E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Legg-Calvé-Perthes, uma condição ortopédica que afeta a cabeça do fêmur em crianças, levando à necrose avascular e possíveis deformidades articulares.
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Vamos nessa!
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Definição de Doença de Legg-Calvé-Perthes
A Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) é uma condição ortopédica que afeta o desenvolvimento da articulação do quadril em crianças. Trata-se de uma osteonecrose idiopática da cabeça femoral, decorrente da interrupção temporária ou permanente do suprimento sanguíneo para a epífise proximal do fêmur. Essa privação de irrigação arterial leva à necrose isquêmica avascular, resultando em alterações no crescimento ósseo e no formato da articulação do quadril.
Acomete principalmente crianças entre 4 e 8 anos de idade, sendo mais frequente no sexo masculino. A doença geralmente afeta um dos lados, com predileção pelo quadril esquerdo, embora possa ocorrer bilateralmente.
Entre os possíveis fatores relacionados à sua origem, destacam-se alterações vasculares, como a diminuição da vascularização da região afetada, ausência da artéria circunflexa medial ou obstrução de seus ramos distais, o que compromete a nutrição óssea da cabeça femoral.
O processo da doença se desenvolve em estágios, que incluem necrose, fragmentação, reossificação e remodelação óssea. Durante sua evolução, a criança pode apresentar dor no quadril, na coxa ou no joelho, além de claudicação e limitação dos movimentos da articulação.
Fisiopatologia da Doença de Legg-Calvé-Perthes
A circulação da cabeça femoral depende principalmente da artéria circunflexa medial e de seus ramos. A doença pode ocorrer devido à hipoplasia ou atrofia dessa artéria, obstrução dos ramos distais ou alterações nos capilares epifisários que dificultam a perfusão sanguínea.
Além disso, fatores predisponentes, como distúrbios da coagulação e eventos trombóticos locais, podem contribuir para o comprometimento da vascularização. A privação do suprimento sanguíneo leva à morte dos osteócitos e da medula óssea na epífise, causando perda estrutural e funcional do osso.
A necrose óssea desencadeia uma resposta inflamatória na articulação do quadril, especialmente na membrana sinovial. Esse processo resulta em sinovite reativa, caracterizada por aumento do líquido sinovial e espessamento da membrana, o que agrava os sintomas clínicos da doença.
A inflamação também pode estimular a liberação de mediadores inflamatórios que intensificam a dor e a limitação dos movimentos. Como o nervo obturatório está envolvido, é comum que a dor irradie para a coxa e o joelho. A sinovite pode se tornar recorrente e contribuir para a progressão da doença, dificultando a mobilidade e comprometendo ainda mais a função do quadril.
Com o avanço do quadro, o osso necrótico perde resistência mecânica e passa por um processo de fragmentação e colapso estrutural. Como a epífise femoral suporta cargas durante a locomoção, o estresse mecânico sobre a região favorece o achatamento e a deformação da cabeça do fêmur. Nessa fase, é comum a ocorrência de fraturas subcondrais, que podem ser identificadas por exames de imagem e indicam um estágio mais avançado da doença.
A reparação óssea ocorre de forma gradual e pode levar à revascularização da epífise, mas, dependendo do grau de colapso e remodelação, a estrutura final do fêmur pode apresentar deformidades permanentes. Essas alterações podem comprometer a congruência articular e predispor o indivíduo a osteoartrose precoce na vida adulta.
Manifestações clínicas da Doença de Legg-Calvé-Perthes
O quadro clínico da Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) se desenvolve de forma insidiosa e pode variar conforme a fase evolutiva da doença. Inicialmente, a criança pode apresentar queixas inespecíficas, como dor intermitente no quadril, na região lateral da coxa ou até no joelho, devido à irradiação pelo nervo obturatório. Cursando com:
- Dor: Inicialmente intermitente e inespecífica, acomete o quadril, a face lateral da coxa ou o joelho devido à irradiação pelo nervo obturatório. Agrava-se com atividades físicas e melhora com o repouso.
- Claudicação: Um dos primeiros sinais clínicos perceptíveis, resultante da fraqueza muscular e da alteração biomecânica. Pode ser discreta no início e tornar-se mais evidente com a progressão da doença.
- Limitação de movimentos: Inicialmente sutil, com restrição progressiva da abdução e rotação interna do quadril. Nos estágios mais avançados, pode haver contratura em adução e encurtamento funcional do membro afetado.
- Teste de Trendelenburg positivo: Indica fraqueza dos músculos abdutores do quadril, sendo comum em casos mais avançados.
Durante o exame físico, a palpação da região inguinal pode desencadear dor, e a mobilidade articular está comprometida. O quadro clínico pode ser agravado por episódios de sinovite reativa, caracterizados por aumento da temperatura local e restrição momentânea dos movimentos. Esses episódios podem confundir o diagnóstico com outras condições, como sinovite transitória do quadril ou artrite séptica.
Nos casos bilaterais, que ocorrem em cerca de 10% dos pacientes, a limitação funcional é mais pronunciada e deve ser considerada a possibilidade de predisposição genética. Crianças com DLCP podem relatar quedas frequentes, reflexo da fraqueza muscular e da instabilidade articular, o que pode ser erroneamente interpretado como um fator causal da doença.
Nos estágios avançados, a fragmentação e o colapso da cabeça femoral tornam as deformidades articulares mais evidentes, levando a alterações posturais, encurtamento real do membro acometido e maior impacto na mobilidade da criança.
A progressão da doença varia conforme a gravidade da necrose e o grau de remodelação óssea, exigindo acompanhamento contínuo para determinar a melhor abordagem terapêutica.
Diagnóstico de Doença de Legg-Calvé-Perthes
O diagnóstico da Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) é baseado na associação entre a história clínica, exame físico e exames de imagem. O início insidioso dos sintomas, a presença de dor no quadril ou joelho, claudicação progressiva e limitação dos movimentos do quadril são indícios fundamentais para suspeita clínica. A história de trauma prévio é frequentemente relatada pelos pais, mas não é a causa da doença, e sim um fator que pode chamar a atenção para a condição subjacente.
No exame físico, a palpação da articulação do quadril pode desencadear dor, especialmente na região inguinal. Há limitação dos movimentos de abdução e rotação interna do quadril, sendo essas as primeiras restrições a serem identificadas.
Em casos mais avançados, pode haver encurtamento do membro acometido e um teste de Trendelenburg positivo, sugerindo fraqueza dos músculos abdutores do quadril. A marcha claudicante pode ser evidente, tornando-se mais pronunciada à medida que a doença evolui.
- Radiografia simples: Exame inicial de escolha, solicitado em incidências ântero-posterior (AP) e de Lowenstein. Em fases iniciais, a imagem pode ser normal ou apresentar achatamento discreto da cabeça femoral. Nos estágios mais avançados, podem ser observadas fragmentação, esclerose e colapso da epífise.
- Cintilografia óssea: Pode ser útil para detectar áreas de isquemia precocemente e avaliar a extensão da necrose. É indicada principalmente em casos duvidosos ou para diferenciar DLCP de sinovite transitória do quadril.
- Ressonância magnética (RM): Exame mais sensível para detectar a necrose avascular nos estágios iniciais, além de permitir a avaliação da esfericidade da cabeça femoral e da extensão do comprometimento ósseo. Também auxilia no planejamento terapêutico.
Além dos exames de imagem, a classificação radiológica da doença é essencial para definir a gravidade e o prognóstico da DLCP. As classificações de Catterall e Herring são as mais utilizadas, determinando o grau de envolvimento da epífise e a perda da altura do pilar lateral.
Tratamento da Doença de Legg-Calvé-Perthes
O tratamento da Doença de Legg-Calvé-Perthes (DLCP) depende da idade do paciente, da gravidade do comprometimento ósseo e da fase da doença. O objetivo principal é preservar a esfericidade da cabeça femoral, minimizar deformidades e manter a mobilidade do quadril para prevenir a osteoartrose precoce. A conduta pode ser conservadora ou cirúrgica, conforme a evolução do quadro.
- Tratamento conservador: Indicado para crianças mais jovens, geralmente menores de 6 anos, ou para casos menos graves. Inclui restrição de atividades físicas de impacto, uso de muletas ou cadeiras de rodas para reduzir a carga sobre o quadril, além de fisioterapia para manter a mobilidade articular e fortalecer a musculatura. Em alguns casos, pode-se utilizar imobilizações temporárias, como órteses ou aparelhos gessados do tipo broomstick, que posicionam o quadril em abdução para melhor centralização da cabeça femoral. O acompanhamento radiológico a cada três meses é essencial para monitorar a progressão da doença.
- Tratamento cirúrgico: Reservado para crianças acima de 6 anos, para casos com limitação significativa da mobilidade do quadril ou com subluxação da cabeça femoral. A cirurgia tem o objetivo de restaurar a congruência articular e melhorar a cobertura acetabular, podendo incluir osteotomias femorais ou pélvicas. A centralização da cabeça do fêmur no acetábulo é essencial para permitir a remodelação óssea adequada e evitar deformidades permanentes.
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Referências
SIQUEIRA, Eduardo Martins de; MORAES, Cicero (org.). Manual de ortopedia para generalista. Governador Valadares: Univale Editora, 2022. 320 p. il. color.