E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Insuficiência Ovariana Prematura, uma condição em que os ovários perdem sua função antes dos 40 anos, resultando em alterações hormonais, irregularidade menstrual e impacto na fertilidade.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprimorar seus conhecimentos, garantindo uma prática clínica cada vez mais assertiva.
Vamos nessa!
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Definição de Insuficiência Ovariana Primária (IOP)
A insuficiência ovariana prematura (IOP) é definida como a perda da função ovariana antes dos 40 anos, caracterizando-se por hipogonadismo hipergonadotrófico. Essa condição é marcada por oligomenorreia ou amenorreia, sintomas de deficiência estrogênica, níveis elevados de gonadotrofinas (hormônio folículo-estimulante – FSH e hormônio luteinizante – LH) e infertilidade.
Apesar de compartilhar semelhanças com a menopausa, como hipoestrogenemia e alterações menstruais, a IOP é distinta por ocorrer precocemente e por apresentar um padrão intermitente de função ovariana em muitas pacientes. Algumas mulheres podem ovular ou menstruar ocasionalmente, e cerca de 5 a 10% conseguem conceber e levar a termo uma gravidez normal, mesmo após o diagnóstico.
A IOP não deve ser confundida com a insuficiência ovariana induzida, que resulta de intervenções médicas como salpingo-ooforectomia bilateral, quimioterapia ou radioterapia. Além disso, o termo “reserva ovariana diminuída” também não é sinônimo de IOP.
Enquanto a reserva ovariana diminuída descreve a responsividade prejudicada dos ovários à estimulação hormonal, mantendo ciclos menstruais regulares, a IOP representa um espectro mais amplo de comprometimento da função ovariana. Essa condição reflete a depleção precoce ou o comprometimento funcional do pool folicular ovariano, diferenciando-se de processos naturais, como a menopausa, que ocorre em média aos 51,4 anos.
Etiologias da Insuficiência Ovariana Primária
Em torno de 50% dos casos não apresentam uma causa definida, sendo classificados como idiopáticos. As doenças autoimunes são responsáveis por aproximadamente 30% dos casos, seguidas por anomalias cromossômicas.
Embora existam outras causas associadas à IOP, essas ainda carecem de esclarecimento em relação aos mecanismos que a desencadeiam. Pode haver fatores genéticos não identificados em algumas dessas condições.
Causas autoimunes
As doenças autoimunes estão entre as causas mais comuns de IOP, com destaque para as autoimunes tireoidianas, associadas em até 20% dos casos. Outras condições autoimunes, como insuficiência adrenal (doença de Addison), diabetes mellitus tipo 1, hipoparatireoidismo, entre outras, também são mencionadas.
Doenças autoimunes não endócrinas, como púrpura trombocitopênica idiopática, vitiligo, alopecia, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide, também têm sido associadas à IOP. No entanto, a caracterização da doença autoimune ovariana é difícil, pois não existem marcadores específicos para os autoanticorpos ovarianos, e a presença de anticorpos é rara.
Causas genéticas
Alterações genéticas têm sido cada vez mais reconhecidas como causas de IOP, com mais de 15% das mulheres com a condição apresentando mutações genéticas. Essas alterações podem estar associadas ao cromossomo X ou serem autossômicas. Mulheres com a síndrome de Turner, por exemplo, apresentam atresia folicular acelerada após a 20ª semana de gestação, levando à perda precoce da função ovariana.
Outras condições genéticas, como a síndrome do X frágil e a síndrome blefarofimose-ptose-epicanto invertido (BPES), também podem estar relacionadas à IOP. Defeitos genéticos nas enzimas da esteroidogênese e mutações no gene da aromatase também podem resultar em IOP. A IOP genética manifesta-se geralmente antes dos 30 anos.
Causas iatrogênicas
Tratamentos médicos, como quimioterapia e radiação ionizante, podem causar IOP. Quimioterapia é particularmente associada a IOP em mulheres jovens, com risco maior para aquelas tratadas para câncer de mama. A radiação ovariana também pode ser gonadotóxica, dependendo da dose e da área irradiada, e tem maior impacto em mulheres com mais de 40 anos.
Além disso, algumas drogas e toxinas ambientais, como o fumo, podem contribuir para a perda ovariana, embora mais pesquisas sejam necessárias para esclarecer os mecanismos exatos. Cirurgias pélvicas, como a remoção de tecido ovariano ou a embolização da artéria uterina, também podem diminuir a função ovariana, levando à IOP.
Causas Infecciosas
Embora existam relatos históricos de relação entre doenças infecciosas e IOP, as evidências não são conclusivas. Doenças como parotidite, rubéola, varicela, herpes-zóster e HIV têm sido associadas à perda da função ovariana, mas muitas dessas associações são baseadas em dados recordatórios. O HIV, por exemplo, pode causar uma perda precoce da função ovariana, mas a relação direta com o vírus ainda é incerta, e fatores como tabagismo podem ter um papel mais relevante.
Manifestações clínicas da Insuficiência Ovariana Primária
A IOP é frequentemente associada a irregularidades menstruais, como oligomenorreia ou amenorreia. Muitas mulheres podem procurar ajuda devido a dificuldades para engravidar ou amenorreia primária.
A IOP pode se manifestar após o uso de contraceptivos orais (COs), quando as alterações no ciclo menstrual e outros sintomas se tornam aparentes apenas após a interrupção do anticoncepcional.
Sem reposição estrogênica, as mulheres com IOP enfrentam diversos riscos e sintomas:
- Fogachos: sintomas vasomotores podem aparecer antes das alterações menstruais e são mais frequentes quando os níveis de estrogênio estão baixos.
- Perda óssea e osteoporose: mulheres com IOP têm maior risco de perda óssea, osteoporose e fraturas, com evidências de deficiência de vitamina D e ingestão inadequada de cálcio.
- Sintomas geniturinários: a progressão da IOP pode levar a vaginite atrófica e dispareunia, caso o estrogênio não seja reposto.
- Saúde sexual: a função sexual pode ser afetada pela deficiência estrogênica e fatores psicossociais. Mulheres com IOP apresentam função sexual mais baixa, mas a terapia estrogênica sistêmica não melhora esses sintomas.
- Morbidade e mortalidade cardiovascular: a IOP está associada a maior risco cardiovascular, possivelmente devido à disfunção endotelial, com risco aumentado de doenças cardíacas isquêmicas e AVC.
- Demência e declínio cognitivo: mulheres com IOP precoce podem ter maior risco de demência e declínio cognitivo, especialmente se não receberem reposição estrogênica.
- Saúde emocional: o diagnóstico de IOP é frequentemente traumático, afetando a saúde emocional. Mulheres com IOP têm maior prevalência de depressão e ansiedade, com o estigma e a incerteza sobre a doença sendo fatores significativos.
Diagnóstico de Insuficiência Ovariana Primária
O diagnóstico da Insuficiência Ovariana Primária (IOP) é indicado em mulheres com menos de 40 anos que apresentem ciclos menstruais longos ou períodos de amenorreia (ausência de menstruação) por 4 a 6 meses, ou em casos de amenorreia primária.
O principal exame para o diagnóstico é a dosagem de FSH (hormônio folículo-estimulante), com um nível de corte historicamente aceito de 40 mUI/mL. No entanto, uma nova abordagem sugere que o diagnóstico de IOP deve ser feito quando o nível de FSH for superior a 25 mUI/mL, conforme proposto pela European Society of Embriology and Human Reproduction (ESHERE). Para confirmar o diagnóstico, é necessário obter valores de FSH acima do nível de corte em dois momentos distintos, com intervalo de pelo menos quatro semanas, devido às flutuações naturais dos níveis de FSH.
Além do FSH, a dosagem de estradiol pode ser realizada, mas sempre deve ser analisada em conjunto com o FSH e as informações clínicas sobre o ciclo menstrual. A IOP não implica necessariamente no esgotamento completo dos folículos ovarianos, mas sim em uma redução suficiente na reserva folicular para causar manifestações clínicas, como sintomas vasomotores e dificuldades reprodutivas.
Se os níveis de FSH forem superiores a 15 mUI/mL, mas inferiores a 30 mUI/mL, e se os níveis de estradiol (E2) forem superiores a 50 pg/mL ou a relação LH/FSH for superior a 1,0, isso pode sugerir a presença de folículos ovarianos. A ultrassonografia pode ajudar a identificar ovários de tamanho normal ou a presença de folículos antrais. Quando há suspeita de folículos, a possibilidade de gestação espontânea deve ser discutida com a paciente.
A investigação da etiologia da IOP inclui uma anamnese detalhada e testes genéticos, como análise cromossômica para mulheres com IOP precoce (antes dos 30 anos), e investigação para a pré-mutação do X frágil em casos familiares.
Causas autoimunes, como hipotireoidismo ou doença de Addison, podem ser investigadas por meio de exames específicos, como anticorpos anti-TPO e anti-21-hidroxilase. Além disso, causas iatrogênicas, como cirurgias ou tratamentos com radiação e quimioterapia, devem ser consideradas com base na história clínica da paciente.
Tratamento da Insuficiência Ovariana Primária
O tratamento da insuficiência ovariana primária (IOP) baseia-se principalmente na reposição hormonal, com o objetivo de restabelecer os níveis hormonais femininos e tratar as complicações associadas à condição.
O principal componente do tratamento é a terapia de reposição estrogênica (TRH), que é indicada para aliviar sintomas da deficiência hormonal, como ondas de calor, distúrbios do humor, e para prevenir complicações a longo prazo, como a perda óssea.
Em casos em que o diagnóstico ocorre durante o período puberal e não há desenvolvimento adequado dos caracteres sexuais secundários, é necessário induzir a puberdade com doses baixas de estradiol (17β-estradiol), aumentando gradualmente ao longo de 2 a 3 anos.
Após o início da puberdade, a introdução de progestagênios deve ocorrer dois anos após a indução com estradiol ou assim que o primeiro sangramento menstrual se manifeste. Para mulheres diagnosticadas em idades mais avançadas, sem preocupação com o crescimento, a dose de estradiol pode ser iniciada de forma mais rápida e progressiva.
A administração de estrogênio pode ser feita de diferentes formas, como adesivos transdérmicos, gel percutâneo ou via oral, sendo os níveis de estradiol ajustados conforme a necessidade. O regime de progestagênio também varia conforme a escolha do regime contínuo ou cíclico, visando proteger o endométrio e prevenir câncer endometrial.
Além disso, a terapia de reposição hormonal deve ser mantida até os 50 anos, idade esperada para a menopausa natural, e, após essa idade, a continuidade do tratamento deve ser discutida com a paciente, levando em conta as indicações específicas para cada caso.
A administração de testosterona, embora menos estudada, pode ser considerada em casos de IOP por disgenesia gonadal ou ooforectomia, para aliviar sintomas de insuficiência androgênica, mas em doses bem controladas para evitar efeitos colaterais.
A IOP também exige uma abordagem multidisciplinar, incluindo orientações sobre dieta (ricos em cálcio e vitamina D), prática de atividades físicas e suporte emocional e sexual. Para mulheres sem prole e que desejam engravidar, a fertilização assistida com doação de óvulos pode ser uma opção terapêutica.
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SP – PUC Sorocaba – 2025 – Residência (Acesso Direto)
Mulher nuligesta de 29 anos, que apresentou ciclos irregulares (intervalos de 45 a 60 dias, sangramento de 3 dias, com intensidade leve) ao longo do primeiro semestre do ano passado. Sua última menstruação foi há 10 meses. Desde o início do quadro, tem a sensação de calor exagerado, que surge em ondas, associados à descarga de sudorese, especialmente à noite, o que prejudica seu sono. Percebeu também dispareunia de penetração, redução da libido sexual e anorgasmia. Assinale a alternativa INCORRETA frente a esta situação clínica:
A) Será necessário avaliar pelo menos duas vezes os níveis séricos de estradiol e FSH para definição do diagnóstico;
B) No caso de não haver desejo reprodutivo, o método contraceptivo deve ser associado ao uso da terapia hormonal (TH);
C) Para a TH, a dose de estrogênio usualmente é maior do que a prescrita na menopausa habitual;
D) O uso seguro de terapia hormonal deverá respeitar o tempo de até cinco anos, ser for efetuada a TH estroprogestativa.
Opção correta: Alternativa “D”
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Referências
Corrine K Welt, MD. Clinical manifestations and diagnosis of primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Corrine K Welt, MD. Management of primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure). UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Tratado de Ginecologia FEBRASGO – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. BEREK, J.S.