E aí, doc! Vamos embarcar em mais um tema importante? Hoje o destaque vai para a Síndrome de Bartter, uma condição rara que afeta a função dos rins, levando à perda de eletrólitos e causando sintomas como fraqueza muscular, câimbras e atraso no crescimento.
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Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Bartter
A síndrome de Bartter (SB) é um conjunto de distúrbios hereditários causados por mutações genéticas que comprometem a reabsorção de cloreto de sódio (NaCl) na alça espessa ascendente do ramo de Henle, tanto na porção cortical quanto na medular.
Essa região do néfron é fundamental para a reabsorção de sódio, potássio e cloreto, processos essenciais para a manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico e do volume plasmático. As proteínas envolvidas nesse transporte são afetadas por variantes patogênicas nos genes correspondentes, o que resulta em perda de sal urinário superior ao necessário para a homeostase.
Como consequência desse defeito de reabsorção tubular, há perda renal crônica de sal, levando a hipocalemia, alcalose metabólica, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e, frequentemente, hipercalciúria.
A síndrome de Bartter faz parte do grupo das tubulopatias perdedoras de sal, que são caracterizadas por uma disfunção dos túbulos renais com prejuízo na reabsorção de solutos.
Além da síndrome de Bartter, outro exemplo de tubulopatia hereditária perdedora de sal é a síndrome de Gitelman, que, embora compartilhe algumas semelhanças fisiopatológicas, envolve alterações distintas no néfron.
Classificação genética
A classificação genética da síndrome de Bartter (SB) baseia-se na identificação dos genes responsáveis pelas alterações na reabsorção de cloreto de sódio (NaCl) na alça espessa ascendente do ramo de Henle.
Com o avanço do conhecimento genético, a SB passou a ser subdividida em diferentes tipos, cada um associado a uma mutação específica que afeta proteínas envolvidas no transporte de eletrólitos:
- BS tipo 1: causada por mutações no gene SLC12A1, que codifica o cotransportador Na-K-2Cl (NKCC2). A disfunção do NKCC2 compromete a reabsorção de sódio, potássio e cloro, em um mecanismo semelhante ao efeito dos diuréticos de alça.
- BS tipo 2: decorrente de mutações no gene KCNJ1, responsável pela síntese do canal de potássio ROMK (KCNJ1). A falha nesse canal reduz a reciclagem de potássio no lúmen tubular, prejudicando a atividade do NKCC2.
- BS tipo 3: causada por mutações no gene CLCNKB, que codifica o canal de cloro ClC-Kb. Esse canal também atua no túbulo contornado distal, o que explica a sobreposição de características clínicas entre a SB tipo 3 e a síndrome de Gitelman.
- BS tipo 4a: resultante de mutações no gene BSND, que codifica a proteína barttin, necessária para o funcionamento adequado dos canais ClC-Ka e ClC-Kb. Essa forma é tipicamente severa e está associada à surdez neurossensorial.
- BS tipo 4b: causada por mutações combinadas nos genes CLCNKA e CLCNKB, que afetam os canais ClC-Ka e ClC-Kb simultaneamente.
- BS tipo 5: associada a mutações no gene MAGED2, que compromete o transporte de proteínas como NKCC2 e NCC para a membrana apical das células do néfron. Essa forma se manifesta como uma síndrome grave no período antenatal, mas tende a se resolver espontaneamente após o nascimento, geralmente dentro de dois anos.
Manifestações clínicas da Síndrome de Bartter
A síndrome de Bartter (SB) é um conjunto de distúrbios hereditários caracterizados pela perda de sal devido à reabsorção prejudicada de cloreto de sódio (NaCl) na alça espessa ascendente de Henle.
Clinicamente, a condição se manifesta por alcalose metabólica hipocalêmica, níveis elevados de renina e aldosterona, mas com pressão arterial normal ou baixa.
- Durante a gestação: polidrâmnio (acúmulo excessivo de líquido amniótico) geralmente aparece entre 22 e 25 semanas, variando em gravidade conforme o tipo de SB. Tipos 4 e 5 apresentam polidrâmnio mais precoce e severo.
- Período neonatal: recém-nascidos (exceto no tipo 3) frequentemente nascem prematuros (29–33 semanas) e apresentam poliúria intensa desde o primeiro dia de vida, perda rápida de peso e sinais de hipovolemia. No tipo 4, associa-se também à perda auditiva neurossensorial.
- Infância: crianças com SB tipo 3 geralmente se apresentam após o primeiro ano de vida com sinais de poliúria, polidipsia e falha no crescimento. Outros sintomas podem incluir sede persistente, desejo por sal, constipação, febre inexplicada e hipotonia.
- Adolescência: a apresentação inicial nessa faixa etária é rara, mas pode ocorrer, especialmente no tipo 3. Sintomas semelhantes aos da síndrome de Gitelman podem ser observados, como fraqueza muscular, fadiga, cãibras, sede excessiva e atraso puberal. Há relatos raros de apresentação com nefrocalcinose isolada e elevação do hormônio paratireoideano.
- Casos assintomáticos: são incomuns e geralmente descobertos incidentalmente por alterações laboratoriais (hipocalemia e alcalose metabólica) ou após investigação familiar.
Principais achados laboratoriais
- Alcalose metabólica hipoclorêmica e hipocalemia são típicas, embora neonatos com SB tipo 2 possam apresentar acidose transitória e hipercalemia inicial.
- Níveis elevados de renina e aldosterona, sem hipertensão, devido à hipovolemia crônica.
- Osmolalidade urinária baixa, refletindo incapacidade de concentração urinária adequada.
- Excreção de cálcio urinário variável, com hipercalciúria nos tipos 1 e 2 e normocalciúria ou, ocasionalmente, hipocalciúria nos tipos 3 e 4.
Diagnóstico de Síndrome de Bartter
O diagnóstico da síndrome de Bartter começa pela suspeita clínica em pacientes que apresentam hipocalemia inexplicada associada a alcalose metabólica e pressão arterial normal ou baixa.
Diante desse quadro, é fundamental considerar a síndrome de Bartter como possibilidade, mas sempre excluindo causas mais comuns desses achados, como vômitos frequentes (inclusive ocultos) e o uso clandestino de diuréticos ou laxantes.
A história clínica detalhada é essencial, abordando o uso de medicamentos, distúrbios alimentares, episódios de vômitos, diarreias, hábitos alimentares e comportamentais, como desejo excessivo por sal.
O exame físico minucioso deve buscar sinais sugestivos de vômitos crônicos, como hipertrofia de glândulas salivares, erosões dentárias, ausência de reflexo nauseoso e lesões no dorso das mãos.
Outros achados, como hipotensão ortostática e baixa estatura, também podem orientar o diagnóstico. Paralelamente, realiza-se a análise laboratorial, com destaque para a dosagem do cloro na urina.
Pacientes com síndrome de Bartter apresentam cloro urinário persistentemente elevado, geralmente acima de 20 mEq/L, o que os diferencia de indivíduos com vômito crônico, onde o cloro urinário se mantém baixo (<20 mEq/L). Como o abuso de diuréticos pode causar resultados oscilantes, recomenda-se realizar múltiplas coletas em momentos distintos.
É necessário também afastar outras doenças genéticas e condições adquiridas que mimetizam a síndrome de Bartter. Entre elas estão a diarreia congênita de cloro, mutações em proteínas de junção como a claudina 10, fibrose cística, doenças autoimunes como a síndrome de Sjögren, além de nefropatias induzidas por medicamentos, especialmente aminoglicosídeos e agentes quimioterápicos como a cisplatina.
Na investigação complementar, exames de urina podem ajudar a distinguir entre Bartter tipo 3 e síndrome de Gitelman. A excreção de cálcio na urina é elevada ou normal no Bartter tipo 3, enquanto é reduzida na síndrome de Gitelman.
A presença de hipomagnesemia e perda renal de magnésio também sugere Gitelman. Apesar disso, devido à variabilidade fisiológica dos parâmetros urinários, essa diferenciação nem sempre é definitiva apenas com exames laboratoriais.
A confirmação diagnóstica da síndrome de Bartter é feita idealmente através de teste genético, que identifica mutações em genes associados às diferentes variantes da doença. Com o avanço das técnicas de sequenciamento genético, tornou-se possível confirmar o diagnóstico de maneira mais precisa e rápida.
A realização do teste genético é particularmente indicada após exclusão de causas secundárias e quando o quadro clínico e laboratorial permanece sugestivo. Essa abordagem não apenas confirma o diagnóstico, como também permite a diferenciação entre os subtipos de Bartter e entre Bartter e Gitelman.
Manejo da Síndrome de Bartter
Como a alteração primária do transporte tubular renal não pode ser corrigida, o tratamento é sintomático e deve ser mantido por toda a vida do paciente. A exceção é o transplante renal, que corrige o defeito tubular, mas só é considerado em casos de insuficiência renal avançada, o que é raro nesses pacientes.
A base do tratamento é a reposição de eletrólitos. A administração de doses generosas de cloreto de sódio e cloreto de potássio é fundamental. O sódio ajuda a restaurar o volume extracelular, enquanto o potássio corrige a hipocalemia.
Em pacientes que também apresentam hipomagnesemia, comum especialmente na síndrome de Gitelman, a suplementação com sais de magnésio é necessária, uma vez que o déficit de magnésio agrava a perda renal de potássio. Contudo, a suplementação de magnésio pode ser desafiadora, pois grandes doses costumam provocar diarreia, dificultando a adesão ao tratamento.
Nos casos em que a reposição isolada de eletrólitos é insuficiente para corrigir as alterações, o uso de diuréticos poupadores de potássio é indicado. Medicamentos como a espironolactona, e eplerenona ou amilorida ajudam a reduzir a perda renal de potássio e, em menor grau, de magnésio.
Esses medicamentos atuam bloqueando a troca de sódio por potássio no túbulo distal do néfron. A espironolactona pode ser iniciada em doses de 100 mg ao dia, podendo ser ajustada conforme a necessidade clínica, enquanto a eplerenona e o amilorida também possuem esquemas de titulação específicos.
Em casos mais refratários, o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como a indometacina, pode ser considerado. A ação dos AINEs se justifica porque pacientes com formas mais precoces de Bartter apresentam produção elevada de prostaglandinas renais, que contribuem para a perda de sal e potássio.
No entanto, em Bartter tipo 3, a elevação de prostaglandinas é discreta, e o benefício dos AINEs é mais modesto. Além disso, o uso prolongado desses medicamentos é limitado pelos riscos de toxicidade gastrointestinal e redução da função renal.
Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), como captopril ou enalapril, também podem ser utilizados como recurso adicional em casos difíceis, ajudando a reduzir a secreção de aldosterona e, consequentemente, a perda de potássio.
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Referências
David H. Ellison, MD, FASN, FAHAMichael Emmett, MD. Bartter and Gitelman syndromes in adults: Diagnosis and management. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Martin Konrad, MD. Bartter and Gitelman syndromes in children: Clinical manifestations, diagnosis, and management. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate