E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Neuralgia Glossofaríngea, uma condição rara caracterizada por episódios de dor intensa e aguda na região da garganta, amígdala, base da língua e ouvido, associada à irritação do nervo glossofaríngeo.
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Vamos nessa!
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Definição de Neuralgia Glossofaríngea
A neuralgia glossofaríngea é uma condição neurológica rara que se manifesta por episódios breves e recorrentes de dor intensa, geralmente descrita como aguda, lancinante ou em choque elétrico, localizados na distribuição sensitiva do nervo glossofaríngeo (nervo craniano IX).
Essa dor costuma ser unilateral e acomete áreas como a base da língua, a fossa tonsilar, o ângulo da mandíbula e o ouvido. Frequentemente, os episódios são desencadeados por ações simples, como falar, mastigar, engolir, tossir ou bocejar.
O início e a cessação das crises são abruptos, podendo ocorrer múltiplos episódios ao longo do dia, seguidos por períodos assintomáticos que podem durar dias ou até semanas. Em alguns casos, a neuralgia glossofaríngea pode ser acompanhada de manifestações autonômicas, como bradicardia, síncope e até convulsões, especialmente quando há envolvimento simultâneo de fibras do nervo vago, condição conhecida como neuralgia vagoglossofaríngea.
A neuralgia glossofaríngea é considerada uma patologia de padrão recorrente e remissivo, sendo frequentemente confundida com a neuralgia do trigêmeo, devido às semelhanças no caráter da dor, embora possuam distribuições nervosas distintas.
Epidemiologia da Neuralgia Glossofaríngea
A neuralgia glossofaríngea é uma condição rara, representando entre 0,2% e 1,3% das neuralgias cranianas, com incidência aproximada de 0,7 casos por 100.000 habitantes. Afeta igualmente ambos os sexos, mas sua ocorrência aumenta com a idade.
Em um estudo com 217 pacientes da Mayo Clinic, 57% tinham mais de 50 anos e 43% estavam entre 18 e 50 anos. Aproximadamente 74% apresentaram remissões espontâneas, 17% não tiveram alívio e apenas 12% manifestaram dor bilateral.
Fisiopatologia da Neuralgia Glossofaríngea
O nervo glossofaríngeo (nervo craniano IX) é um nervo misto que possui funções motoras e sensitivas, incluindo controle motor do músculo estilofaríngeo, inervação parassimpática da glândula parótida, sensação somática do ouvido, faringe e parte posterior da língua, além de sensibilidade visceral ao seio carotídeo e ao paladar da língua posterior.
Seus neurônios e fibras aferentes e eferentes possuem trajetos complexos que passam pelo tronco cerebral e seguem pelo canal jugular, adjacente aos nervos vago e acessório, com ramos terminais que desempenham diferentes funções sensoriais e motoras.
A causa mais comum da neuralgia glossofaríngea é a compressão da raiz do nervo por estruturas vasculares intracranianas próximas, especialmente pela artéria cerebelar inferior posterior, mas também por outras artérias cerebelares ou veias.
Essa compressão vascular provoca a desmielinização das fibras nervosas, resultando em transmissão anormal dos impulsos nervosos, fenômeno conhecido como transmissão efnáptica, similar ao que ocorre na neuralgia do trigêmeo. Essa alteração leva à geração dos episódios dolorosos típicos da neuralgia.
Além da compressão vascular, outras lesões compressivas ao longo do trajeto do nervo podem desencadear a neuralgia glossofaríngea, como malformações arteriovenosas, tumores intracranianos (na região do ângulo cerebelopontino), tumores cervicais, infecções ou traumas no pescoço.
A síndrome de Eagle, causada pelo alongamento do processo estilóide ou calcificação do ligamento estilohióideo, pode causar compressão do nervo e provocar sintomas semelhantes.
Em alguns casos, a neuralgia pode estar associada à desmielinização no tronco cerebral, embora frequentemente coexistam alterações vasculares. Assim, a fisiopatologia envolve principalmente a irritação ou compressão do nervo glossofaríngeo, que gera episódios de dor intensa por alterações na condução nervosa causada pela perda da bainha de mielina.
Manifestações clínicas da Neuralgia Glossofaríngea
As manifestações clínicas da neuralgia glossofaríngea caracterizam-se por dor paroxística unilateral, de natureza aguda, lancinante ou em choque elétrico, com duração breve, geralmente de um segundo a dois minutos. A intensidade varia de moderada a severa, podendo ocorrer múltiplos episódios diários, dependendo das atividades e dos gatilhos.
A dor localiza-se tipicamente na parte posterior da língua, faringe, ângulo da mandíbula e, por vezes, no ouvido profundo do mesmo lado. Embora a apresentação seja predominantemente unilateral, cerca de 12% dos casos podem ter envolvimento bilateral, geralmente em momentos diferentes.
Os episódios são frequentemente desencadeados por ações que ativam o nervo glossofaríngeo, como deglutir, tossir ou bocejar. Em aproximadamente 2% dos pacientes, podem ocorrer episódios de síncope, associados a bradiarritmia, assistolia, hipotensão e convulsões, possivelmente devido à hiperatividade do ramo do seio carotídeo e estimulação reflexa do nervo vago.
Outros sintomas incluem urgência para tossir, sugerindo possível envolvimento concomitante do nervo vago, e perda de peso não intencional em casos com crises frequentes desencadeadas pela deglutição.
A presença de déficit sensorial fixo, como ausência do reflexo de vômito ou perda de sensibilidade faríngea, não é característica da neuralgia glossofaríngea e sugere neuropatia glossofaríngea.
Diagnóstico de Neuralgia Glossofaríngea
O diagnóstico da neuralgia glossofaríngea (NG) deve ser considerado em pacientes que apresentam episódios recorrentes de dor na mandíbula, língua e/ou ouvido, assim como naqueles com dor facial ou cervical acompanhada de síncope inexplicada. O diagnóstico é realizado com base nos critérios clínicos estabelecidos pela Classificação Internacional das Cefaleias, 3ª edição (ICHD-3).
Critérios diagnósticos
Segundo a ICHD-3, o diagnóstico de NG requer a presença de episódios paroxísticos recorrentes de dor unilateral na distribuição do nervo glossofaríngeo, envolvendo a parte posterior da língua, faringe, fossa tonsilar, ângulo da mandíbula e/ou ouvido.
A dor deve ter duração de alguns segundos até dois minutos, ser de intensidade severa, ter qualidade semelhante a um choque elétrico, cortante ou lancinante e ser precipitada por ações como deglutição, tosse, fala ou bocejo. Além disso, os sintomas não devem ser melhor explicados por outro diagnóstico da ICHD-3.
Classificação
A NG pode ser classificada em três tipos, conforme a causa identificada: neuralgia clássica, quando há compressão neurovascular do nervo glossofaríngeo; neuralgia secundária, quando a dor resulta de uma causa estrutural, como lesões desmielinizantes do tronco encefálico ou tumores no espaço parafaríngeo; e neuralgia idiopática, quando não há evidência de compressão ou alteração estrutural.
Avaliação diagnóstica
Todos os pacientes que preenchem os critérios diagnósticos devem ser submetidos a exame físico e testes complementares para confirmação da NG e determinação de sua causa. A inspeção e palpação do pescoço, orelha, membrana timpânica e orofaringe podem revelar sinais de lesões estruturais. Quando há dificuldade para exame orofaríngeo, pode-se aplicar anestésico tópico, como lidocaína, na região posterior da orofaringe e peritonsilar, e a melhora transitória dos sintomas sugere o diagnóstico.
Exames complementares
O encaminhamento para avaliação otorrinolaringológica pode ser útil, especialmente para investigação de massas na língua ou faringe, que podem causar NG secundária. A realização de exames de imagem é indicada para todos os casos, preferencialmente ressonância magnética (RM) com contraste do encéfalo e tecidos moles do pescoço, com o objetivo de identificar compressões vasculares ou causas estruturais. A tomografia computadorizada (TC) pode ser indicada quando há suspeita de alterações ósseas, como o processo estilóide alongado, característico da síndrome de Eagle.
Avaliação cardiovascular
Em pacientes com sintomas cardiovasculares associados, como síncope, palpitações ou sensação de desmaio, é recomendada a avaliação cardiovascular, incluindo monitorização eletrocardiográfica ambulatorial. Essa investigação visa detectar possíveis alterações, como bradicardia, assistolia ou arritmias, que podem ocorrer devido à estimulação reflexa do nervo vago associada à neuralgia glossofaríngea.
Tratamento da Neuralgia Glossofaríngea
O manejo da NG envolve farmacoterapia inicial e procedimentos intervencionistas para casos refratários, seguindo abordagem semelhante à da neuralgia do trigêmeo.
Farmacoterapia
Recomenda-se iniciar com carbamazepina ou oxcarbazepina, com eficácia para cerca de 20-30% dos pacientes:
- Carbamazepina: inicia-se com 100-200 mg duas vezes ao dia, aumentando conforme tolerância até dose de manutenção de 600-800 mg/dia, podendo chegar a 1200 mg/dia.
- Oxcarbazepina: começa-se com 600 mg/dia em duas doses, aumentando 300 mg a cada três dias até 1200-1800 mg/dia.
Se não houver resposta, pode-se tentar gabapentina ou outros fármacos como pregabalina, fenitoína, lamotrigina, levetiracetam e cetamina.
Terapias parenterais, como bloqueio do nervo glossofaríngeo com anestésico e corticoide ou uso de fosfenitoína intravenosa, podem ser empregadas como alívio temporário.
Cirurgia e procedimentos para casos refratários
Indica-se encaminhamento cirúrgico após falha de pelo menos dois medicamentos.
- Descompressão microvascular (DMV): indicada quando há compressão neurovascular. Proporciona alívio imediato em até 100% dos casos, com taxa de manutenção de 95% após 10 anos, embora possa ocorrer recorrência em até 30% em cinco anos. Complicações incluem disfagia, rouquidão e, raramente, déficits permanentes.
- Rizotomia do nervo glossofaríngeo: realizada com ou sem secção dos ramos vagais. Proporciona alívio imediato em 79-100% dos casos, mas há risco de complicações como disfagia e alterações sensoriais. Pode ser feita por termocoagulação percutânea, técnica mais difícil e arriscada.
- Radiocirurgia estereotáxica (SRS): opção para quem não pode ou não deseja cirurgia aberta. Alívio inicia-se entre 2-11 semanas após o procedimento, com baixa taxa de complicações, porém maior risco de recorrência.
Manejo de pacientes com síncope
Deve-se encaminhar para avaliação cardiológica. Alguns casos podem necessitar de implante de marcapasso, mas o tratamento eficaz da dor pode também resolver os episódios de síncope.
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Referências
Carrie Elizabeth Robertson, MD. Glossopharyngeal neuralgia. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate
Shah RJ, Padalia D. Glossopharyngeal Neuralgia. [Updated 2023 Apr 27]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK541041/