Resumo sobre Malformação de Chiari tipo 1: definição, manifestações clínicas e mais!
Uma ressonância magnética ponderada em T1 sagital do cérebro mostra as amígdalas cerebelares baixas e alongadas (seta), que estão deslocadas abaixo do nível do forame magno. Fonte: UpToDate

Resumo sobre Malformação de Chiari tipo 1: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Malformação de Chiari tipo 1, uma condição neurológica caracterizada pelo deslocamento das tonsilas cerebelares para o canal vertebral, podendo causar sintomas variados, como cefaleia e alterações neurológicas.

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Malformação de Chiari Tipo 1

As malformações de Chiari constituem um grupo heterogêneo de distúrbios congênitos, caracterizados por anomalias anatômicas na junção craniocervical, com deslocamento descendente de estruturas cerebelares, isoladamente ou em associação com o tronco encefálico e a medula espinhal, para dentro do canal espinhal. 

Geralmente, essas malformações estão associadas a uma fossa posterior pequena, que resulta em aglomeração e impacto das estruturas neurais no forame magno. Além disso, podem coexistir com cavitações medulares, como a siringomielia.

As malformações de Chiari foram inicialmente descritas por John Cleland, em 1883, e posteriormente classificadas por Hans Chiari, em 1891, em quatro tipos principais:

  • Malformação de Chiari tipo I (CM-I): caracteriza-se pelo deslocamento inferior das amígdalas cerebelares, de formato anormal, para abaixo do nível do forame magno.
  • Malformação de Chiari tipo II (CM-II), ou malformação de Arnold-Chiari: envolve o deslocamento do vérmis e das amígdalas cerebelares, além de uma malformação do tronco encefálico, com mesencéfalo em forma de bico, frequentemente associada à presença de mielomeningocele espinhal.
  • Malformação de Chiari tipo III (CM-III): condição rara, que combina uma pequena fossa posterior com a presença de encefalocele cervical ou occipital alta, geralmente com herniação de estruturas cerebelares e deslocamento inferior do tronco encefálico para o canal espinhal.
  • Malformação de Chiari tipo IV (CM-IV): atualmente considerada um termo obsoleto, referia-se à hipoplasia cerebelar isolada, sem relação com as outras malformações de Chiari.

Além dessas, foram descritos subtipos adicionais: a malformação de Chiari 0, caracterizada por anomalias do tronco encefálico, mas com amígdalas cerebelares normalmente posicionadas, e a malformação de Chiari 1.5, semelhante à CM-II, porém sem a presença de espinha bífida. Ambos os subtipos exibem aglomeração das estruturas neurais no forame magno.

A malformação de Chiari tipo I é a forma mais comum e consiste no deslocamento descendente das amígdalas cerebelares abaixo do forame magno. As amígdalas, frequentemente com formato anormal, penetram no canal espinhal, o que pode provocar obstrução do fluxo liquórico e levar ao desenvolvimento de siringomielia. A redução do volume da fossa posterior e a compressão das estruturas neurais são características marcantes dessa condição.

Etiologia da Malformação de Chiari tipo 1

A malformação de Chiari tipo 1 (CM-I) pode ter causa genética ou ser secundária a alterações na base do crânio, como craniossinostose, platisbasia, desproporção craniocerebral, anomalias da neurulação secundária e doenças metabólicas ósseas. 

Pode também ocorrer devido ao aumento da pressão intracraniana, causado por hidrocefalia, tumores ou hipertensão intracraniana idiopática, configurando a malformação de Chiari tipo 1 secundária. Casos iatrogênicos, como após derivação lumboperitoneal, e relacionados a trauma também são descritos.

Outro mecanismo possível envolve a tração caudal pelo filum terminale, como na síndrome da medula presa, provocando o descenso das tonsilas cerebelares.

Geneticamente, há associações com os cromossomos 2, 9, 14 e 15, incluindo mutações nos genes NKX2-1 e EPAS1, que influenciam o desenvolvimento cerebral e ósseo. Essas alterações podem causar uma fossa posterior pequena e um forame magno estreito, favorecendo a herniação das tonsilas cerebelares. 

A CM-I também pode estar associada a doenças do tecido conjuntivo, como a síndrome de Ehlers-Danlos, embora essa relação ainda seja incerta. Alterações em vias genéticas, como a RAS/MAPK, e variantes nos genes CHD3 e CHD8 também foram identificadas, sugerindo múltiplos subtipos etiológicos e um possível caráter hereditário da doença.

Fisiopatologia da Malformação de Chiari tipo 1

A malformação de Chiari tipo 1 (CM-I) caracteriza-se pela invaginação das tonsilas cerebelares através do forame magno, com descida superior a 5 mm. Contudo, em crianças, deslocamentos menores (<3 mm) também podem ser significativos. Diferente das formas mais graves (tipos 2, 3 e 4), a CM-I não envolve herniação extensa do tronco encefálico ou malformações cerebelares severas.

O principal mecanismo fisiopatológico é a compressão direta das estruturas neurológicas na região do forame magno e da porção superior da medula espinhal, além da obstrução do fluxo do líquor (LCR). Frequentemente associa-se à siringomielia, formação anormal de cavidades preenchidas por LCR (siringes) dentro da medula espinhal, presente em 20% a 85% dos casos, especialmente na região cervical.

A gênese da siringomielia envolve hipóteses como a dissociação de pressões entre os espaços subaracnoides craniano e espinhal, induzida pela pulsação arterial, ou como consequência direta da alteração anatômica das tonsilas cerebelares, que compromete a dinâmica do LCR. Casos de siringobulbia, comunicando-se com o quarto ventrículo, também foram descritos.

A obstrução do forame de Magendie pode levar à dilatação do quarto ventrículo e, em cerca de 10% dos casos, à hidrocefalia. Anomalias esqueléticas associadas incluem platisbasia, invaginação basilar, deformidade de Sprengel e assimilação atlanto-occipital. Síndromes genéticas como Klippel-Feil, Gorham-Stout, Crouzon e Pfeiffer podem estar associadas, refletindo alterações na base do crânio que contribuem para o desenvolvimento da malformação.

Chiari tipo 1
Uma ressonância magnética ponderada em T1 sagital do cérebro mostra as amígdalas cerebelares baixas e alongadas (seta), que estão deslocadas abaixo do nível do forame magno. Fonte: UpToDate

Manifestações clínicas da Malformação de Chiari tipo 1

Pacientes com malformação de Chiari tipo 1 são, em sua maioria, assintomáticos. Quando sintomáticos, especialmente em adultos e jovens, a manifestação mais comum é dor ou cefaleia na região occipital ou cervical. Em crianças pequenas, os sintomas podem se apresentar como irritabilidade, choro excessivo e dificuldade no ganho de peso.

A cefaleia relacionada à malformação de Chiari tipo 1 tende a piorar com a manobra de Valsalva, devido à redução do forame magno, ao contrário das cefaleias crônicas que não sofrem variação com essa manobra. Indivíduos afetados têm prevalência de enxaqueca semelhante à da população geral, mas com início mais precoce e sintomas mais intensos.

As manifestações clínicas variam amplamente e resultam, principalmente, da compressão do tronco encefálico, levando a disfunção autonômica e alterações estruturais, como escoliose. Dentre os sinais e sintomas, destacam-se:

  • Síncope e bradicardia por disfunção autonômica
  • Alterações na deglutição, vômitos
  • Dificuldades de equilíbrio e marcha instável
  • Problemas de coordenação manual
  • Dormência, formigamento nos membros
  • Tontura e zumbido

A siringomielia é uma complicação comum, caracterizada pela formação de cavidades preenchidas por líquido cefalorraquidiano dentro da medula espinhal (siringes). Pode provocar fraqueza muscular progressiva, rigidez nos membros e paraparesia aguda. Quando a cavidade se estende ao bulbo, ocorre a siringobulbia, com fraqueza dos músculos faciais.

Alterações urinárias e intestinais podem surgir devido à compressão medular. A escoliose é frequente, principalmente em crianças, embora não exista relação direta comprovada com o tamanho ou extensão da siringe.

O nistagmo pode ocorrer, especialmente na presença de siringobulbia, sendo evocável pelo olhar em decorrência da compressão do flóculo cerebelar.

Em crianças, predominam quadros de disfunção do tronco encefálico, apneia do sono e dificuldades alimentares, geralmente causadas por lesão dos nervos glossofaríngeo e vago, levando à ausência do reflexo de vômito e rouquidão.

Além disso, estudos recentes indicam possíveis alterações cognitivas, com prejuízos em funções executivas, fluência verbal, cognição espacial, linguagem e memória.

Diagnóstico da Malformação de Chiari tipo 1

A ressonância magnética (RM) é o principal exame para o diagnóstico da malformação de Chiari tipo 1, permitindo a visualização detalhada da anatomia da junção craniocervical e a identificação de complicações secundárias, como hidrocefalia e siringomielia. Quando a RM não pode ser realizada, outras modalidades incluem mielografia por tomografia computadorizada (TC), TC sem contraste e radiografias de cabeça e pescoço.

Além da descida das tonsilas cerebelares, a RM pode mostrar tonsilas com aparência “pontiaguda” ou em formato de “prego”, tanto em pacientes sintomáticos quanto assintomáticos. Outro achado comum é a “flexura” cervicomedular, observada em até 71% dos pacientes sintomáticos. Quanto maior a descida das tonsilas, maior a probabilidade do paciente apresentar sintomas.

Pacientes assintomáticos com ectopia tonsilar incidental podem se beneficiar de estudos do fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR) por RM. Alterações positivas nesses estudos incluem descida pulsátil das tonsilas durante a sístole e obstrução do fluxo de LCR no nível do forame magno, informações que ajudam a avaliar a necessidade de intervenção cirúrgica. A malformação de Chiari tipo 1 e a siringomielia também podem ser detectadas incidentalmente em ultrassonografias obstétricas de rotina.

Exames diagnósticos complementares

Exames laboratoriais não são utilizados para o diagnóstico da malformação de Chiari tipo 1, mas podem ser solicitados para avaliação pré-operatória, incluindo hemograma completo, painel metabólico e outros exames como radiografia de tórax e eletrocardiograma.

Outros exames auxiliares que podem ser indicados:

  • Estudo do sono: Monitoramento durante a noite para avaliar respiração, ronco, oxigenação e atividade convulsiva, buscando evidências de apneia do sono.
  • Estudo da deglutição: Fluoroscopia para observar o processo interno da deglutição, identificando possíveis disfunções do tronco encefálico inferior.
  • Potenciais evocados auditivos do tronco encefálico: Avaliação elétrica da função auditiva e das conexões do tronco encefálico.
  • Potenciais evocados somatossensoriais: Exame elétrico dos nervos sensitivos, fornecendo informações sobre a integridade do sistema nervoso periférico, medula espinhal e cérebro.

Tratamento da Malformação de Chiari tipo 1

O manejo clínico da malformação de Chiari tipo 1 é focado no tratamento dos sintomas, principalmente dor e cefaleia. O uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), relaxantes musculares e colares cervicais pode aliviar sintomas, embora apresente pouca eficácia para manifestações como alterações na marcha. Técnicas complementares, como meditação, yoga e terapia mindfulness, também são propostas para o controle da dor.

Tratamento cirúrgico

A cirurgia é indicada para pacientes com sintomas graves ou progressivos, associados à evidência de descida das tonsilas cerebelares e obstrução do fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR) confirmada por ressonância magnética. O objetivo é a descompressão da junção craniocervical para restaurar o fluxo adequado do LCR.

O procedimento mais comum é a descompressão da fossa posterior (PFD), que envolve craniectomia suboccipital, laminectomia de C1, com ou sem duraplastia. A duraplastia está associada a melhores resultados a longo prazo, incluindo maior redução do siringe e menor necessidade de reoperação, porém pode aumentar cefaleia e náusea pós-operatórias. 

Procedimentos minimamente invasivos e técnicas específicas para tratamento da siringomielia, como derivação do siringe para o espaço subaracnoide, também são utilizados.

Em casos de compressão ventral do tronco encefálico, podem ser necessárias técnicas adicionais, como tração halo-coroa seguida de instrumentação occipitocervical e, eventualmente, a colocação de stent no quarto ventrículo.

Complicações

As complicações pós-operatórias mais comuns incluem vazamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) e formação de pseudomeningocele, que pode requerer cirurgia adicional ou colocação de derivação (shunt). 

Outras complicações possíveis são meningite asséptica ou bacteriana, lesão da artéria vertebral, déficits neurológicos e hematoma epidural. A meningite tem maior incidência em procedimentos que utilizam xenoinjertos de pericárdio bovino em comparação com aloinjertos.

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Referências

Chaouki Khoury, MD, MS, FAAN, FAHS. Chiari malformations. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate

Kular S, Cascella M. Chiari Malformation Type 1. [Updated 2024 Feb 9]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554609/

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