Olá, querido doutor e doutora! O EuroSCORE II consolidou-se como um dos instrumentos mais utilizados na estratificação de risco em cirurgia cardíaca de grande porte, permitindo estimar a probabilidade de mortalidade hospitalar a partir de variáveis clínicas e cirúrgicas objetivas. Desenvolvido por um consórcio internacional, o modelo reflete as transformações da prática cardiovascular contemporânea, caracterizada por pacientes mais idosos e com múltiplas comorbidades.
Mesmo entre pacientes mais idosos e com múltiplas comorbidades, o EuroSCORE II manteve boa calibração, estimando com precisão o risco real de mortalidade hospitalar.
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O que é EuroSCORE II
O EuroSCORE II é um sistema de avaliação de risco desenvolvido para estimar a probabilidade de mortalidade em cirurgias cardíacas. Criado a partir da atualização do modelo original de 1999, o novo escore reflete as mudanças ocorridas na prática cirúrgica contemporânea e no perfil dos pacientes submetidos a esses procedimentos. Seu objetivo é oferecer uma estimativa mais precisa e atualizada do risco operatório, permitindo ao cirurgião e à equipe médica planejar a abordagem de forma mais segura e individualizada.
Contexto histórico e necessidade de atualização
O primeiro EuroSCORE foi desenvolvido em 1999 com base em um grande banco de dados europeu de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca até 1995. Na época, o modelo representou um marco na estratificação de risco, oferecendo uma forma objetiva e padronizada de estimar a mortalidade operatória. Por muitos anos, serviu como referência mundial tanto para a avaliação pré-operatória individual quanto para a comparação de resultados entre serviços cirúrgicos.
Com o passar do tempo, entretanto, os avanços técnicos e o aperfeiçoamento dos cuidados perioperatórios reduziram significativamente as taxas de mortalidade, tornando o modelo original superestimador do risco. Além disso, mudanças no perfil dos pacientes — mais idosos, com múltiplas comorbidades e submetidos a procedimentos combinados — exigiram uma reavaliação da metodologia empregada.
Diante dessa defasagem, a equipe internacional de pesquisadores iniciou, em 2010, a atualização do modelo, resultando no EuroSCORE II, lançado em 2012. O novo escore surgiu com o propósito de recalibrar o sistema às condições contemporâneas da cirurgia cardíaca, incorporando novas variáveis clínicas e aprimorando a sensibilidade estatística para representar com maior fidelidade o risco real de mortalidade.
Cálculo e estrutura do EuroSCORE II
O EuroSCORE II utiliza um modelo matemático baseado em regressão logística para estimar a probabilidade de mortalidade hospitalar após cirurgia cardíaca.
Diferentemente do modelo original, que atribuía pontuações fixas a cada variável, o EuroSCORE II trabalha com coeficientes de ponderação (β) derivados de uma análise estatística que identifica o peso individual de cada fator no risco global.
Esses coeficientes são aplicados em uma fórmula logística, que combina todas as variáveis clínicas e cirúrgicas do paciente, resultando em uma probabilidade percentual de mortalidade operatória. Assim, cada característica — idade, função ventricular, função renal, urgência da cirurgia, entre outras — influencia o risco de maneira quantitativa e proporcional.
Na prática, o cálculo é feito de forma automatizada por calculadoras eletrônicas oficiais, como o site www.euroscore.org, onde o profissional insere as informações clínicas e o sistema fornece o valor estimado de mortalidade hospitalar.
Cada variável (𝑋ᵢ) recebe valor 0 (ausente) ou 1 (presente), e é multiplicada pelo respectivo coeficiente β.
A soma de todos os produtos define o risco individual do paciente.
Variável | Descrição e Codificação | Coeficiente β (peso) |
Idade | Idade ≤ 60 → Xi = 1; a partir de 61 anos, Xi aumenta +1 a cada ano. Ex: 61 = 2, 62 = 3, etc. | 0,0285181 × Xi |
Sexo | Masculino = 0 Feminino = 1 | 0,2196434 |
Diabetes insulinodependente | Não = 0 Sim = 1 | 0,3542749 |
Doença pulmonar crônica | Não = 0 Sim = 1 | 0,1886564 |
Mobilidade reduzida (neurológica/muscular) | Não = 0 Sim = 1 | 0,2407181 |
Função renal (depuração de creatinina) | >85 mL/min = 0 51–85 mL/min = 0,303553 ≤50 mL/min = 0,8592256 Diálise = 0,6421508 | conforme faixa |
Estado crítico pré-operatório | Não = 0 Sim = 1 | 1,086517 |
Classe funcional NYHA | Classe I = 0 II = 0,1070545 III = 0,2958358 IV = 0,5597929 | conforme classe |
Angina CCS classe 4 | Não = 0 Sim = 1 | 0,2226147 |
Arteriopatia extracardíaca | Não = 0 Sim = 1 | 0,5360268 |
Cirurgia cardíaca prévia | Nenhuma = 0 ≥1 cirurgia que abriu pericárdio = 1 | 1,118599 |
Endocardite ativa | Não = 0 Sim = 1 | 0,6194522 |
Fração de ejeção (LVEF) | ≥51% = 0 31–50% = 0,3150652 21–30% = 0,8084096 ≤20% = 0,9346919 | conforme faixa |
Infarto nos últimos 90 dias | Não = 0 Sim = 1 | 0,1528943 |
Pressão sistólica da artéria pulmonar (mmHg) | <31 = 0 31–55 = 0,1788899 ≥56 = 0,3491475 | conforme faixa |
Urgência do procedimento | Eletiva = 0 Urgente = 0,3174673 Emergência = 0,7039121 Salvamento (ressuscitação) = 1,362947 | conforme tipo |
Complexidade do procedimento | Revascularização isolada = 0 Procedimento principal isolado = 0,0062118 Dois grandes procedimentos = 0,5521478 Três ou mais = 0,9724533 | conforme número |
Cirurgia da aorta torácica | Não = 0 Sim = 1 | 0,6527205 |
Interpretação do resultado
O resultado do EuroSCORE II é apresentado como uma probabilidade percentual de mortalidade hospitalar, variando de 0 a 100%. Esse valor representa o risco estimado de um paciente não sobreviver à internação hospitalar após uma cirurgia cardíaca, considerando o conjunto de fatores clínicos, laboratoriais e cirúrgicos incluídos no modelo.
O escore não deve ser interpretado como um número isolado, mas dentro do contexto clínico e funcional do paciente. A análise deve integrar o valor obtido com a experiência da equipe cirúrgica, as condições de infraestrutura do serviço e as preferências do paciente.
De forma prática, a interpretação clínica é a seguinte:
- Risco baixo (< 2%) – Pacientes com bom estado geral, função ventricular preservada e sem comorbidades relevantes. O resultado sugere elevada segurança para o procedimento, com mortalidade esperada inferior a 2%.
- Risco moderado (2% – 5%) – Indica necessidade de avaliação criteriosa e otimização pré-operatória, incluindo controle de glicemia, ajuste de medicações e suporte ventilatório ou renal, quando necessário.
- Risco alto (5% – 10%) – Representa um grupo de pacientes com comorbidades significativas, disfunção ventricular ou cirurgia combinada, demandando planejamento de recursos adicionais, equipe experiente e monitorização intensiva no pós-operatório.
- Risco muito alto (> 10%) – Corresponde a pacientes com estado clínico grave, múltiplos fatores de risco ou cirurgia de urgência/salvamento. Nesses casos, recomenda-se avaliação multiprofissional, discussão franca com o paciente e familiares, e ponderação entre benefício e risco do procedimento.
Vantagens e limitações
Vantagens
- Atualização metodológica: o modelo foi desenvolvido com uma base contemporânea de mais de 22 mil pacientes de 43 países, refletindo melhor o perfil atual dos candidatos à cirurgia cardíaca.
- Melhor calibração: corrige a tendência do EuroSCORE original de superestimar a mortalidade, especialmente em pacientes de baixo risco, tornando as previsões mais compatíveis com a prática clínica moderna.
- Alta capacidade discriminatória: apresenta área sob a curva ROC de 0,81, indicando boa capacidade de diferenciar pacientes com maior e menor probabilidade de óbito.
- Aprimoramento dos fatores de risco: inclui variáveis mais sensíveis, como depuração de creatinina (em vez de creatinina sérica), estado crítico pré-operatório e complexidade do procedimento, aumentando a precisão do cálculo.
- Aplicabilidade global e prática: está disponível em plataformas online e aplicativos móveis, facilitando seu uso à beira do leito e integrando-se a softwares hospitalares.
- Suporte à decisão clínica: auxilia na estratificação de risco, no aconselhamento ao paciente e na avaliação da qualidade cirúrgica, promovendo uma prática médica mais transparente e baseada em evidências.
Limitações
- Dependência de dados de qualidade: resultados imprecisos podem ocorrer se as variáveis forem inseridas de forma incorreta ou incompleta.
- Não considera todas as condições clínicas: fatores raros, como doenças hematológicas, imunossupressão ou condições anatômicas específicas, não estão contemplados no modelo.
- Menor acurácia em populações específicas: o modelo não foi amplamente validado em pacientes acima de 90 anos, em transplantes cardíacos ou em cirurgias pediátricas.
- Risco de uso inadequado: o escore deve complementar e não substituir o julgamento clínico; sua interpretação isolada pode levar a decisões terapêuticas equivocadas.
- Variabilidade institucional: a mortalidade real pode variar conforme a experiência da equipe e os recursos disponíveis, devendo o escore ser ajustado ao desempenho local (RAMR – Risk-Adjusted Mortality Ratio).
- Atualização periódica necessária: como os resultados cirúrgicos continuam a melhorar, o modelo pode, com o tempo, perder calibração, sendo necessário evoluir para novas versões, como o futuro EuroSCORE III.
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Referências Bibliográficas
- NASHEF, S. A. M. et al. EuroSCORE II. European Journal of Cardio-Thoracic Surgery, v. 41, n. 4, p. 734–745, 2012. Disponível em: https://academic.oup.com/ejcts/article/41/4/734/646622.