraiva; Maria Leonor Viegas Gomes.
PINTO, Débora Lima; ARAÚJO, Rubem de; CRUZ, Suzane Araújo; CANAVARRO, Thaís Alessandra; BRITO, Marcelo Augusto Mota. Diabetes monogênico: diabetes tipo MODY, diabetes neonatal. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 7, n. 12, p. 114188–114205, dez. 2021. DOI: https://doi.org/10.34117/bjdv7n12-276.