Resumo sobre Mastocitose Sistêmica: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Mastocitose Sistêmica: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Mastocitose Sistêmica, uma condição rara caracterizada pelo acúmulo anormal de mastócitos em diferentes órgãos e tecidos, como pele, medula óssea, fígado, baço e trato gastrointestinal. 

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Mastocitose Sistêmica

A mastocitose sistêmica é uma condição rara caracterizada pela proliferação anormal e pelo acúmulo de mastócitos em diferentes tecidos do organismo, além da pele. Trata-se de uma forma mais agressiva dentro do espectro das mastocitoses, uma vez que envolve órgãos extracutâneos e pode comprometer de maneira relevante o funcionamento do organismo. 

A doença resulta da atividade exacerbada dos mastócitos, que liberam grande quantidade de mediadores bioquímicos capazes de provocar repercussões sistêmicas variadas. Diferencia-se da mastocitose cutânea, considerada mais branda, por sua extensão e complexidade, exigindo maior atenção quanto à evolução e ao impacto sobre a saúde do paciente.

Etiologia da Mastocitose Sistêmica

A etiologia da mastocitose sistêmica está relacionada à origem e ao funcionamento dos mastócitos, células imunes derivadas da linhagem mieloide e normalmente presentes nos tecidos conjuntivos. Essas células atuam como elementos efetores em reações de hipersensibilidade e processos alérgicos, podendo ser ativadas por mecanismos mediados por imunoglobulina E (IgE) ou por vias independentes desse anticorpo.

No mecanismo mediado por IgE, a ligação cruzada entre o alérgeno e o receptor de IgE leva à ativação e degranulação dos mastócitos. Já nos mecanismos não mediados por IgE, diversos fatores podem desencadear essa ativação, como estímulos físicos e emocionais, alimentos, fármacos (opioides e anti-inflamatórios não esteroidais), álcool, calor, exercício físico, citocinas, venenos e hormônios. 

A degranulação resulta na liberação de mediadores bioativos, incluindo histamina, proteases, citocinas, fatores de crescimento, fator de necrose tumoral e fosfolipases. Entre esses componentes, a triptase e a quimase são particularmente abundantes nos grânulos dos mastócitos, sendo a triptase considerada um marcador diagnóstico importante, dado que sua secreção ocorre de forma quase constante nessas células.

Fisiopatologia da Mastocitose Sistêmica

A fisiopatologia da mastocitose sistêmica envolve dois processos principais: a liberação crônica e episódica de mediadores pelos mastócitos e o acúmulo excessivo dessas células em diferentes tecidos. 

Em condições normais, os mastócitos armazenam mediadores vasoativos e os liberam para desencadear respostas inflamatórias de defesa contra agentes invasores. No entanto, na mastocitose sistêmica, a liberação desses mediadores ocorre de forma desregulada, gerando reações semelhantes às observadas em processos alérgicos e anafiláticos.

A produção e a regulação dos mastócitos estão diretamente ligadas ao gene KIT, que codifica a tirosina quinase transmembrana CD117, responsável por regular o crescimento, a sobrevivência e a migração dessas células. 

Mutação nesse gene, em especial a KITD816V, é considerada o principal evento molecular associado à doença, levando a uma ativação independente do fator de células-tronco (SCF) e favorecendo a proliferação anormal de mastócitos. 

Essas mutações geralmente são somáticas, podendo estar presentes desde o nascimento, mas raramente aparecem em células germinativas, o que explica a ausência de transmissão hereditária na maioria dos casos.

Além da mutação em KIT, outras alterações genéticas podem estar associadas, como em TET2, JAK2V617F, RAS e FIP1L1-PDGFRA (esta última relacionada à eosinofilia), contribuindo para a complexidade do processo fisiopatológico da mastocitose sistêmica.

Manifestações clínicas da MAstocitose Sistêmica

As manifestações clínicas da mastocitose sistêmica são variadas e decorrem, principalmente, da liberação episódica de mediadores vasoativos e da infiltração tecidual por mastócitos.

A liberação aguda desses mediadores pode provocar episódios de vasodilatação, hipotensão, rubor, síncope, fadiga, cefaleia, além de sintomas gastrointestinais como dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia. Em muitos casos, essas crises se apresentam como anafilaxia, observada tanto na forma cutânea quanto na sistêmica, frequentemente associada a colapso vascular e, menos comumente, a urticária e angioedema.

No trato gastrointestinal, a disfunção induzida pelos mastócitos manifesta-se por dor abdominal recorrente, diarreia, náuseas, vômitos, doença ulcerosa péptica e até sangramentos digestivos. Quando há infiltração intestinal ou hepática, podem surgir má absorção, esteatorreia, hepatomegalia e alterações nas enzimas hepáticas.

No âmbito neuropsiquiátrico, são comuns alterações de humor, depressão, sonolência, instabilidade emocional, irritabilidade, déficit de concentração e memória curta, quadro por vezes descrito como “síndrome cerebral orgânica mista”.

Atingindo o sistema musculoesquelético, a mastocitose sistêmica pode gerar dor difusa em ossos longos, síndrome dolorosa semelhante à fibromialgia, além de aumentar o risco de osteopenia e osteoporose. Por esse motivo, recomenda-se a realização de densitometria óssea nesses pacientes.

Entre as alterações hematológicas, destacam-se anemia leve a moderada, presente em até metade dos casos, e eosinofilia, encontrada em cerca de um quarto dos pacientes.

O envolvimento de tecidos linfóides e do baço também é frequente. Linfadenopatia central e periférica ocorre em proporção variável conforme a forma clínica, sendo mais comum nos subtipos associados a neoplasias hematológicas, mastocitose sistêmica agressiva e leucemia de mastócitos. A esplenomegalia pode estar presente em até 50% dos pacientes com mastocitose indolente e em mais de 70% naqueles com formas mais avançadas.

Diagnóstico de Mastocitose Sistêmica

O diagnóstico da mastocitose sistêmica é estabelecido a partir da associação entre história clínica, exames laboratoriais, avaliação histológica e critérios específicos da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Avaliação clínica inicial

  • Coleta detalhada da história médica.
  • Identificação de desencadeadores da ativação mastocitária:
    • AINEs, opioides, anestésicos, calor, atrito, estresse, vacinas, contrastes, picadas de insetos.
  • Registro de episódios prévios de anafilaxia e necessidade de epinefrina.

Exames laboratoriais e básicos

  • Hemograma completo.
  • Função renal e hepática.
  • Albumina e cálcio séricos.
  • Triptase sérica: marcador fundamental, geralmente elevado.
  • Biópsia e aspiração de medula óssea:
    • Avaliação morfológica.
    • Imunofenotipagem (CD25).
    • Pesquisa de mutações no gene KIT.
  • Densitometria óssea: recomendada devido ao risco de osteopenia/osteoporose.

Exames avançados (conforme apresentação clínica)

  • Tomografia computadorizada de abdome: indicada em casos de hepatoesplenomegalia, linfadenopatia ou alterações hematológicas.
  • Endoscopia digestiva com biópsias: em pacientes com sintomas gastrointestinais.
  • Biópsias de fígado ou linfonodos: quando há elevação de enzimas hepáticas ou sintomas locais.

Critérios Diagnósticos da OMS

  • Critério maior:
    • Infiltrados multifocais de mastócitos anormais (>15%) na medula óssea ou em tecidos extracutâneos.
  • Critérios menores:
    • Triptase sérica >20 ng/mL.
    • Expressão anômala de CD25 nos mastócitos.
    • Presença da mutação KITD816V.
    • Mais de 25% de mastócitos atípicos.

O diagnóstico é confirmado com 1 critério maior + 1 menor, ou 3 critérios menores.

Avaliação de Disfunção Orgânica (Findings B e C)

  • B findings (carga mastocitária aumentada):
    • Infiltração >30% da medula óssea ou níveis muito altos de triptase.
    • Hepatoesplenomegalia ou linfadenopatia sem disfunção orgânica.
  • C findings (disfunção orgânica):
    • Citopenias na medula óssea.
    • Hepatomegalia ou esplenomegalia palpáveis.
    • Lesões ósseas líticas ou fraturas patológicas.
    • Má absorção intestinal por infiltração mastocitária.

Tratamento da Mastocitose Sistêmica

O tratamento da mastocitose sistêmica é direcionado tanto ao controle dos sintomas quanto ao manejo específico de acordo com o subtipo da doença.

Manejo sintomático

O objetivo principal é reduzir a liberação e os efeitos dos mediadores mastocitários:

  • Anti-histamínicos (H1 e H2): primeira linha de tratamento, usados para controlar prurido, rubor, dor abdominal, refluxo, cólicas e diarreia.
  • Antileucotrienos: indicados em casos de sintomas refratários aos anti-histamínicos, especialmente rubor, prurido e cólicas abdominais.
  • Anafilaxia recorrente: pacientes devem portar adrenalina autoinjetável e manter terapia otimizada com anti-histamínicos e antileucotrienos.
  • Omalizumabe (anti-IgE): pode reduzir episódios de anafilaxia em pacientes selecionados.
  • Ácido acetilsalicílico (AAS): pode auxiliar no controle do rubor quando há falha dos anti-histamínicos, desde que o paciente tolere AINEs.
  • Sintomas gastrointestinais: podem responder a cromoglicato de sódio oral, anti-histamínicos H2, inibidores da bomba de prótons (IBP) e, em casos graves de formas agressivas, a glicocorticoides orais.
  • Osteoporose e fraturas: manutenção de cálcio e vitamina D, associada ao uso de bifosfonatos (como pamidronato) e, em alguns casos, interferon-alfa em baixa dose.
  • Sintomas refratários: quando não há resposta às terapias anteriores, pode-se recorrer a glicocorticoides em baixa dose ou a medidas citoredutivas, como interferon-alfa, cladribina ou inibidores de tirosina quinase (dependendo do perfil mutacional de KIT).

Manejo específico por subtipo

  • Mastocitose Sistêmica Indolente (ISM) ou Smoldering (SSM): geralmente não necessitam de terapia citoredutiva, mas esta pode ser considerada em casos de anafilaxia recorrente e refratária a medidas convencionais.
  • Mastocitose Sistêmica Agressiva (ASM): requer tratamento com agentes citoredutivos, como cladribina, interferon-alfa, midostaurina ou outros inibidores de tirosina quinase. O transplante de células-tronco hematopoéticas pode ser indicado em pacientes elegíveis.
  • Mastocitose Sistêmica Associada a Neoplasia Hematológica (SM-AHN): o tratamento deve ser direcionado para a neoplasia associada, considerando transplante após terapia de resgate.
  • Leucemia de mastócitos: não há tratamento padrão definido, sendo uma condição de prognóstico reservado.

Situações especiais

  • Alergia a veneno de insetos: a imunoterapia com veneno é altamente eficaz na prevenção de novos episódios de anafilaxia.

Veja também!

Referências

Gangireddy M, Ciofoaia GA. Systemic Mastocytosis. [Updated 2023 Jul 4]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK544345/

Mariana C Castells, MD, PhDCem Akin, MD, PhD. Mastocytosis (cutaneous and systemic) in adults: Epidemiology, pathogenesis, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

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