E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Gitelman, uma tubulopatia renal hereditária que afeta o equilíbrio eletrolítico, causando perda de magnésio, potássio e sódio pela urina.
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Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Gitelman
A síndrome de Gitelman (GS, do inglês Gitelman syndrome) é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada por um distúrbio na reabsorção de sódio e cloreto no túbulo contornado distal (DCT) dos néfrons renais.
O defeito clássico da síndrome é causado por variantes patogênicas bialélicas no gene SLC12A3, que codifica o cotransportador de sódio e cloreto (NCC) localizado na membrana apical das células do DCT. A disfunção desse transportador resulta em perdas urinárias anormais de sódio, cloreto, potássio e magnésio, além de hipocalciúria.
Além das alterações no SLC12A3, outras variantes genéticas podem causar síndromes que se assemelham clínica e laboratorialmente à síndrome de Gitelman. Entre elas, destacam-se mutações nos genes KCNJ10 (que codifica o canal de potássio glial Kir4.1 e está associado à síndrome EAST/SESAME), CLCNKB (que codifica o canal de cloro ClC-Kb presente tanto no DCT quanto na alça de Henle espessa — TAL), RRAGD (que codifica a pequena GTPase RagD) e nos genes mitocondriais MT-TI e MT-TF (que codificam RNAs de transferência para isoleucina e fenilalanina).
Características clínicas da Síndrome de Gitelman
A síndrome de Gitelman (GS) é um distúrbio autossômico recessivo que, na maioria dos casos, se manifesta na adolescência ou na vida adulta. Clinicamente, é caracterizada por hipocalemia, alcalose metabólica, hipomagnesemia, hipocalciúria e pressão arterial normal ou discretamente reduzida, acompanhadas de níveis elevados de renina e aldosterona.
Os sinais e sintomas mais comuns incluem fraqueza muscular e cãibras, especialmente após exercício físico, o que pode limitar o desempenho esportivo, além de fadiga, desejo intenso por sal, sede aumentada e polidipsia.
Em casos menos frequentes, a síndrome pode se manifestar em crianças pequenas, inclusive neonatos, apresentando, além dos achados habituais, falha de crescimento, baixa estatura e atraso puberal.
Alguns pacientes também relatam palpitações, atribuídas à prolongação do intervalo QT devido aos baixos níveis séricos de potássio e magnésio. Além disso, indivíduos assintomáticos podem ser diagnosticados incidentalmente durante exames laboratoriais que detectam hipocalemia e alcalose metabólica.
Do ponto de vista laboratorial, observa-se hipocalemia crônica (<3,5 mEq/L) com alcalose metabólica e perda urinária inadequada de potássio, evidenciada por uma razão potássio-creatinina superior a 13 mEq/g.
Há ainda elevação dos níveis de renina e aldosterona em resposta à perda de volume extracelular, embora a pressão arterial permaneça baixa ou normal. Outras alterações incluem alta excreção urinária de cloreto (fração de excreção >0,5%), hipomagnesemia (<1,70 mg/dL) com perda urinária de magnésio (fração de excreção >4%) e hipocalciúria, com uma baixa razão cálcio-creatinina (<0,05 mg/mg).
Diagnóstico de Síndrome de Gitelman
O diagnóstico da síndrome de Gitelman deve ser considerado em pacientes que apresentam hipocalemia persistente, alcalose metabólica e pressão arterial normal ou baixa.
Assim como na síndrome de Bartter, é fundamental, inicialmente, excluir causas secundárias mais comuns desses achados, como vômitos ocultos, abuso de diuréticos ou laxantes, e algumas doenças autoimunes ou adquiridas.
A história clínica deve ser bastante detalhada, abordando questões como distúrbios alimentares, uso de medicamentos, histórico de vômitos, alterações urinárias e hábitos alimentares.
O exame físico também pode revelar sinais indiretos dessas condições, como alterações dentárias, hipotensão ortostática e, em alguns casos, sinais de hipomagnesemia, como tremores ou câimbras.
Após essa etapa, a análise laboratorial é essencial. O exame de urina, especialmente a medição do cloro urinário, tem papel importante: na síndrome de Gitelman, o cloro urinário geralmente permanece elevado (>20 mEq/L), mesmo em situações de contração do volume extracelular.
Esse achado ajuda a diferenciar a síndrome de Gitelman de outras causas, como vômito crônico, onde o cloro urinário tende a ser baixo. Além disso, é recomendada a avaliação da excreção urinária de cálcio e magnésio.
Na síndrome de Gitelman, há uma característica hipocalciúria (redução da excreção urinária de cálcio) e perda renal de magnésio, frequentemente associada à hipomagnesemia no sangue.
Uma etapa fundamental no diagnóstico definitivo da síndrome de Gitelman é a confirmação por meio de teste genético. A doença é causada por mutações no gene SLC12A3, que codifica o cotransportador de sódio e cloro do túbulo contornado distal.
A identificação de mutações patogênicas nesse gene confirma o diagnóstico. Apesar disso, em até 15% a 20% dos casos, apenas uma mutação pode ser detectada com as técnicas convencionais, o que pode exigir análises mais aprofundadas para identificar mutações ocultas, como rearranjos genéticos ou variantes em regiões regulatórias.
Diferenciar a síndrome de Gitelman da síndrome de Bartter tipo 3 pode ser um desafio apenas com dados clínicos e laboratoriais, já que ambas se manifestam em adolescentes ou adultos jovens.
Contudo, a presença de hipocalciúria e hipomagnesemia é muito mais característica da síndrome de Gitelman. Além disso, a resposta ao uso de diuréticos e o estudo de transportadores urinários (como a avaliação de exossomos) têm sido estudados como métodos auxiliares para essa distinção, mas o teste genético se mantém como o padrão ouro.
Manejo da Síndrome de Gitelman
O manejo da síndrome de Gitelman é baseado na correção dos distúrbios eletrolíticos e na reposição do volume extracelular, já que o defeito tubular subjacente, uma mutação no cotransportador de sódio e cloro do túbulo distal, não pode ser corrigido. Assim como na síndrome de Bartter, o tratamento é essencialmente sintomático e deve ser mantido de forma contínua ao longo da vida do paciente.
A primeira linha de tratamento consiste na reposição oral de eletrólitos, principalmente cloreto de sódio, cloreto de potássio e sais de magnésio. A ingestão generosa de sal é estimulada para restaurar o volume extracelular e reduzir a secreção de renina e aldosterona, que são exacerbadas pela perda de sódio.
A suplementação de potássio é quase sempre necessária para corrigir a hipocalemia, enquanto a suplementação de magnésio é de importância crítica, pois a hipomagnesemia é frequente e pode agravar a perda renal de potássio. Entretanto, a suplementação de magnésio apresenta um desafio: as doses eficazes frequentemente causam efeitos gastrointestinais, como diarreia, dificultando a adesão ao tratamento.
Quando a correção eletrolítica com suplementos não é suficiente para normalizar os níveis séricos, o uso de diuréticos poupadores de potássio, como espironolactona, eplerenona ou amilorida, é indicado. Esses medicamentos atuam inibindo a reabsorção de sódio no túbulo distal, reduzindo a perda de potássio e magnésio.
A espironolactona pode ser iniciada com 100 mg ao dia, com ajustes progressivos se necessário; a eplerenona e o amilorida possuem esquemas de dosagem semelhantes, sendo alternativas particularmente úteis para pacientes que não toleram os efeitos endócrinos da espironolactona.
Em casos mais refratários, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como a indometacina, podem ser utilizados para reduzir a produção de prostaglandinas, que, em algumas variantes, contribuem para a perda de sódio e potássio. No entanto, os AINEs são usados com cautela devido ao risco de efeitos colaterais, como insuficiência renal e toxicidade gastrointestinal.
Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), como o enalapril, também podem ser considerados em situações específicas para reduzir a perda renal de potássio, mas devem ser usados com cautela, pois podem provocar hipotensão em pacientes que já possuem pressão arterial normal ou baixa.
O acompanhamento clínico periódico é essencial para o ajuste da terapia, monitoramento dos níveis de potássio e magnésio, função renal e avaliação da pressão arterial. Uma vez estabilizado, o paciente pode ser acompanhado a cada três ou quatro meses.
O tratamento visa não apenas a normalização dos exames laboratoriais, mas também a melhora dos sintomas, como fraqueza muscular, câimbras e fadiga, que são comuns em pacientes com síndrome de Gitelman.
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Referências
David H. Ellison, MD, FASN, FAHAMichael Emmett, MD. Bartter and Gitelman syndromes in adults: Diagnosis and management. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Martin Konrad, MD. Bartter and Gitelman syndromes in children: Clinical manifestations, diagnosis, and management. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate