Resumo sobre Doença de Caroli: definição, fisiopatologia e mais!
Colangiografia por ressonância magnética em um lactente com doença de Caroli. Observa-se ectasia biliar em todo o fígado e dilatação sacular dos ductos biliares no lobo esquerdo (seta). Os rins apresentam alterações típicas da doença renal policística autossômica recessiva, com aumento maciço devido à dilatação fusiforme dos ductos coletores. Fonte: UpToDate

Resumo sobre Doença de Caroli: definição, fisiopatologia e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Caroli, uma condição hepática rara caracterizada pela dilatação sacular ou cistiforme dos ductos biliares intra-hepáticos, resultado de uma malformação congênita do sistema biliar.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos lá!

Definição de Doença de Caroli

Doença de Caroli é uma condição congênita rara caracterizada pela dilatação segmentar e não obstrutiva dos grandes ductos biliares intra-hepáticos, que se apresentam como formações císticas nos exames de imagem. 

Ela integra o grupo das doenças hepáticas fibropoliscísticas, resultantes de malformações da placa ductal durante o desenvolvimento embrionário. Os pacientes costumam apresentar episódios recorrentes de colangite, hepatolitíase e maior risco de colangiocarcinoma devido à estase biliar e inflamação crônica. 

Quando essa dilatação dos ductos ocorre juntamente com fibrose hepática congênita e manifestações de hipertensão portal, a condição recebe o nome de síndrome de Caroli. Reconhecer precocemente a doença de Caroli é fundamental para manejo adequado, vigilância de complicações e definição da melhor abordagem terapêutica.

Fisiopatologia da Doença de Caroli

A fisiopatologia da doença de Caroli envolve alterações congênitas no desenvolvimento dos grandes ductos biliares. Durante a embriogênese, ocorre uma interrupção na maturação desses ductos, o que leva à formação de dilatações císticas intra-hepáticas. 

Embora essas alterações modifiquem a morfologia hepática, a função do fígado geralmente permanece preservada. As dilatações podem comprometer um segmento específico, um lobo ou até todo o fígado, e os ductos anormalmente ampliados tornam-se propensos ao acúmulo de lama biliar e à formação de cálculos intra-hepáticos. 

Isso cria um ambiente favorável para infecção e episódios recorrentes de colangite, podendo evoluir, de forma rara, para cirrose biliar secundária devido à lesão epitelial crônica.

Nos casos em que há associação com fibrose hepática congênita, caracterizando a síndrome de Caroli, destaca-se o papel central da fibrocistina. Essa proteína, localizada nos cílios luminais dos colangiócitos, atua como receptor em vias de sinalização que regulam a composição da bile, o controle apoptótico do epitélio biliar e a proliferação celular durante o desenvolvimento hepático e renal. Anomalias ou ausência dessa proteína comprometem essas funções, levando à dilatação cística grosseira dos ductos biliares e ao desenvolvimento de fibrose portal. 

Epidemiologia da Doença de Caroli

A doença de Caroli é extremamente rara, com prevalência estimada de 1 para 1.000.000 de pessoas, enquanto a síndrome de Caroli é mais comum, afetando cerca de 1 para 100.000 indivíduos. Ambas seguem herança autossômica recessiva, geralmente causadas por variantes patogênicas no gene PKHD1, que codifica a fibrocistina, proteína essencial para funções ciliares e para o desenvolvimento hepatorrenal. Mais de 100 mutações já foram descritas, sem distinção genética clara entre doença e síndrome.

Casos raros também foram associados a mutações nos genes PKD1 e PKD2, típicos da doença renal policística autossômica dominante, e no gene WDR19, ligado à nefronoftise. A doença de Caroli pode ainda coexistir com outras síndromes fibrocísticas hepatorrenais, como Meckel-Gruber, COACH, Joubert, Bardet–Biedl e a síndrome oro-fácio-digital.

Manifestações clínicas da Doença de Caroli

Os sintomas da doença de Caroli costumam surgir no início da vida adulta, e mais de 80 por cento dos pacientes apresentam sintomas antes dos 30 anos. As manifestações típicas incluem febre, icterícia e dor abdominal, geralmente relacionadas à colangite. 

Casos de colangite aguda podem evoluir com abscesso hepático, sepse, disfunção múltipla de órgãos e choque. Alguns pacientes apresentam apenas dor abdominal intermitente ou prurido devido à colestase.

Pacientes com síndrome de Caroli podem apresentar colangite aguda ou sinais de hipertensão portal não cirrótica. Entre as complicações mais comuns está a hemorragia digestiva alta causada por varizes esofágicas. 

Em estágios avançados ou após um episódio de sangramento gastrointestinal, podem ocorrer icterícia, ascite, encefalopatia hepática ou síndrome hepatopulmonar. Em crianças, o quadro costuma iniciar mais cedo e evoluir mais rapidamente. Lactentes podem apresentar colestase. Ao exame físico, o fígado frequentemente está aumentado e o baço se torna palpável conforme a hipertensão portal progride.

Achados renais associados

Alguns pacientes podem apresentar nefronoftise juvenil ou doença cística medular, embora essas associações sejam raras.

Achados laboratoriais

Os exames laboratoriais podem mostrar padrão colestático de lesão hepática, com elevação de fosfatase alcalina, gama-GT e bilirrubina predominantemente conjugada. Durante episódios de colangite aguda, costuma haver leucocitose com predomínio de neutrófilos. Em alguns casos pode haver padrão de necrose hepatocelular com aminotransferases que podem chegar a 2000 UI por litro. 

A má absorção de vitamina K em casos de colestase crônica pode levar à coagulopatia. A função sintética hepática, refletida por albumina sérica e INR, é preservada inicialmente, mas pode se alterar com o avanço da doença devido a episódios repetidos de colangite e obstrução biliar.

Complicações da Doença de Caroli

Cerca de 30 por cento dos pacientes apresentam cálculos intra-hepáticos, que aumentam o risco de episódios recorrentes de colangite. Episódios repetidos podem levar à cirrose biliar secundária.


O risco de colangiocarcinoma também é elevado, com incidência de até 7 por cento em algumas séries de casos. Esse risco aumentado parece estar relacionado à estase biliar e à alta concentração de sais biliares secundários não conjugados. 

Embora raro na infância, o risco aumenta com a idade. A deterioração clínica rápida sem explicação, acompanhada de icterícia, perda de peso, dor abdominal ou surgimento de nova estenose biliar, deve levantar suspeita de colangiocarcinoma.

Diagnóstico da Doença de Caroli

O diagnóstico da doença de Caroli geralmente é feito de forma incidental durante exames de imagem, como ultrassonografia ou colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM). 

Esses exames revelam dilatação cística dos grandes ductos biliares intra-hepáticos proximais, enquanto o ducto biliar comum permanece normal. Esses achados são observados em pacientes que apresentam colangite aguda, alterações nos testes de função hepática ou episódios recorrentes de dor abdominal e icterícia.

A síndrome de Caroli é diagnosticada quando, além das dilatações císticas, existe também hipertensão portal. Essa condição é identificada pela presença de varizes esofágicas ou gástricas, sangramento por varizes ou evidência de shunts portossistêmicos nas imagens.

Exames de imagem

Os métodos de imagem desempenham papel central no diagnóstico. Os principais achados incluem ectasia biliar e dilatações císticas irregulares dos grandes ductos biliares intra-hepáticos. Esses ductos dilatados mantêm comunicação com o restante do sistema biliar, e o acometimento pode ser segmentar ou restrito a um lobo hepático, com predomínio do lobo esquerdo.

Um sinal característico nas tomografias e ressonâncias é o “central dot sign”, que corresponde a focos puntiformes de realce contrastado dentro dos ductos dilatados, representando ramos da artéria porta ou estruturas fibrovasculares cercadas pela dilatação cística. Além disso, os exames podem mostrar sinais renais associados, como alterações compatíveis com doença policística renal.

Doença de Caroli
Colangiografia por ressonância magnética em um lactente com doença de Caroli. Observa-se ectasia biliar em todo o fígado e dilatação sacular dos ductos biliares no lobo esquerdo (seta). Os rins apresentam alterações típicas da doença renal policística autossômica recessiva, com aumento maciço devido à dilatação fusiforme dos ductos coletores. Fonte: UpToDate

Biópsia hepática

A biópsia hepática não é necessária para o diagnóstico de rotina e pode representar risco aumentado devido à dilatação cística das vias biliares. No entanto, pode ser indicada em situações específicas, como em pacientes com hepatomegalia endurecida, sinais de hipertensão portal e ausência de dilatação biliar evidente nos exames de imagem.

Na síndrome de Caroli, a histologia pode mostrar bandas amplas de fibrose madura, ductos biliares deformados e aumento dos espaços-porta. Podem ser vistos também complexos de von Meyenburg, características comuns das malformações da placa ductal. A inflamação crônica e aguda ao redor dos ductos dilatados pode estar presente quando há colangite associada.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial é essencial para evitar confusões com outras doenças hepatobiliares. Os principais diagnósticos diferenciais incluem:

  1. Abscesso hepático: pode gerar dor no quadrante superior direito e alterações laboratoriais semelhantes, mas a ultrassonografia e a tomografia permitem diferenciá-lo da colangite associada à doença de Caroli.
  2. Doença policística hepática: a comunicação entre os sacos císticos e os ductos biliares, presente na doença de Caroli, ajuda a distinguir essa condição da doença policística, na qual os cistos não se comunicam com a árvore biliar.

Tratamento da Doença de Caroli

O manejo da doença de Caroli é fundamentalmente de suporte e depende das manifestações clínicas. Todos os pacientes devem ser acompanhados quanto às consequências da colestase crônica, incluindo deficiência de vitaminas lipossolúveis.

Avaliações laboratoriais de vitaminas A, D, E e do tempo de protrombina devem ser feitas anualmente. Pacientes com risco adicional para osteoporose devem realizar densitometria óssea, já que a baixa massa óssea é comum em doenças colestáticas.

Pacientes com coledocolitíase e colangite

A colangite aguda é tratada com suporte clínico, antibióticos e drenagem biliar. Devido à estase biliar e à litíase intra-hepática, as infecções podem ser difíceis de controlar e exigir cursos prolongados de antibióticos.

Procedimentos endoscópicos, percutâneos ou combinados podem ser usados para remover cálculos e melhorar a drenagem biliar. A remoção de cálculos do ducto biliar comum por esfinterotomia endoscópica é mais simples, mas a retirada de cálculos intra-hepáticos é complexa. 

Técnicas como litotripsia extracorpórea por ondas de choque, litotripsia eletro-hidráulica, colangioscopia peroral e litotripsia a laser podem ser empregadas conforme disponibilidade e anatomia do paciente.

O uso prolongado de ácido ursodesoxicólico também pode favorecer a redução da estase biliar e auxiliar na dissolução parcial dos cálculos.

Tratamento cirúrgico em casos selecionados

A hepatectomia parcial pode ser curativa quando a doença está restrita a um lobo hepático, especialmente o lobo esquerdo, frequentemente acometido. Estudos mostram altas taxas de sobrevida após a ressecção hepática, com bom prognóstico em longo prazo.

Transplante hepático

Pacientes com infecções biliares recorrentes, deterioração progressiva da função hepática ou complicações de hipertensão portal podem necessitar de transplante hepático.

Em estudos com pacientes com síndrome de Caroli ou fibrose hepática congênita, o transplante foi indicado principalmente por sangramento gastrointestinal refratário, colangite recorrente e ascite.

A sobrevida em cinco anos é elevada, ultrapassando 97 por cento em algumas séries. Em pacientes com comprometimento renal associado, o transplante combinado de fígado e rim pode ser necessário.

Prevenção e manejo das complicações na síndrome de Caroli

Como a síndrome de Caroli cursa com hipertensão portal, o tratamento deve incluir rastreamento e prevenção das suas complicações, principalmente sangramento por varizes esofágicas.

  • Rastreamento de varizes esofágicas deve ser feito com endoscopia digestiva alta. O manejo segue protocolos usados em pacientes com cirrose, incluindo betabloqueadores não seletivos e ligadura elástica.
  • Procedimentos de derivação seletiva podem ser utilizados para reduzir a hipertensão portal, desde que a função hepática esteja preservada.
  • O uso de TIPS é geralmente evitado devido às dilatações císticas da árvore biliar.
  • Pacientes com hipertensão portal devem realizar rastreamento para trombose de veia porta com ultrassonografia Doppler a cada seis meses.

Veja também!

Referências

Frederick J Suchy, MD, FAASLD. Hepatic fibrocystic diseases (Caroli disease and Caroli syndrome). UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate

Kyalwazi B, Kudaravalli P, John S. Caroli Disease. [Updated 2024 Aug 16]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK513307/

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