E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF), uma das principais causas de síndrome nefrótica em adultos, caracterizada por lesões escleróticas que acometem de forma segmentar e focal os glomérulos renais.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF)
A glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é uma lesão renal caracterizada pela presença de cicatrização (esclerose) que acomete apenas parte de alguns glomérulos renais.
O termo “segmentar” refere-se ao fato de que a esclerose afeta somente uma porção do glomérulo, enquanto “focal” indica que nem todos os glomérulos presentes na amostra de biópsia estão comprometidos.
A GESF pode ser classificada como primária (idiopática), genética ou secundária, sendo que as causas secundárias incluem infecções, uso de determinados medicamentos e adaptações hemodinâmicas desfavoráveis nos rins.
Etiologia da GESF
A Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF) possui uma etiologia diversa, podendo ser classificada em três categorias principais: primária (idiopática), genética e secundária.
GESF Primária (Idiopática)
A GESF primária está associada a fatores de permeabilidade circulantes ainda não completamente identificados, que provocam o apagamento dos processos podocitários e proteinúria, inclusive após transplante renal. Entre os fatores propostos estão: fator citocínico semelhante à corticotrofina 1, apolipoproteína A1-b, anticorpos anti-CD40 e o receptor solúvel do ativador do plasminogênio do tipo urinário (suPAR).
As possíveis causas incluem a GESF com hialinose, progressão de nefropatia por IgM, progressão de doença de lesões mínimas, progressão de glomerulonefrite mesangial proliferativa e superposição em outras glomerulonefrites primárias, como a nefropatia por IgA. Variantes histológicas importantes incluem a forma colapsante, variante celular, GESF com hipercelularidade mesangial e lesões no segmento glomerular.
GESF Genética
A etiologia genética está frequentemente associada a casos resistentes a esteroides, histórico familiar de GESF, presença de tumor de Wilms ou sinais sistêmicos indicativos de síndromes genéticas, como síndrome de Alport, doença de Fabry ou síndrome unha-rótula.
Diversas mutações genéticas afetam proteínas essenciais da barreira de filtração glomerular, como as do diafragma de fenda, membrana celular, citoesqueleto e organelas. Exemplos incluem mutações nos genes NPHS1 e NPHS2, responsáveis pela codificação de nefrina e podocina, levando à síndrome nefrótica congênita.
Polimorfismos no gene APOL1, especialmente prevalentes em indivíduos de ascendência africana, aumentam significativamente o risco de GESF, sendo que cerca de 75% dos pacientes negros com GESF apresentam mutações de alto risco nesse gene, frequentemente manifestando a forma colapsante e com rápida progressão para doença renal terminal.
GESF Secundária
A GESF secundária resulta de fatores como drogas, inflamações, infecções, toxinas e alterações hemodinâmicas intrarrenais ou extrarrenais que promovem lesão podocitária e glomeruloesclerose.
Geralmente, está relacionada a uma resposta mal-adaptativa devido à sobrecarga em néfrons individuais, levando à hipertrofia glomerular, com achados histopatológicos típicos de glomérulos aumentados, cicatrização perihilar e apagamento parcial dos processos podocitários.
Entre os fatores associados à redução da massa renal destacam-se: rim único, transplante renal, displasia ou agenesia renal, oligomeganefronia, hipoplasia segmentar e refluxo vesicoureteral. Alterações hemodinâmicas, sem redução da massa renal, incluem obesidade (principalmente mórbida), nefropatia falciforme, alta ingestão proteica e abuso de andrógenos. Doenças sistêmicas, como diabetes e hipertensão, também são causas importantes.
Drogas associadas incluem: heroína intravenosa, inibidores de calcineurina, inibidores de mTOR, pamidronato, lítio, esteroides anabolizantes, antraciclinas (como doxorrubicina) e terapias com interferon. Infecções virais são causas bem reconhecidas, especialmente o HIV, que promove toxicidade direta sobre podócitos e células epiteliais tubulares renais.
Outros vírus associados incluem hepatites B e C, parvovírus B19, citomegalovírus (CMV) e SARS-CoV-2. Por fim, condições como nefroesclerose hipertensiva, sarcoidose, nefrite actínica e neoplasias, como linfomas, também podem desencadear GESF.
Fisiopatologia da GESF
A fisiopatologia da GESF envolve uma interação complexa entre diferentes tipos celulares, especialmente os podócitos, as células endoteliais e a membrana basal glomerular. Os podócitos são células altamente especializadas e terminalmente diferenciadas, fundamentais para a estrutura do glomérulo e para a manutenção da barreira de filtração glomerular, impedindo a perda de proteínas na urina.
A lesão e perda de podócitos são eventos iniciais e centrais na GESF. A redução no número dessas células estimula a hipertrofia compensatória dos podócitos remanescentes, que tentam cobrir a superfície capilar glomerular exposta. Esse processo leva à fusão dos processos podocitários (effacement) e à subsequente proteinúria.
Na fase inicial da doença, ocorre não apenas a fusão dos processos dos podócitos, mas também a proliferação de células mesangiais, endoteliais e epiteliais. Esses eventos culminam na colapso ou retração dos capilares glomerulares e, por fim, no desenvolvimento de esclerose glomerular.
Entre os fatores solúveis propostos que podem mediar essas alterações estruturais destacam-se:
- Fator citocínico semelhante à corticotrofina 1
- Apolipoproteína A1-b (apoA1-b)
- Anticorpos anti-CD40
- Receptor solúvel do ativador do plasminogênio tipo urinário (suPAR)
A lesão podocitária pode ser desencadeada por infecções virais, respostas imunes, efeitos adversos de medicamentos ou exposição a toxinas, resultando em alterações hemodinâmicas intrarrenais, como aumento da pressão capilar intraglomerular e hiperperfusão glomerular. A GESF primária costuma evoluir de forma mais rápida do que a GESF secundária, que geralmente ocorre após um insulto persistente.
Avanços no conhecimento da fisiopatologia da GESF mostram que mutações genéticas em proteínas essenciais à estrutura e função dos podócitos podem predispor ao desenvolvimento da doença e influenciar sua evolução clínica, especialmente em relação à responsividade aos corticosteroides. Por exemplo:
- Mutações em NPHS2 ou TRPC6 estão associadas à resistência ao tratamento imunossupressor e à baixa taxa de recorrência após o transplante renal.
- Variantes no gene APOL1 estão ligadas a um pior prognóstico renal e a formas resistentes aos esteroides, além de aumentarem em até 17 vezes o risco de desenvolver GESF.
A GESF e a doença de lesões mínimas (MCD) são consideradas dois extremos de um espectro de podocitopatias. Enquanto a MCD é responsável por 70% a 90% dos casos de síndrome nefrótica na infância e 10% a 15% na adolescência, sendo geralmente responsiva aos corticosteroides e raramente evoluindo para doença renal terminal, a GESF apresenta maior risco de progressão.
Histopatologia da GESF
A GESF é caracterizada, histologicamente, por esclerose segmentar, hialinose e formação de aderências (sinéquias), resultando na obliteração parcial dos capilares glomerulares. A microscopia eletrônica revela fusão dos processos podocitários como principal achado, sem alterações significativas da membrana basal. A imunofluorescência detecta depósitos de IgM e C3 nas áreas esclerosadas.
As lesões focais podem ser difíceis de detectar, especialmente se a biópsia renal for inadequada, já que os néfrons justamedulares são afetados inicialmente. Na recorrência pós-transplante, pode surgir uma variante histológica diferente no enxerto.
A GESF é classificada em cinco variantes histológicas:
- Perihilar: lesão na região vascular, comum na forma adaptativa, com proteinúria subnefrótica.
- Tip: lesão na área próxima ao túbulo proximal, com início abrupto de síndrome nefrótica e bom prognóstico.
- Celular: glomérulo hipercelular, com síndrome nefrótica franca, é a forma mais rara.
- Colapsante: colapso do tufo glomerular, associado a pior prognóstico e à forma mais grave, frequentemente ligada a infecções virais e fármacos.
- Não especificada (NOS): variante mais comum, sem características morfológicas específicas.
A avaliação por microscopia eletrônica é fundamental para diferenciar a GESF primária (com acometimento difuso dos processos podocitários) da secundária (envolvimento mais irregular e focal).
História clínica e exame físico na GESF
- Crianças: geralmente apresentam síndrome nefrótica (edema, proteinúria maciça, hipoalbuminemia, hipercolesterolemia).
- Adultos: podem ter proteinúria nefrótica ou subnefrótica, hipertensão, hematúria microscópica ou insuficiência renal.
- Na GESF primária, há maior frequência de edema grave e hipoalbuminemia; na secundária, essas manifestações são raras.
- A síndrome nefrótica ocorre em 54% a 100% dos casos de GESF primária.
- É fundamental obter história médica detalhada, incluindo antecedentes neonatais, comorbidades, exposição a toxinas, infecções recentes e histórico familiar.
- O edema pode surgir em semanas ou abruptamente, com ganho súbito de peso; infecções respiratórias são comuns antes do início.
- Derrame pleural e ascite podem ocorrer; efusões pericárdicas são raras.
- Edema importante predispõe a infecções e úlceras em áreas dependentes.
- Dor abdominal pode indicar peritonite (frequente em crianças).
- Xantomas podem aparecer em casos de hiperlipidemia grave.
- Hipertensão severa é comum, especialmente em pacientes negros com comprometimento renal.
- Falência renal avançada com sintomas urêmicos é rara.
- Na GESF secundária (ex.: nefropatia por refluxo, obesidade mórbida), a apresentação é geralmente com proteinúria não nefrótica e deterioração renal progressiva ao longo de meses ou anos.
Avaliação
A GESF caracteriza-se por proteinúria acentuada, cilindros hialinos ou cerosos, e ausência de cilindros hemáticos. Creatinina sérica e depuração renal geralmente normais no início. Frequentemente há síndrome nefrótica.
A investigação etiológica inclui exclusão de lúpus, hepatites, HIV, vasculites e gamopatias. Em obesos, é diagnóstico de exclusão, associado à hiperfiltração glomerular. Biópsia renal confirma o diagnóstico. Casos pediátricos ou familiares indicam teste genético.
Achados histológicos
Biópsia mostra esclerose segmentar glomerular, depósitos hialinos, C3 e IgM, além de fusão podocitária. Na GESF associada ao HIV, há inclusões tubulorreticulares.
Ultrassonografia
Inicialmente, rins normais ou aumentados e ecogênicos. Em fases avançadas, atrofia renal. Na GESF associada ao HIV, rins grandes e ecogênicos.
Tratamento e manejo
Diferenciar GESF primária (tratável com imunossupressores) da secundária (tratamento da causa subjacente). Prognóstico depende da proteinúria: ausência de síndrome nefrótica confere sobrevida renal >90% em 10 anos.
Remissão
- Completa: proteinúria <300 mg/dia e albumina >3,5 g/dL.
- Parcial: proteinúria entre 300-3500 mg/dia com redução ≥50%.
- Recidiva: proteinúria >3500 mg/dia ou aumento de 50% após remissão.
Corticosteróides
Primeira linha na GESF primária: prednisona 1 mg/kg/dia até 16 semanas. Redução gradual após remissão. Casos genéticos tendem à resistência, mas são bons candidatos ao transplante renal.
Inibidores de Calcineurina (CNI)
Indicação para casos resistentes ou intolerantes a esteroides. Uso de ciclosporina (3-5 mg/kg/dia) ou tacrolimo (0,05-0,1 mg/kg/dia), com monitorização sérica. Tratamento por 6-12 meses com redução gradual.
Medidas adicionais
Inibição do sistema renina-angiotensina, restrição de sódio, controle pressórico, diuréticos, estatinas e anticoagulação seletiva.
Transplante Renal
GESF é a principal causa de DRCT entre glomerulopatias primárias. Recorrência em ~32%, com risco de perda do enxerto em até 39% em 5 anos. Plasmaférese pode reduzir a recorrência, sendo também tratamento de escolha pós-transplante.
Outras terapias
Sparsentan mostrou redução de proteinúria, mas sem benefício renal. Outras opções incluem micofenolato, rituximabe, ciclofosfamida, inibidores de mTOR e hormônio adrenocorticotrófico, embora sem comprovação definitiva de eficácia.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica fora das provas de residência, concursos públicos ou das avaliações da graduação. Veja um exemplo abaixo:
Estratégia MED – 2023 – Residência (Acesso Direto)
A glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é um padrão histológico de lesão glomerular que pode se manifestar de várias formas. É uma das glomerulopatias mais diagnosticadas no Brasil e no mundo. Sobre a GESF, assinale a alternativa correta.
A) A forma primária acomete tipicamente pacientes idosos.
B) Condições como infecção pelo HIV, uso de anabolizantes, drogas ilícitas como a heroína, obesidade e rim único podem levar à GESF secundária.
C) A presença da APOL-1 (Apolipoproteína-1) é um fator atenuador da gravidade da condição.
D) A apresentação clássica envolve a presença de hematúria glomerular isolada.
E) A forma primária é tratada inicialmente com inibidores de calcineurina.
Comentário da questão:
GABARITO: ALTERNATIVA B
A GESF é um padrão histológico de lesão glomerular que se traduz clínico-laboratorialmente como: altos valores de proteinúria e, frequentemente, síndrome nefrótica. Pode ter várias etiologias e é classificada em quatro grandes grupos: primária, genética, secundária e de causa indeterminada.
A forma primária é a principal causa de síndrome nefrótica primária em adultos jovens, com maior prevalência na raça negra.
Quanto a suas formas secundárias, pode manifestar-se como consequência de doenças infecciosas, autoimunes, uso de substâncias e situações mal-adaptativas, isto é, que geram uma sobrecarga na função do rim. Segue uma tabela com as principais causas:
Quanto ao termo técnico da histologia, o acometimento segmentar representa anormalidade, caracterizada pela produção excessiva
de matriz extracelular, em menos de 50% de cada glomérulo analisado (o contrário de global). O acometimento focal, por sua vez, representa
que a alteração ocorreu em menos de 50% da amostra vista pelo patologista (o contrário de difuso).
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Referências
Rout P, Hashmi MF, Baradhi KM. Focal Segmental Glomerulosclerosis. [Updated 2024 Dec 11]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK532272/
Fernando C Fervenza, MD, PhDSanjeev Sethi, MD, PhD. Focal segmental glomerulosclerosis: Clinical features and diagnosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate