Olá, querido doutor e doutora! A fibrilação atrial representa a arritmia sustentada mais comum na prática clínica, associada a aumento expressivo do risco de acidente vascular cerebral (AVC) e mortalidade cardiovascular. A introdução do CHA₂DS₂-VA, nas Diretrizes ESC 2024 e na Diretriz Brasileira de Fibrilação Atrial 2025, trouxe uma forma mais precisa e equitativa de estimar o risco tromboembólico, ao eliminar o critério de sexo feminino e manter apenas variáveis clinicamente relevantes.
Estima-se que o uso sistemático do CHA₂DS₂-VA possa reduzir até um terço dos casos de anticoagulação desnecessária em mulheres de baixo risco.
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O que é CHA₂DS₂-VA
O CHA₂DS₂-VA é um sistema de estratificação de risco tromboembólico aplicado a pacientes com fibrilação atrial (FA), proposto pela European Society of Cardiology (ESC) nas diretrizes de 2024. Ele foi desenvolvido como uma versão atualizada do CHA₂DS₂-VASc, com a retirada do critério de sexo feminino, após evidências demonstrarem que o gênero por si só não representa risco independente para acidente vascular cerebral.
Fisiopatologia da fibrilação atrial
A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada por atividade elétrica desorganizada dos átrios, resultando em contrações ineficazes e fluxo sanguíneo turbulento. Essa desorganização elétrica é sustentada por múltiplos circuitos de reentrada e alterações estruturais do miocárdio atrial, como fibrose, inflamação e remodelamento elétrico, frequentemente desencadeadas por hipertensão, envelhecimento, cardiopatias e disfunções valvares.
O impacto fisiopatológico mais relevante da FA é a estase sanguínea no átrio esquerdo, especialmente na aurícula esquerda, onde a ausência de contração efetiva favorece a formação de trombos intracavitários. Além disso, a arritmia promove disfunção endotelial e ativação da cascata inflamatória, aumentando a expressão de moléculas pró-coagulantes, como fator tecidual e trombina. Esses mecanismos combinados compõem a chamada “tríade de Virchow” — estase, lesão endotelial e estado de hipercoagulabilidade — base fisiopatológica do tromboembolismo associado à FA.
Os fatores incluídos no CHA₂DS₂-VA refletem diretamente os componentes dessa tríade: hipertensão e diabetes contribuem para a disfunção endotelial; idade avançada e insuficiência cardíaca amplificam a estase atrial; e doença vascular pré-existente representa um terreno pró-trombótico sistêmico. Assim, cada variável do escore não é apenas um marcador clínico, mas também um representante fisiopatológico do risco de trombose.
Evolução histórica e justificativa da mudança
O escore CHA₂DS₂-VASc, introduzido em 2010, consolidou-se como o padrão para estratificação de risco tromboembólico em pacientes com fibrilação atrial. No entanto, estudos de coorte e análises populacionais recentes evidenciaram que o sexo feminino não se comporta como fator de risco independente para AVC, mas sim como um modificador dependente da idade e da presença de outras comorbidades.
A partir dessas evidências, a Diretriz ESC 2024 propôs a remoção da variável “sexo feminino”, originando o novo CHA₂DS₂-VA, visando refletir melhor o risco real e eliminar potenciais vieses de gênero. O grande estudo FinACAF (The Lancet Regional Health – Europe, 2024), com mais de 140 mil participantes, mostrou que o risco de AVC entre homens e mulheres tornou-se equivalente nas últimas décadas, principalmente devido ao maior controle de fatores cardiovasculares e uso ampliado de anticoagulação.
Além do ganho em precisão, a alteração também buscou simplificar a aplicação do escore em diferentes contextos, incluindo indivíduos transgêneros, não binários ou sob terapia hormonal, nos quais o marcador “sexo biológico” poderia gerar inconsistências clínicas.
Composição e pontuação do escore
O CHA₂DS₂-VA mantém a estrutura básica do modelo anterior, avaliando fatores clínicos associados ao risco de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) e tromboembolismo sistêmico em pacientes com fibrilação atrial. Cada variável representa uma condição de impacto reconhecido na fisiopatologia tromboembólica e recebe uma pontuação específica conforme a sua magnitude de risco.
Componente | Descrição clínica | Pontuação |
C – Insuficiência cardíaca | Presença de insuficiência cardíaca sintomática (independente da fração de ejeção) ou FEVE ≤ 40%. | 1 |
H – Hipertensão arterial sistêmica | Pressão arterial ≥140/90 mmHg em pelo menos duas medições ou uso de anti-hipertensivo. | 1 |
A₂ – Idade ≥ 75 anos | Idade avançada, refletindo maior risco endotelial e aterotrombótico. | 2 |
D – Diabetes mellitus | Diagnóstico clínico ou uso de medicação antidiabética. | 1 |
S₂ – AVC, AIT ou tromboembolismo prévio | História de evento cerebrovascular isquêmico, AIT ou embolia sistêmica. | 2 |
V – Doença vascular | Doença arterial coronariana, carotídea, periférica ou aórtica complexa documentada. | 1 |
A – Idade entre 65–74 anos | Faixa etária intermediária associada a risco moderado. | 1 |
Pontuação máxima: 9 pontos.
Interpretação:
- 0 ponto: risco baixo — anticoagulação geralmente não indicada.
- 1 ponto: risco intermediário — considerar anticoagulação conforme perfil clínico.
- ≥2 pontos: risco elevado — anticoagulação oral recomendada.
Aplicação clínica e reavaliação periódica
O CHA₂DS₂-VA deve ser aplicado a todos os pacientes com fibrilação atrial, independentemente do tipo (paroxística, persistente, permanente ou secundária). Sua utilização é recomendada no momento do diagnóstico e sempre que houver mudança clínica relevante, pois o risco tromboembólico é dinâmico e cumulativo.
Na prática clínica, o escore permite estratificar de forma rápida e objetiva o risco de AVC isquêmico, orientando a decisão sobre a anticoagulação oral. Ele é especialmente útil na atenção primária, ambulatórios de cardiologia e unidades de emergência, por não depender de exames laboratoriais e se basear em informações clínicas simples.
A reavaliação periódica é fortemente enfatizada pelas Diretrizes ESC 2024 e pela Diretriz Brasileira de Fibrilação Atrial 2025, devendo ser realizada ao menos uma vez ao ano ou sempre que o paciente desenvolver novas comorbidades — como hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca, doença vascular ou envelhecimento progressivo. Esse acompanhamento contínuo é essencial, pois um paciente inicialmente de baixo risco pode passar a ser elegível para anticoagulação com o tempo.
Além da pontuação numérica, a aplicação clínica deve integrar a avaliação do risco de sangramento (HAS-BLED ou ORBIT) e a preferência do paciente, garantindo uma decisão compartilhada e centrada na segurança.
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Referências Bibliográficas
- TEPPO, K. et al. Comparing CHA₂DS₂-VA and CHA₂DS₂-VASc scores for stroke risk stratification in patients with atrial fibrillation: a temporal trends analysis from the retrospective Finnish AntiCoagulation in Atrial Fibrillation (FinACAF) cohort. The Lancet Regional Health – Europe, v. 43, p. 100967, 2024.
- CHAMPSI, A. et al. Gender and contemporary risk of adverse events in atrial fibrillation. European Heart Journal, v. 45, p. 3707–3717, 2024.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA; SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARRITMIAS CARDÍACAS. Diretriz Brasileira de Fibrilação Atrial – 2025. São Paulo: SBC/SOBRAC, 2025.
- HINDRIKS, G. et al. 2024 ESC Guidelines for the Management of Atrial Fibrillation. European Heart Journal, v. 45, n. 36, p. 3314–3392, 2024.