E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Hirschsprung, uma condição congênita caracterizada pela ausência de células ganglionares em segmentos do intestino, o que compromete a motilidade intestinal e leva à obstrução funcional.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Doença de Hirschsprung
A doença de Hirschsprung é uma condição congênita do trato gastrointestinal que se caracteriza pela ausência de células ganglionares nos plexos nervosos responsáveis pela motilidade intestinal, especificamente o plexo de Meissner, localizado na submucosa, e o plexo de Auerbach, presente na camada muscular. Essa ausência ocorre inicialmente no reto terminal, mas pode se estender em diferentes graus para segmentos mais proximais do intestino.
A falta dessas células ganglionares compromete a coordenação da motilidade intestinal, o que leva a dificuldade na propulsão das fezes e causa sintomas como constipação crônica e episódios de obstrução intestinal.
A doença geralmente se manifesta nos primeiros dias de vida, sendo uma das causas mais importantes de obstrução intestinal no período neonatal, embora também possa ser diagnosticada em crianças mais velhas.
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Epidemiologia
A doença de Hirschsprung ocorre em cerca de 1 a cada 5.000 nascidos vivos, com predominância no sexo masculino (relação de 3:1 a 4:1). Nos casos de aganglionose total do cólon, essa diferença entre os sexos diminui, chegando a 1:1.
Existe risco de recorrência familiar, estimado em 3% entre irmãos de pacientes com doença de segmento curto e até 17% nos casos de segmento longo, sendo maior quando o afetado é do sexo feminino ou quando há múltiplos casos na família.
Fisiopatologia da Doença de Hirschsprung
A fisiopatologia da doença de Hirschsprung está relacionada a alterações no desenvolvimento embrionário e a fatores genéticos que comprometem a formação do sistema nervoso entérico. O mecanismo mais aceito envolve um defeito na migração craniocaudal dos neuroblastos derivados da crista neural, processo que ocorre entre a quarta e a sétima semana de gestação.
Nessas situações, as células não alcançam o cólon distal, resultando em segmentos agangliônicos que apresentam motilidade intestinal anormal. Além da falha na migração, também podem ocorrer defeitos na diferenciação dos neuroblastos em células ganglionares ou destruição dessas células no intestino.
Do ponto de vista genético, a doença de Hirschsprung é considerada complexa, com variantes em múltiplos genes, de baixa penetrância e expressão variável. O principal gene envolvido é o RET proto-oncogene, essencial para a migração, sobrevivência e diferenciação das células da crista neural que dão origem ao sistema nervoso entérico.
Mutações nesse gene estão presentes em aproximadamente metade dos casos familiares e em um terço dos casos esporádicos, sendo ainda mais frequentes na aganglionose total do cólon. Outros genes, como GDNF, NRTN, EDNRB, EDN3, ECE1, SOX10, PHOX2B e NRG1, também estão relacionados ao desenvolvimento da doença, já que participam da regulação da formação neural.
A doença pode ocorrer de forma isolada ou estar associada a alterações sindrômicas e cromossômicas. A síndrome de Down é a mais frequentemente associada, estando presente em 2 a 16% dos indivíduos com a condição.
Além dela, há associação com síndromes como Bardet-Biedl, Cartilage-hair hypoplasia, síndrome da hipoventilação central congênita (Haddad), disautonomia familiar, neoplasia endócrina múltipla tipo 2, Mowat-Wilson, Smith-Lemli-Opitz e Waardenburg tipo 4. Nessas situações, variantes do gene RET podem atuar como modificadoras, influenciando a gravidade do fenótipo.
Manifestações clínicas da Doença de Hirschsprung
As manifestações clínicas da doença de Hirschsprung variam conforme a extensão da aganglionose e a idade do paciente. A forma mais comum envolve o reto e o sigmoide (segmento curto), enquanto 15% a 20% apresentam aganglionose proximal (segmento longo) e cerca de 5% têm envolvimento de todo o cólon, com desfechos mais graves quanto maior a extensão.
No período neonatal, os sinais mais frequentes são vômitos biliosos, distensão abdominal e atraso na eliminação do mecônio nas primeiras 48 horas de vida. Outros achados incluem história de polidrâmnio, episódios recorrentes de constipação por transbordamento e o “sinal do jato” após toque retal.
Complicações graves, como a enterocolite associada (HAEC), podem evoluir para megacólon tóxico, enquanto eventos menos comuns incluem vólvulo e apendicite neonatal.
Em crianças mais velhas ou adultos, a doença pode se apresentar como constipação crônica refratária, distensão abdominal e falha no ganho de peso, geralmente relacionada a formas de segmento curto ou ultracurto.
Entre 20% e 25% dos pacientes apresentam anomalias congênitas ou genéticas associadas, incluindo malformações do trato urinário, cardiopatias, alterações visuais e auditivas, além de malformações anorretais. A presença dessas alterações pode auxiliar na suspeita diagnóstica e na avaliação do paciente.
Diagnóstico da Doença de Hirschsprung
O diagnóstico da doença de Hirschsprung (HD) inicia-se com suspeita clínica, baseada em sinais e sintomas característicos. No período neonatal, os principais indicativos incluem vômitos biliosos, distensão abdominal, constipação crônica e falha na eliminação do mecônio nas primeiras 48 horas de vida.
É importante também considerar fatores de risco, como síndrome de Down e história familiar de HD. Nos casos de enterocolite associada (HAEC), caracterizada por febre, diarreia explosiva, vômitos e distensão abdominal, a avaliação deve ser realizada de forma urgente.
A investigação diagnóstica envolve métodos não invasivos e invasivos:
- Exames não invasivos
- O enema contrastado pode indicar a presença da doença ao mostrar a zona de transição, ou seja, a passagem do segmento estreitado (agangliótico) para o cólon dilatado proximalmente. Esse exame auxilia no planejamento cirúrgico, mas resultados normais não excluem HD, principalmente em recém-nascidos ou em formas extensas da doença.
- A manometria anorretal é especialmente útil em crianças mais velhas e em casos de HD de segmento ultracurto. A presença de relaxamento normal do esfíncter anal interno durante a distensão retal praticamente exclui a doença, enquanto sua ausência é sugestiva de HD.
- Exame invasivo: biópsia retal
O padrão-ouro para o diagnóstico é a biópsia retal, que pode ser realizada por sucção ou, se necessário, por biópsia de espessura total. A amostra deve ser obtida 2 cm acima da linha dentada, evitando a zona fisiologicamente hipogangliônica ou agangliônica do reto distal.- A ausência de células ganglionares confirma HD.
- Achados complementares, como hipertrofia de fibras nervosas, aumento da atividade de acetilcolinesterase ou ausência de fibras calretinina-imunorreativas, reforçam o diagnóstico.
- Quando coletadas corretamente, as biópsias apresentam alta sensibilidade e especificidade, sendo mais confiáveis que o enema contrastado ou a manometria em crianças até três anos.
- Exames complementares
A radiografia abdominal simples tem utilidade limitada, sendo indicada principalmente em casos de baixa suspeita clínica. Pode sugerir obstrução distal pela diminuição ou ausência de ar no reto e dilatação das alças intestinais proximais.
Tratamento da Doença de Hirschsprung
O tratamento da doença de Hirschsprung (HD) é predominantemente cirúrgico, com o objetivo de ressecar o segmento agangliótico do reto e do cólon, trazer o intestino normal com células ganglionares até o reto distal próximo ao ânus e preservar a função do esfíncter anal interno.
Historicamente, a cirurgia era realizada em duas ou três etapas, com a criação inicial de uma colostomia descompressiva, seguida da correção definitiva. Atualmente, a maioria dos centros realiza o procedimento em uma única etapa, o que pode reduzir complicações.
Técnicas laparoscópicas assistidas e transanais são atualmente preferidas em muitos centros, proporcionando menor dor, menor tempo de internação, retomada mais rápida da alimentação e cicatrizes menos visíveis, com resultados semelhantes às cirurgias abertas.
Além da correção cirúrgica, é importante avaliar anomalias congênitas associadas, comuns especialmente em HD sindrômica, como anomalias geniturinárias, deficiência auditiva e visual.
Devido à alta frequência de malformações urinárias, alguns especialistas recomendam rastreamento ultrassonográfico do trato urinário. Todos os pacientes devem ser submetidos a triagem auditiva rotineira.
A avaliação por geneticista clínico é recomendada em pacientes com características sindrômicas ou anomalias, bem como naqueles sem anomalias aparentes. Em casos com histórico familiar de neoplasias associadas à síndrome MEN2A, o rastreamento genético pode ser indicado para familiares de primeiro grau.
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AL – Hospital Memorial Arthur Ramos – HMAR – 2018 – Residência (Acesso Direto)
A doença de Hirschsprung ocorre em um a cada 5.000 nascidos vivos. É INCORRETO afirmar que:
A) está associada a espasmo muscular do cólon distal e esfincter anal interno, resultando em obstrução funcional.
B) a aglangliose se incia na transição anoretal.
C) o retossigmoide é afetado em aproximadamente 80% dos casos.
D) o enema contrastado é o padrão ouro para o diagnóstico.
Comentário da questão:
Alternativas (A), (B) e (C) CORRETAS. A Aganglionose Intestinal Congênita ou Doença de Hirschsprung (DH) é um distúrbio congênito do cólon decorrente de alteração da inervação intestinal parassimpática. Decorre de alteração na migração das células da crista neural em direção ao intestino distal. A aganglionose se inicia na transição anorretal. O comprimento do segmento aganglionar é variável. A parada da migração pode ocorrer em qualquer parte do intestino, mas em cerca de 80% das vezes ocorre ao nível do retossigmoide. Devido à ausência de células ganglionares nos plexos mioentérico e submucoso, a zona aganglionar é aperistáltica, espástica, e constitui um obstáculo ao livre e harmônico trânsito intestinal. Os segmentos proximais, ganglionares, dilatam-se, há progressiva hipertrofia muscular e a parede torna-se espessada.
(D) INCORRETA. A biópsia retal é o exame padrão-ouro para o diagnóstico da DH. Células ganglionares ausentes, hipertrofia de troncos nervosos nos plexos submucoso e mioentérico e imuno-histoquímica positiva para acetilcolinesterase (AChE) são os critérios histopatológicos.
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Referências
Lotfollahzadeh S, Taherian M, Anand S. Hirschsprung Disease. [Updated 2023 Jun 3]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK562142/
Monica Esperanza Lopez, MD, MS. Congenital aganglionic megacolon (Hirschsprung disease). UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate