Resumo sobre Doença de Pompe: definição, classificação e mais!
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Resumo sobre Doença de Pompe: definição, classificação e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Pompe, uma doença genética rara causada pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida (GAA), responsável pela degradação do glicogênio dentro dos lisossomos. 

Essa deficiência leva ao acúmulo anormal de glicogênio em diversos tecidos, especialmente no músculo cardíaco e esquelético, resultando em fraqueza muscular progressiva e comprometimento respiratório.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Doença de Pompe

A doença de Pompe, também conhecida como deficiência de alfa-glicosidase ácida (GAA) ou glicogenose tipo II (GSD II), é um distúrbio genético de armazenamento lisossômico causado pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida, também chamada de maltase ácida

Essa deficiência leva ao acúmulo anormal de glicogênio dentro dos lisossomos em diversos tecidos do corpo. Diferente de outras glicogenoses, que envolvem alterações na síntese ou no uso do glicogênio como fonte de energia, a doença de Pompe afeta o processo de degradação lisossômica do glicogênio. 

Por isso, seu tratamento segue princípios semelhantes aos de outras doenças de armazenamento lisossômico, já que compartilham mecanismos patológicos comuns.

Classificação da Doença de Pompe

A Doença de Pompe é classificada com base em três parâmetros principais:
a idade de início dos sintomas, o envolvimento cardíaco e a velocidade de progressão clínica.

O protocolo do Ministério da Saúde organiza essa classificação em quatro grupos (A, B, C e D), que refletem um espectro clínico que vai das formas mais graves e precoces às formas tardias e de evolução lenta.

Grupo A: Forma infantil clássica (Doença de Pompe precoce clássica)

  • Início: antes dos 12 meses de idade, geralmente entre 1,6 e 2 meses.
  • Atividade enzimática: ausência ou quase ausência de alfa-glicosidase ácida.
  • Características clínicas principais:
    • Cardiomiopatia hipertrófica, com espessamento do septo interventricular e da parede ventricular esquerda.
    • Fraqueza muscular generalizada e hipotonia intensa.
    • Atraso do desenvolvimento motor.
    • Cardiomegalia e insuficiência cardíaca precoce.
  • Evolução: rápida e fatal sem tratamento, com alta mortalidade até os 12 meses de vida.
  • Observação: esta forma foi descrita originalmente por Johannes Pompe em 1932.

Grupo B: Forma infantil atípica (Doença de Pompe precoce não clássica)

  • Início: também antes dos 12 meses de idade.
  • Atividade enzimática: parcialmente reduzida, com presença residual detectável.
  • Características clínicas principais:
    • Ausência de cardiomiopatia hipertrófica.
    • Fraqueza muscular generalizada e atraso motor semelhantes ao grupo A, porém com progressão mais lenta.
  • Classificação: junto com o grupo A, compõe a Doença de Pompe precoce.
  • Prognóstico: variável, dependendo da quantidade de atividade enzimática residual.

Grupo C: Forma juvenil (Doença de Pompe tardia infantil/juvenil)

  • Início: após os 12 meses de idade, manifestando-se na infância ou adolescência.
  • Atividade enzimática: reduzida, mas superior à das formas precoces.
  • Características clínicas principais:
    • Fraqueza muscular proximal predominante, especialmente nas cinturas pélvica e escapular.
    • Insuficiência respiratória crônica decorrente de fraqueza dos músculos diafragmático e intercostais.
    • Ausência de cardiomiopatia hipertrófica.
    • Alterações eletrocardiográficas possíveis, como bloqueios cardíacos e taquiarritmias.
  • Evolução: lenta e progressiva. Pode simular distrofias musculares ou polimiosite.

Grupo D: Forma do adulto (Doença de Pompe tardia adulta)

  • Início: entre a segunda e a sétima década de vida.
  • Atividade enzimática: reduzida.
  • Características clínicas principais:
    • Fraqueza muscular proximal progressiva, predominante em membros inferiores e tronco.
    • Dificuldade para subir escadas, levantar-se ou realizar atividades físicas prolongadas.
    • Ausência de cardiomiopatia significativa, mas podem ocorrer alterações eletrocardiográficas.
    • Insuficiência respiratória de progressão lenta nas fases avançadas.
  • Evolução: variável, podendo manter sobrevida prolongada.
  • Pode ser confundida com: distrofias musculares, polimiosite ou síndrome da espinha rígida.
GrupoIdade de inícioCardiomiopatiaAtividade enzimática (GAA)Velocidade de progressãoDenominação
AAntes de 12 mesesPresente (grave)Ausente ou quase nulaRápidaInfantil clássica
BAntes de 12 mesesAusenteParcialIntermediáriaInfantil atípica
CApós 12 meses (infância/juventude)AusenteReduzidaLentaTardia juvenil
DIdade adulta (2ª–7ª década)AusenteReduzidaMuito lentaTardia adulta

Diagnóstico da Doença de Pompe

O diagnóstico da Doença de Pompe (DP) deve ser estabelecido a partir da correlação entre achados clínicos e exames laboratoriais confirmatórios, incluindo a avaliação da atividade enzimática da alfa-glicosidase ácida (GAA) e a análise genética do gene GAA.

O reconhecimento precoce é essencial, pois o atraso diagnóstico é frequente no Brasil e compromete o prognóstico, especialmente nas formas infantis.

Suspeita clínica

A suspeita clínica varia de acordo com a forma de apresentação da doença, precoce (infantil) ou tardia (juvenil/adulta), e deve sempre levar em conta a idade de início, a velocidade de progressão e os sistemas acometidos.

Doença de Pompe Precoce (Grupos A e B)

A DP precoce deve ser suspeitada em lactentes com menos de 12 meses de idade que apresentem um ou mais dos sinais ou sintomas abaixo, principalmente quando há combinação de manifestações musculares e cardíacas:

Sinais e sintomas clínicos sugestivos:

  • Hipotonia muscular importante, especialmente fraqueza proximal em membros superiores, inferiores e tronco.
  • Atraso no desenvolvimento motor.
  • Insuficiência respiratória grave, avaliada clinicamente.
  • Cardiomiopatia hipertrófica e cardiomegalia.
  • Disfagia e distúrbios de deglutição.
  • Macroglossia e hepatomegalia.
  • Histórico familiar positivo: irmão com Doença de Pompe.

Alterações laboratoriais e histológicas associadas:

  • Creatinoquinase (CK) elevada, podendo atingir até 2.000 UI/L.
  • Biópsia muscular com presença de vacúolos citoplasmáticos, aumento da atividade lisossomal pela fosfatase ácida e acúmulo de glicogênio (coloração PAS positiva).

Essas características clínicas e laboratoriais definem a suspeita da forma precoce clássica (infantil clássica) ou atípica (infantil não clássica).

Doença de Pompe Tardia (Grupos C e D)

A DP tardia deve ser suspeitada em pacientes com início após 12 meses de idade, incluindo crianças, adolescentes e adultos, que apresentem quadro de fraqueza muscular progressiva com ou sem envolvimento respiratório.

Manifestações clínicas típicas:

  • Fraqueza muscular proximal progressiva, principalmente em tronco e membros inferiores.
  • Dificuldade para levantar-se, subir escadas ou correr.
  • Sinal de Gowers positivo.
  • Escápula alada e atrofia de músculos paravertebrais.
  • Síndrome da espinha rígida.
  • Fraqueza facial, ptose palpebral (uni ou bilateral) e oftalmoplegia.
  • Insuficiência respiratória progressiva por fraqueza diafragmática e intercostal, podendo ser desencadeada por infecções ou cirurgias.
  • Histórico familiar positivo para Doença de Pompe.

Alterações laboratoriais e eletrofisiológicas:

  • CK elevada na forma juvenil (grupo C), podendo ser normal na forma adulta (grupo D).
  • Transaminases (ALT/TGP e AST/TGO) e lactato desidrogenase (LDH) elevadas, com gama-GT normal.
  • Eletromiografia (EMG) com padrão miopático, preferencialmente avaliada na musculatura paraespinhal ou esternocleidomastoidea.
  • Biópsia muscular com vacúolos citoplasmáticos PAS positivos, indicando acúmulo lisossomal de glicogênio.

Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial é o pilar confirmatório da Doença de Pompe e baseia-se em dois exames principais: a dosagem da atividade da enzima alfa-glicosidase ácida (GAA) e o teste genético molecular do gene GAA.

Atividade da Alfa-Glicosidase Ácida (GAA)

A dosagem enzimática é o teste inicial e confirmatório para o diagnóstico da Doença de Pompe.

Características do exame:

  • Pode ser realizada a partir de amostra de sangue seco em papel filtro (dried blood spot), método útil para triagem.
  • O resultado deve ser confirmado em outro tecido, como fibroblastos de pele cultivados (padrão-ouro) ou linfócitos purificados, devido à variabilidade de sensibilidade e especificidade do teste em papel filtro.
  • Os valores de referência para a população brasileira estão disponíveis e devem ser considerados no laudo.
  • O ensaio enzimático deve incluir uma enzima de controle na mesma amostra, para evitar falso-positivos.

Critério laboratorial confirmatório:

  • Atividade da GAA inferior a 10% do limite inferior de normalidade em fibroblastos ou leucócitos, com enzima de referência normal, é diagnóstica de Doença de Pompe.

Importante:

Os testes enzimáticos não discriminam com precisão casos de pseudodeficiência, heterozigotos e afetados homozigotos/heterozigotos compostos, o que torna o teste genético essencial em algumas situações.

Teste genético (Análise do gene GAA)

A análise molecular do gene GAA é indicada nos seguintes contextos:

  • Quando há atividade enzimática limítrofe com suspeita clínica persistente.
  • Para confirmar casos de pseudodeficiência.
  • Para aconselhamento genético familiar.
  • Para investigação de irmãos de pacientes já diagnosticados, a partir das variantes previamente identificadas.

Além da confirmação diagnóstica, o estudo genético fornece informações prognósticas e terapêuticas, especialmente quanto ao status imunológico CRIM (Cross-Reactive Immunologic Material).

Status CRIM:

  • CRIM negativo (CRIM–): nenhuma proteína GAA é sintetizada; a enzima recombinante usada na TRE é reconhecida como corpo estranho, levando à formação de anticorpos neutralizantes e pior resposta terapêutica.
  • CRIM positivo (CRIM+): há produção parcial de proteína GAA, associada a melhor resposta clínica à TRE.
  • O genótipo pode predizer o status CRIM com boa acurácia.

Confirmação diagnóstica

O diagnóstico definitivo da Doença de Pompe é estabelecido pela presença de pelo menos um dos seguintes critérios:

  1. Atividade da alfa-glicosidase ácida inferior a 10% do limite inferior de referência em fibroblastos ou leucócitos, com enzima de controle normal;
    e/ou
  2. Identificação de variantes patogênicas bialélicas (em homozigose ou heterozigose composta) no gene GAA.

Curiosidades do Diagnóstico

  • O diagnóstico precoce é determinante para o sucesso da terapia de reposição enzimática (TRE), especialmente nas formas precoces.
  • O PCDT destaca que, no Brasil, muitos casos ainda são identificados em estágios avançados, reforçando a necessidade de capacitação da Atenção Primária e de fluxos ágeis de encaminhamento para centros especializados.
  • O diagnóstico deve sempre ser confirmado em laboratórios de referência, com experiência em doenças lisossômicas.

Tratamento da Doença de Pompe

O tratamento da Doença de Pompe (DP) é composto por duas abordagens principais:

  1. Tratamento de suporte, voltado ao manejo das manifestações clínicas e prevenção de complicações.
  2. Terapia de reposição enzimática (TRE), específica para corrigir o defeito metabólico.

Tratamento de suporte

Indicado para todos os pacientes, independentemente da forma clínica (precoce ou tardia), o tratamento de suporte deve ser realizado por equipe multidisciplinar experiente, envolvendo pneumologia, fisioterapia, nutrição, ortopedia, fonoaudiologia e genética.

Cuidados gerais

  • Priorizar o manejo de manifestações respiratórias e fraqueza muscular.
  • Vacinação contra influenza e pneumococo, além de tratamento precoce de infecções.
  • Manobras de remoção de secreções manuais ou aspirativas quando necessário.
  • Tratar comorbidades associadas (como asma e cardiopatias) conforme protocolos específicos.

Fisioterapia e reabilitação

  • Fisioterapia motora e respiratória deve ser contínua, para preservar força e função.
  • Exercício aeróbico submáximo (60–70% do esforço máximo, 3 a 5 vezes por semana) melhora a força muscular e o condicionamento, desde que avaliado previamente por pneumologista.

Complicações musculoesqueléticas

  • Alongamentos diários e uso de órteses previnem contraturas e deformidades.
  • A escoliose deve ser monitorada e, se grave (Cobb > 30–40°), tratada cirurgicamente com avaliação respiratória prévia e fisioterapia pós-operatória.

Alterações ósseas e metabólicas

  • Avaliar densidade óssea periodicamente; suplementar vitamina D e cálcio quando indicado.
  • O manejo da osteoporose segue o PCDT específico do Ministério da Saúde (2014).

Insuficiência respiratória e distúrbios do sono

  • Indicar oxigênio suplementar e ventilação não invasiva conforme necessidade clínica.
  • Evitar intubação prolongada, pois há risco de dependência ventilatória.

Disfagia e nutrição

  • Fonoaudiólogo deve avaliar risco de aspiração e eficiência da deglutição.
  • Gastrostomia endoscópica percutânea (GPE) indicada em casos de disfagia grave, perda de peso >10% em 1 ano ou capacidade vital forçada <40%.
  • Recomenda-se dieta com 30% do aporte calórico em proteínas.

Cuidados anestésicos

  • Procedimentos anestésicos apenas quando indispensáveis, preferindo combinar múltiplas intervenções sob uma mesma anestesia.
  • Evitar agentes despolarizantes (succinilcolina) devido ao risco de hipercalemia.
  • Realizar procedimentos em centros especializados.

Aconselhamento genético

  • Deve ser oferecido a todas as famílias, conduzido por médico geneticista, devido ao risco de recorrência da doença.

Tratamento farmacológico específico

A TRE é o tratamento de escolha para a Doença de Pompe e consiste na administração de alfa-alglicosidase recombinante humana (maltase ácida), produzida em células de ovário de hamster chinês (CHO).

Indicação

  • Indicada principalmente para formas precoces (infantis), mas também pode ser considerada nas formas tardias, conforme avaliação de especialistas.
  • Deve ser prescrita apenas em pacientes com diagnóstico confirmado.

Esquema terapêutico

  • Fármaco: Alfa-alglicosidase ácida.
  • Dose: 20 mg/kg por via intravenosa a cada 15 dias.
  • Infusão: iniciar a 1 mg/kg/h, aumentando gradualmente até 7 mg/kg/h.
  • Deve ser realizada em ambiente hospitalar ou ambulatorial, com monitoramento cardiovascular e respiratório.
  • Infusões domiciliares só após 6 meses sem intercorrências.

Duração e interrupção

  • O tratamento é contínuo e vitalício, exceto nos seguintes casos:
    • Ausência de resposta clínica (ex.: sem redução da massa do ventrículo esquerdo após 1 ano).
    • Piora progressiva ou doença irreversível.
    • Baixa adesão (<50% das infusões anuais).
    • Reação adversa grave (choque anafilático).
    • Recusa formal do paciente maior de 18 anos.

Efeitos adversos

  • Em geral leves ou moderados, como febre, rash, broncoespasmo, taquicardia ou urticária.
  • Controlados com ajuste da infusão ou uso de medicação sintomática.

Benefícios clínicos

  • Redução da massa ventricular esquerda e melhora da cardiomiopatia.
  • Aumento da sobrevida e adiamento da ventilação mecânica.
  • Melhora da força muscular e função motora, especialmente quando iniciada precocemente.

Monitoramento

O paciente deve ser acompanhado de forma regular (a cada 6 meses), com avaliação clínica, neurológica, respiratória e cardiológica.

O monitoramento inclui:

  • História médica, peso e estado nutricional.
  • Adesão ao tratamento.
  • Ecocardiograma, eletrocardiograma e avaliação pulmonar.
  • Exames laboratoriais e acompanhamento da resposta à TRE.

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Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Pompe. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

Sperry E, Leslie N, Berry L, et al. Pompe Disease. 2007 Aug 31 [Updated 2025 Aug 21]. In: Adam MP, Feldman J, Mirzaa GM, et al., editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2025. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1261/

Sheldon L Kaplan, MD. Lysosomal acid alpha-glucosidase deficiency (Pompe disease, glycogen storage disease II, acid maltase deficiency). UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate

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