E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é o Transtorno de Acumulação, uma condição caracterizada pela dificuldade persistente de descartar ou se desfazer de objetos, independentemente de seu valor real.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprimorar seus conhecimentos, garantindo uma prática clínica cada vez mais eficaz.
Vamos nessa!
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Definição de Transtorno de Acumulação
O transtorno de acumulação é caracterizado por uma dificuldade persistente em descartar ou se desfazer de objetos, independentemente de seu valor real, devido a um forte apego emocional ou à necessidade percebida de manter esses itens.
Essa dificuldade resulta em um acúmulo desorganizado de posses, que frequentemente congestionam espaços residenciais e comprometem a funcionalidade desses ambientes, interferindo na qualidade de vida do indivíduo.
Pessoas com transtorno de acumulação experimentam sofrimento significativo ao considerar o descarte de objetos, o que pode gerar isolamento social, vergonha e dificuldades nas relações interpessoais.
Os itens acumulados podem variar desde roupas, papéis e embalagens até animais, e esse comportamento pode acarretar riscos à saúde e à segurança, como condições de higiene precárias, infestação de pragas, risco de quedas e acidentes graves, além de prejuízos emocionais e financeiros.
Classificado como uma condição distinta no DSM-5-TR e na CID-11, o transtorno de acumulação não pode ser explicado por outros transtornos psiquiátricos ou condições médicas.
Epidemiologia do Transtorno de Acumulação
O transtorno de acumulação apresenta prevalência estimada entre 2% e 6% em estudos comunitários nos Estados Unidos e Europa, com uma meta-análise apontando 2,5% em adultos. Em adolescentes, a prevalência é cerca de 2%, enquanto estudos com critérios rigorosos, como no Reino Unido, identificaram 1,5%.
Os sintomas começam, em média, aos 16,7 anos, mas o transtorno é mais frequente em adultos mais velhos. Homens apresentam maior prevalência em estudos populacionais, enquanto mulheres predominam em amostras clínicas. Indivíduos com o transtorno são mais frequentemente solteiros, separados ou desempregados.
Dados de países não ocidentais são limitados, mas características semelhantes foram observadas em estudos no Reino Unido, Espanha, Japão e Brasil. As comorbidades incluem transtorno de ansiedade generalizada (31–37%), depressão maior (26–31%), transtorno obsessivo-compulsivo (15–20%), pânico (17%), ansiedade social (14%) e estresse pós-traumático (14%). Sintomas de déficit de atenção/hiperatividade, especialmente desatenção, também são comuns, sendo as comorbidades muitas vezes o principal motivo de busca por atendimento.
Patogênese do Transtorno de Acumulação
A patogênese do transtorno de acumulação envolve fatores genéticos, ambientais e neurobiológicos que interagem de maneira complexa para contribuir ao desenvolvimento da condição. Embora ainda existam lacunas significativas no entendimento desses mecanismos, estudos apontam alguns caminhos importantes.
Fatores genéticos e ambientais
Evidências sugerem que a acumulação tem um componente hereditário. Estudos com gêmeos indicam que entre 36% e 50% da variância do transtorno pode ser atribuída a fatores genéticos aditivos, enquanto o restante é influenciado por fatores ambientais únicos e erros de medição.
No entanto, genes específicos ainda não foram identificados, e as pesquisas genômicas realizadas até o momento confirmaram a herdabilidade, mas não encontraram associações claras com polimorfismos de nucleotídeo único.
Fatores ambientais, como eventos traumáticos, também têm sido investigados. Contudo, o papel dessas experiências na origem ou agravamento do transtorno permanece incerto devido às limitações das amostras e dos métodos de auto-relato. Além disso, hipóteses que associam privação material à acumulação não encontram suporte consistente na literatura.
Neurobiologia
Os estudos neurobiológicos sugerem que o transtorno de acumulação está relacionado a disfunções em regiões específicas do cérebro. Pacientes apresentam possíveis deficiências em funções como memória visoespacial, atenção sustentada, planejamento e inibição de respostas. Essas alterações têm sido associadas ao córtex pré-frontal ventromedial, cingulado anterior e regiões límbicas subcorticais, como a amígdala e o hipocampo.
Pesquisas com neuroimagem reforçam a ideia de que essas áreas cerebrais desempenham um papel crucial. Lesões ou disfunções nessas regiões podem prejudicar a capacidade de suprimir impulsos de aquisição e coleta de objetos, resultando em comportamentos desregulados de acumulação.
Além disso, diferenças na conectividade cerebral entre o transtorno de acumulação e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) corroboram a classificação do transtorno de acumulação como uma condição psiquiátrica distinta.
Interação entre fatores
A interação entre predisposições genéticas e fatores ambientais, combinada com alterações neurobiológicas, parece ser fundamental para a patogênese do transtorno de acumulação.
Estudos futuros deverão explorar com mais profundidade como esses elementos se combinam e influenciam o risco, particularmente em relação a comorbidades psiquiátricas como TOC, transtornos de humor e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
Esses achados sublinham a necessidade de abordagens multidisciplinares para compreender melhor o transtorno de acumulação, facilitando avanços na identificação precoce e nas intervenções terapêuticas.
Critérios diagnósticos de Transtorno de Acumulação
O transtorno de acumulação (300.3, F42) é um distúrbio psiquiátrico caracterizado por dificuldades persistentes de descartar ou se desfazer de pertences, mesmo quando esses itens têm pouco ou nenhum valor real. Os critérios diagnósticos e as características essenciais são descritos abaixo:
- Critério A: Dificuldade persistente de descartar pertences O indivíduo apresenta uma dificuldade duradoura para se desfazer de itens, independentemente de seu valor real. A dificuldade é contínua, ao contrário de situações temporárias, como herdamento de objetos.
- Critério B: Necessidade percebida de guardar itens Essa dificuldade de descartar os objetos é motivada por uma necessidade percebida de manter esses itens. O indivíduo experimenta sofrimento significativo ao tentar se desfazer de qualquer coisa, seja para jogar fora, vender, doar ou reciclar. O apego ao item pode ser baseado em um valor emocional, estético ou de utilidade percebida.
- Critério C: Obstrução das áreas em uso A acumulação excessiva de itens acaba obstruindo áreas essenciais da vida cotidiana, como cozinhas, banheiros ou salas, a ponto de impedir o uso adequado desses espaços. Em alguns casos, a obstrução é evitada por intervenções externas, como de familiares ou funcionários de limpeza, mas os itens continuam presentes e podem se espalhar para outras áreas da vida da pessoa (como veículos ou ambiente de trabalho).
- Critério D: Sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento O transtorno causa sofrimento ou prejuízo substancial no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, incluindo a segurança de seu ambiente. No entanto, algumas pessoas podem não perceber que têm problemas, especialmente se houver insight pobre.
- Critério E: Exclusão de outras condições médicas A acumulação não deve ser causada por outra condição médica, como lesões cerebrais ou síndromes genéticas (por exemplo, síndrome de Prader-Willi).
- Critério F: Exclusão de outros transtornos mentais A acumulação não deve ser explicada por outros transtornos psiquiátricos, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtornos psicóticos ou déficits cognitivos, para garantir que o transtorno de acumulação seja diagnosticado de maneira apropriada.
Características Diagnósticas
- Aquisição Excessiva (Especificação) A dificuldade de descartar objetos pode ser acompanhada pela aquisição excessiva de itens desnecessários, para os quais não há espaço disponível ou utilidade imediata. Essa aquisição pode ser impulsiva e descontrolada.
- Insight (Especificação) O transtorno pode ser acompanhado por diferentes níveis de insight:
- Com insight bom ou razoável: O indivíduo reconhece que seu comportamento de acumulação é problemático.
- Com insight pobre: A pessoa não reconhece que a acumulação e a dificuldade de descartar são prejudiciais.
- Com insight ausente/crenças delirantes: O indivíduo está convencido de que seu comportamento não é problemático, mesmo diante de evidências contrárias.
Características Essenciais
A característica central do transtorno de acumulação é a dificuldade persistente de descartar objetos, que resulta em uma acumulação excessiva. Essa acumulação é acompanhada por um sofrimento significativo ao tentar se desfazer dos itens, seja por medo de perder algo importante ou por apego sentimental.
O transtorno de acumulação é distinto do comportamento normal de colecionar, pois este último é organizado e não interfere no funcionamento do indivíduo ou nos ambientes em que ele vive. Já no transtorno de acumulação, a quantidade de objetos e a desorganização podem causar grandes dificuldades para o indivíduo em realizar atividades cotidianas e interagir com os outros.
A acumulação pode incluir itens aparentemente sem valor, como papéis, roupas velhas e objetos do dia a dia, mas também pode envolver itens valiosos misturados de maneira desorganizada com outros de menor valor. As consequências incluem a obstrução de áreas essenciais da casa e, muitas vezes, um impacto significativo nas relações sociais e familiares, já que as tentativas de intervenção, como limpeza ou descarte, são acompanhadas por grande sofrimento por parte do indivíduo.
Esse transtorno pode levar a um grande estigma social e desconforto psicológico, já que as pessoas ao redor percebem o comportamento como problemático, mas o indivíduo afetado pode não reconhecer o impacto do seu comportamento em sua vida cotidiana.
Tratamento do Transtorno de Acumulação
O tratamento do transtorno de acumulação requer uma abordagem multifacetada que inclui intervenções psicoterapêuticas, medicamentosa e apoio social.
Tratamento psicoterapêutico
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é considerada a mais eficaz para tratar o transtorno de acumulação. Ela visa mudar padrões de pensamento disfuncionais, que fazem com que o paciente dê valor excessivo a objetos e tenha dificuldade em descartá-los. O tratamento envolve:
- Treinamento em habilidades de organização: Ensinar estratégias para categorizar e organizar objetos.
- Exposição e prevenção de resposta (EPR): Gradualmente, o paciente é exposto à situação de descarte de objetos, aprendendo a lidar com a ansiedade sem recorrer à acumulação.
- Técnicas cognitivas: Ajudar o paciente a questionar suas crenças sobre o valor dos objetos e a necessidade de acumulá-los.
Tratamento medicamentoso
Embora a TCC seja o tratamento principal, alguns medicamentos podem ser usados para tratar sintomas relacionados, especialmente quando há comorbidades. Antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), são frequentemente utilizados para ajudar a controlar os sintomas. Medicamentos como a fluoxetina têm mostrado algum efeito na redução do acúmulo excessivo e nos pensamentos intrusivos que caracterizam o transtorno.
Apoio social e familiar
É crucial envolver a família no tratamento, ajudando-os a compreender o transtorno e a apoiar o paciente durante a terapia. Isso pode incluir a participação em sessões familiares ou orientações para lidar com situações desafiadoras em casa. Grupos de apoio também são úteis, pois proporcionam um ambiente em que os pacientes podem compartilhar suas experiências e aprender com os outros.
Avaliação de segurança
Em casos de acumulação extrema, pode ser necessário avaliar a segurança do ambiente, considerando o risco de incêndios, quedas e outros perigos associados à superlotação de objetos. Às vezes, serviços de proteção à criança ou adulto são envolvidos para garantir a segurança do paciente.
Acompanhamento contínuo
O transtorno de acumulação é crônico, e o tratamento geralmente requer acompanhamento a longo prazo. Após a fase inicial de tratamento, podem ser necessárias sessões periódicas de manutenção para evitar recaídas e reforçar os progressos feitos.
O tratamento ideal depende das necessidades individuais de cada paciente, levando em consideração a gravidade do transtorno, as comorbidades psiquiátricas presentes e o suporte social disponível.
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Referências
STUMPF, Bárbara Perdigão; HARAB, Cláudia; ROCHA, Fábio Lopes. Transtorno de acumulação: uma revisão. Geriatrics, Gerontology & Aging, v. 12, n. 1, p. 54-64, 2018.
American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014
David Mataix-Cols, PhDLorena Fernández de la Cruz, PhDPino Alonso, MD, PhD. Hoarding disorder in adults: Treatment. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
David Mataix-Cols, PhDLorena Fernández de la Cruz, PhD. Hoarding disorder in adults: Epidemiology, clinical features, assessment, and diagnosis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate