E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Halitose, uma condição comum que pode ter diversas causas, desde má higiene bucal até problemas gastrointestinais e sistêmicos. O mau hálito pode impactar a qualidade de vida e até indicar condições de saúde subjacentes que merecem atenção.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e fornecer o conhecimento necessário para um diagnóstico preciso e uma abordagem eficaz no manejo da halitose.
Vamos nessa!
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Definição de Halitose
A halitose é definida como um transtorno caracterizado pelo mau hálito, que pode impactar a qualidade de vida e as relações sociais. O termo deriva do latim halitus (ar expirado) e do sufixo osis (alteração patológica). Embora a halitose matinal seja considerada normal devido à redução do fluxo salivar durante o sono, a presença persistente do mau hálito requer investigação.
Ela pode ser classificada como halitose genuína (de origem intraoral ou extraoral), pseudo-halitose (quando o paciente acredita ter mau hálito, mas não há confirmação clínica) e halitofobia (quando a preocupação com a halitose persiste mesmo após tratamento).
A causa mais comum da halitose é intraoral (80 a 90% dos casos), principalmente devido à saburra lingual, doença periodontal, cáries e boca seca. Em menor proporção, pode ter origem extraoral, incluindo doenças respiratórias, metabólicas e gastrointestinais.
O diagnóstico pode ser feito por avaliação clínica, testes organolépticos (análise do odor pelo examinador) e instrumentos como cromatografia gasosa. O tratamento depende da causa e pode envolver higiene bucal adequada, controle de doenças associadas e modificações na dieta.
Classificação da Halitose
A Sociedade Internacional para a Pesquisa dos Odores da Boca classifica a halitose em três categorias principais, subdivididas conforme a origem e a percepção do problema:
1) Halitose Genuína
Caracteriza-se pela presença real e perceptível de mau hálito acima do nível socialmente aceitável. Subdivide-se em:
- Fisiológica (T1): ocorre sem relação com doenças, sendo causada pelo metabolismo bacteriano na cavidade oral, especialmente na parte posterior da língua, onde há maior acúmulo de resíduos e células descamadas. Pode ser transitória, como a halitose matinal.
- Patológica (T2 e T3): associada a doenças ou disfunções:
- Oral (T2): resulta de condições como doença periodontal, cáries extensas, infecções gengivais, xerostomia (boca seca) e presença excessiva de saburra lingual.
- Extraoral (T3): tem origem fora da boca, podendo ser causada por problemas nas vias aéreas superiores e inferiores (como sinusites e infecções pulmonares), doenças gastrointestinais (refluxo gastroesofágico, Helicobacter pylori, divertículos esofágicos), distúrbios metabólicos (diabetes, insuficiência renal, cirrose) e até o consumo de certos medicamentos.
2) Pseudo-Halitose (T4)
O paciente acredita que tem halitose, mas exames clínicos e laboratoriais não detectam odores anormais. A condição pode ser resolvida com explicações do profissional de saúde, esclarecendo que não há alteração patológica.
3) Halitofobia (T5)
Mesmo após exames e tratamentos indicarem que não há halitose, o paciente continua convencido de que tem mau hálito. Essa condição pode exigir acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, pois pode estar associada a transtornos de ansiedade ou obsessivo-compulsivos.
Etiologias de Halitose
A halitose pode ter diversas causas, sendo classificadas em intraorais (mais comuns) e extraorais (menos frequentes).
Causas Intraorais (80-90% dos casos)
São originadas na boca, geralmente devido à decomposição bacteriana de resíduos orgânicos, que libera compostos sulfurados voláteis (CSV). As principais causas incluem:
- Saburra lingual: acúmulo de células descamadas, microrganismos e restos alimentares na parte posterior da língua, favorecendo a liberação de substâncias malcheirosas como putrescina e cadaverina.
- Doenças periodontais: gengivite e periodontite abrigam bactérias anaeróbicas que produzem compostos voláteis de enxofre.
- Cáries extensas e tártaros: facilitam a proliferação bacteriana e a fermentação de resíduos alimentares.
- Xerostomia (boca seca): a redução do fluxo salivar prejudica a limpeza natural da boca e aumenta o acúmulo de bactérias. Pode ser causada por medicamentos (diuréticos, antidepressivos, anti-histamínicos), doenças sistêmicas (Síndrome de Sjögren) e respiração bucal crônica.
- Próteses dentárias mal higienizadas ou mal ajustadas: podem acumular restos alimentares e bactérias.
Causas Extraorais (10-20% dos casos)
São menos frequentes e envolvem condições sistêmicas ou distúrbios em outros órgãos:
Aparelho respiratório e otorrinolaringológico
- Rinossinusites crônicas e gotejamento pós-nasal: secreções nasais infectadas escorrem para a faringe e são decompostas por bactérias.
- Amigdalite crônica e cáseos amigdalinos: acúmulo de material purulento nas amígdalas pode exalar odores desagradáveis.
- Bronquite, abscesso pulmonar e bronquiectasias: infecções pulmonares com produção de secreção purulenta podem liberar odores na respiração.
Trato digestivo
- Refluxo gastroesofágico (DRGE): o retorno do conteúdo gástrico pode levar a odores ácidos na boca.
- Infecção por Helicobacter pylori: associada a gastrite e úlceras, pode contribuir para a halitose.
- Estase alimentar no esôfago: alimentos retidos em divertículos esofágicos ou megaesôfago podem fermentar e liberar gases malcheirosos.
Doenças metabólicas e sistêmicas
- Diabetes mellitus descompensado: pode causar hálito cetônico (cheiro adocicado devido à cetose).
- Insuficiência hepática: leva ao hálito hepático, com odor sulfuroso devido à incapacidade do fígado de metabolizar toxinas.
- Insuficiência renal: pode gerar hálito urêmico, com cheiro semelhante à amônia.
- Trimetilaminúria: distúrbio metabólico que leva à eliminação de trimetilamina, causando odor semelhante a peixe.
Diagnóstico de Halitose
O diagnóstico da halitose é essencial para determinar sua origem e estabelecer um tratamento eficaz. Ele envolve uma abordagem multidisciplinar, combinando anamnese, exame clínico e testes laboratoriais e instrumentais.
1) Anamnese
A história clínica detalhada do paciente é a chave para um diagnóstico preciso. Durante essa etapa, o profissional deve investigar:
- Histórico da halitose: tempo de duração, percepção pelo próprio paciente ou por terceiros e tratamentos já realizados.
- Histórico odontológico: frequência da higiene bucal, uso de fio dental, limpador de língua e enxaguantes, presença de cáries ou sangramento gengival.
- Histórico salivar: ingestão de líquidos, sensação de boca seca, dificuldade para engolir e uso de medicamentos que reduzem a salivação.
- Histórico patológico pregresso: presença de doenças sistêmicas associadas à halitose, como diabetes, insuficiência hepática ou renal, refluxo gastroesofágico e infecção por H. pylori.
- Histórico emocional: impacto da halitose na qualidade de vida do paciente, considerando possíveis transtornos de ansiedade ou halitofobia.
- Hábitos alimentares: número de refeições, intervalos entre elas e consumo de alimentos odoríferos (alho, cebola, café, álcool).
- Hábitos sociais: tabagismo e etilismo, que podem contribuir para a halitose.
2) Exame clínico (ectoscopia e oroscopia)
Após a anamnese, realiza-se a inspeção clínica para avaliar estruturas bucais e sinais sistêmicos associados à halitose.
a) Avaliação extrabucal
- Lábios ressecados: indicam possível respiração bucal crônica.
- Queilite angular: pode sugerir hipovitaminose.
- Aumento do volume da mandíbula: associado à Síndrome de Sjögren, que reduz a salivação.
b) Avaliação intrabucal
- Presença de saburra lingual: espessura, coloração e extensão na língua.
- Dentição: existência de cáries, fraturas, restaurações mal adaptadas.
- Gengivas: sinais de gengivite ou doença periodontal.
- Padrão salivar: avaliação da quantidade e qualidade da saliva.
- Amígdalas: verificação de criptas amigdalinas contendo cáseos.
- Nariz e cavidade nasal: secreções purulentas ou corpos estranhos podem indicar rinossinusite.
3) Testes Diagnósticos
Além do exame clínico, alguns testes específicos são utilizados para quantificar e identificar os compostos voláteis responsáveis pelo mau hálito.
a) Teste Organoléptico
Método subjetivo, mas amplamente utilizado, no qual o examinador avalia o odor expirado pelo paciente.
- Procedimento:
- O paciente inspira profundamente pelo nariz e expira pela boca.
- O examinador, posicionado a 20 cm de distância, avalia a intensidade do odor.
- Escala de pontuação (Rosenberg & McCulloch, 1992):
Nota | Descrição |
0 | Sem odor detectável |
1 | Odor questionável |
2 | Mau odor leve |
3 | Mau odor moderado |
4 | Mau odor forte |
5 | Odor intolerável (examinador se afasta imediatamente) |
Limitações: depende da percepção olfativa do examinador e pode ser influenciado por condições climáticas e individuais.
b) Halimetria (medição objetiva de compostos sulfurados voláteis – CSV)
Método mais preciso que detecta a concentração de gases malcheirosos no hálito.
- Halimeter®:
- Equipamento portátil que mede compostos sulfurados como sulfeto de hidrogênio, metilmercaptana e dimetilsulfeto.
- Procedimento: um dispositivo descartável é inserido na boca do paciente, e o valor é exibido no monitor.
- Escala de referência (ppb – partes por bilhão):
- < 80: normal
- 80-100: odor perceptível
- 100-120: leve
- 120-150: moderado
- > 150: severo
- Cromatografia gasosa (OralChroma®):
- Aparelho portátil que separa e quantifica individualmente os compostos odoríferos.
- Mais preciso que o Halimeter®, pois identifica a origem do odor:
- Sulfeto de hidrogênio: predominante na saburra lingual.
- Metilmercaptana: mais associado a doença periodontal.
- Dimetilsulfeto: pode indicar uma causa sistêmica (hepática, renal ou digestiva).
c) Teste de BANA (detecção bacteriana associada à halitose)
- Detecta bactérias anaeróbias gram-negativas, como Porphyromonas gingivalis, Treponema denticola e Bacteroides forsythus, responsáveis pela liberação de compostos malcheirosos.
- Procedimento:
- Coleta-se material da saburra lingual ou do sulco gengival e aplica-se na fita BANA.
- Se houver bactérias produtoras de proteases, ocorre liberação de naftilamida, alterando a coloração da fita para azul.
- Vantagem: útil na avaliação de doença periodontal associada à halitose.
d) Avaliação da saliva (sialometria)
- Mede o fluxo e a composição da saliva, que tem papel essencial na autolimpeza bucal.
- Método:
- O paciente mastiga um material inerte por 5 minutos e a quantidade de saliva é coletada e analisada.
- Valores de referência:
Fluxo salivar (mL/min) | Interpretação |
< 0,7 | Baixo (associado à halitose e saburra) |
0,7 – 1 | Mínimo aceitável |
1 – 1,5 | Ideal |
1,5 – 2,5 | Máximo aceitável |
> 2,5 | Pode sugerir sialorreia |
Outros parâmetros analisados:- Turbidez: indica descamação epitelial e acúmulo de mucina.
- Viscosidade: saliva muito espessa pode indicar baixa função das glândulas parótidas.
4) Testes Complementares para Causas Extraorais
Se a avaliação inicial não identificar uma causa intraoral, podem ser necessários exames adicionais, como:
- Endoscopia digestiva: para investigar refluxo gastroesofágico, infecção por H. pylori e doenças gástricas.
- Radiografia ou tomografia de seios paranasais: para detectar sinusites crônicas.
- Exames laboratoriais: avaliação da função hepática (TGO, TGP), renal (creatinina, ureia) e metabólica (glicemia, corpos cetônicos).
Tratamento da Halitose
O tratamento da halitose deve ser adaptado à causa subjacente, incluindo higiene oral, controle de doenças sistêmicas, ajustes alimentares e mudanças no estilo de vida. Em casos de halitose fisiológica, como a matinal, a solução é a higiene bucal adequada e estimulação salivar.
Para a halitose patológica oral, é essencial remover o biofilme bacteriano, tratar cáries e doenças gengivais, além de usar fio dental, raspadores linguais e enxaguantes bucais sem álcool. Quando a halitose é extraoral, como no refluxo gastroesofágico, o paciente deve ser encaminhado a um especialista para tratar a condição subjacente.
A higiene oral deve ser rigorosa, com uso de fio dental, escovação regular e limpeza da língua para remover a saburra, principal fonte de compostos sulfurados voláteis. Enxaguantes bucais com dióxido de cloro ou clorexidina podem ajudar a neutralizar odores.
A alimentação também tem impacto, e é importante evitar jejum prolongado e alimentos como alho, cebola e café. A hidratação é crucial para auxiliar na produção salivar e remoção de partículas alimentares.
A boca seca (xerostomia) contribui para a halitose, e seu tratamento inclui gomas sem açúcar, alimentos cítricos e saliva artificial. Além disso, deve-se evitar substâncias que ressequem a boca, como tabaco, álcool e cafeína.
Quando a halitose tem origem em doenças respiratórias, pode ser necessário o uso de antibióticos ou até a remoção das amígdalas. No caso de refluxo, o tratamento pode envolver inibidores da bomba de prótons e modificações na dieta. Infecções por Helicobacter pylori são tratadas com antibióticos específicos.
Em doenças metabólicas, como diabetes e insuficiência renal, o controle adequado pode reduzir a halitose. Pacientes com diabetes devem manter os níveis glicêmicos estáveis, enquanto na insuficiência renal, a hemodiálise pode ser necessária. Medicamentos como Metronidazol e probióticos podem ser úteis para controlar a presença de bactérias anaeróbias e reequilibrar a microbiota oral.
A pseudo-halitose e a halitofobia requerem explicações detalhadas ao paciente, e terapia cognitivo-comportamental pode ser útil em casos de ansiedade excessiva. O sucesso do tratamento depende da identificação precisa da causa e da adesão do paciente às orientações de higiene, alimentação e controle de doenças. Quando necessário, o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar pode garantir um manejo eficaz e melhorar a qualidade de vida do paciente.
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Referências
ZATERKA, Schlioma; PASSOS, Maria do Carmo Friche; CHINZON, Décio (Eds.). Tratado de gastroenterologia: da graduação à pós-graduação. 3. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2023.
Alessandro Villa, DDS, PhD, MPHJean M Bruch, DMD, MD. Bad breath. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate