Saudações, meu futuro Residente! Neste material conversaremos sobre os primeiros cuidados ao paciente traumatizado, tudo pautado pelo canônico ATLS (atualizadíssimo). Este é seu guia para os assuntos de via aérea, trauma torácico, trauma abdominal, transição toracoabdominal, lesão diafragmática e indicações de toracotomia.
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Cenário atual de distribuição trimodal das mortes
Para uma abordagem sistematizada do paciente traumatizado, foi criado o Advanced Trauma Life Suport (ATLS), que, em sua análise de situações ameaçadoras à vida, definiu os 3 picos de maior mortalidade do traumatizado. Eles seguem a linha do tempo, sendo o Tempo zero o momento do trauma.
- 1º Pico: Muito próximo ao momento do trauma; aqui o foco é a prevenção (TCE principal causa).
- 2º Pico: Minutos até horas pós-trauma; aqui, o ATLS bem-feito salva vidas (pneumotórax hipertensivo como complicação principal).
- 3º Pico: Dias até semanas pós-trauma, cuidados hospitalares e suas complicações (embolia pulmonar é o mais prevalente).
Hierarquização do atendimento
É o famoso ABCDE (mnemônico) do trauma, que foi criado para que se resolvam primeiro os problemas que mais matam. Assim deve ser a avaliação inicial em ordem de abordagem.
- A – Via aérea e coluna cervical;
- B – Respiração e ventilação;
- C – Circulação e controle de hemorragia;
- D – Estado neurológico (D de déficit); e
- E – Exposição e controle ambiental (evitar a hipotermia).
A abordagem deve ser feita dessa forma sempre, só se pode prosseguir na avaliação quando o item anterior já estiver concluído.
As lesões que podem aparecer na avaliação inicial são:
- Obstrução de via aérea;
- Pneumotórax aberto/hipertensivo;
- Hemotórax maciço;
- Tamponamento Cardíaco; e
- Lesão da árvore traqueobrônquica.
Medidas auxiliares na avaliação primária
Podemos lançar mão de medidas de avaliação que ajudam a definir o perfil de gravidade do paciente.
- Eletrocardiograma;
- Oximetria de pulso;
- Capnografia e gasometria arterial;
- Sonda gástrica e sonda urinária;
- Radiografias de tórax e pelve (em incidência AP na sala de trauma);
- FAST e eFAST; e
- Lavado peritoneal diagnóstico.
Avaliação secundária
- Aqui são feitos outros exames que se julguem necessários, como tomografia com ou sem contraste e exames endoscópicos, entre outros.
- É importante lembrar que, se o paciente se encontra instável, não deverão ser feitos esses exames, pois há grande risco de instabilização durante o processo.
A máxima é: resolve-se primeiro aquilo que mata mais rápido. O mais rápido dos vilões do trauma é a via aérea obstruída ou desprotegida, por isso deve-se sempre tentar garanti-la. Além disso, nesse momento, a estabilização cervical é necessária.
Avaliação e manejo inicial das vias aéreas
Vítima de trauma, via de regra, necessita de alto fluxo de O2 (10 a 15 L/ minuto) em máscara não reinalante.
- Paciente que consegue se comunicar verbalmente, muito provavelmente, não tem via aérea obstruída.
- Sinais sugestivos de obstrução de vias aéreas:
- Ausência de resposta verbal;
- Respiração ruidosa;
- Esforço respiratório.
- Corpo estranho, sangue, secreções e queda da base da língua são causas comuns de obstrução
- A manobra de levantar o mento e estender a mandíbula pode contribuir para a desobstrução.
Via aérea definitiva
Tema importantíssimo tanto para a sua prova de residência como para sua carreira, aparece em muitas provas pelo país
Definição: Sonda de ventilação com balão insuflado abaixo das pregas vocais
- Sonda de ventilação com balão insuflado abaixo das pregas vocais.
- Indicações:
- Risco iminente de comprometimento da via;
- Apneia ou incapacidade de manter a oxigenação apesar do uso da máscara;
- Escala de coma de Glasgow menor ou igual a 8;
- Risco de aspiração;
- Paciente combativo em agitação psicomotora.
- Cirúrgica
- Cricotireoidostomia (é a escolha cirúrgica no trauma; não deve ser feita em crianças menores de 12 anos);
- Traqueostomia (indicada para crianças abaixo de 12 anos; é uma via aérea de exceção).
- Não cirúrgica
- Intubação orotraqueal (primeira opção, a não ser em casos de trauma maxilofacial, obstrução por sangue ou edema de glote);
- Intubação nasotraqueal (as contraindicações são apneia, suspeita de fratura de base de crânio ou laringe inacessível).
Via aérea alternativa do traumatizado
- Não conseguiu intubar? Existem, ainda, alternativas para garantir a via aérea do paciente, porém, como não são definitivas, não previnem a aspiração.
- O principal equipamento a lembrar é a máscara laríngea, que é utilizada na impossibilidade de intubação ou de ventilação com a bolsa-válvula-máscara.
- Pode-se fazer a CRICOTIREOIDOSTOMIA por punção, que é a escolha na sala de emergência em caso de apneia, porém ela não é definitiva e só pode ser realizada durante 40 minutos no máximo.
Lesões do trauma torácico
Lesão da árvore traqueobrônquica
- Quadro clínico: hemoptise, enfisema de subcutâneo, pneumotórax, insuficiência respiratória, expansibilidade reduzida e vazamento de ar em selo d’água do dreno.
- Conduta: passar um segundo dreno e insuflar o balão à jusante da lesão; em definitivo faz-se a toracotomia.
- Broncoscopia confirma o diagnóstico.
Pneumotórax simples
- Ar na cavidade pleural por laceração do parênquima pulmonar.
- Quadro clínico: dor torácica, murmúrio vesicular reduzido, expansibilidade reduzida, timpanismo, hipóxia.
- A conduta é DRENAR O TÓRAX! (com exceção dos casos de pouco volume de ar extravasado, com pouco comprometimento clínico).
Pneumotórax hipertensivo
- Também é ar na cavidade pleural, porém com um aumento da pressão suficiente para colabar o pulmão ipsilateral e os vasos cardíacos, causando um hipofluxo das cavas, resultando em um colapso circulatório, além do respiratório.
- Quadro clínico: redução do murmúrio vesicular, redução da expansibilidade, timpanismo na percussão, taquipneia, turgência jugular e desvio da traqueia contralateral.
- O diagnóstico é clínico!
- Conduta: punção com agulha em quinto espaço intercostal para alívio imediato; já a conduta definitiva é a drenagem de tórax.
Pneumotórax aberto
- Lesão que ocorre quando há, no tórax, um trauma maior que 2/3 do diâmetro da traqueia, fazendo com que haja entrada de ar por essa via. Como não há entrada de ar pela traqueia, o pulmão ventila, causando rapidamente uma insuficiência respiratória no paciente.
- Quadro clínico: lesão na parede torácica (maior que 2/3 da traquéia), redução do murmúrio, hipertimpanismo e hipoxemia.
- A conduta é o chamado curativo em 3 pontas. Ele age como uma válvula, deixando o ar sair, sem deixá-lo entrar. Em definitivo, o tratamento é a drenagem em selo d’água.
Hemotórax
- Essa condição ocorre quando há sangue na cavidade pleural; se houver mais de 1500mL, é chamado de maciço.
- Quadro clínico: murmúrio reduzido, macicez e sinais de choque hipovolêmico; quando maciço, há insuficiência respiratória.
- A conduta é DRENAR; se maciço ou com 200mL/hora por 2-4 horas, a indicação é a toracotomia.
Tórax instável e contusão pulmonar
- Quando há pelo menos 2 pontos de fratura em pelo menos duas costelas seguidas, caracteriza-se o tórax instável; a respiração paradoxal é patognomônica do quadro.
- A principal lesão associada é a contusão pulmonar, que é o trauma diretamente no parênquima, causando hipóxia.
- Quadro clínico: crepitação, hipoxemia e movimentação reduzida da caixa torácica.
- Conduta: analgesia potente, suporte ventilatório, cuidado com a super-hidratação e fisioterapia de início precoce.
Contusão miocárdica
- Trauma de alto impacto na região anterior do tórax, cursando com alteração do funcionamento da bomba cardíaca.
- Quadro clínico: alterações de ECG, extrassístoles, alteração do segmento ST, taquicardia sinusal e fibrilação atrial.
Tamponamento cardíaco
- Ocorre quando há uma coleção de sangue no pericárdio, que, em consequência, não deixa o coração bombear adequadamente.
- Quadro clínico: tríade de Beck (abafamento de bulhas, turgência jugular e hipotensão).
- O exame FAST pode fechar o diagnóstico e a toracotomia é o tratamento, a punção de Marfan é exceção.
Laceração de aorta
- É uma lesão de alta gravidade, responsável pelo maior número de mortes imediatas no trauma; mais comumente, ocorre na porção descendente da aorta.
- O diagnóstico é fechado por imagem.
- Sinais radiológicos: alargamento de mediastino, obliteração aórtica, desvio de traquéia e hemorragia extrapleural.
- A conduta é cirúrgica por via endovascular; na impossibilidade, indica-se a toracotomia.
Ferimento na transição toracoabdominal
Ferimento perfurante que ocorre principalmente na região abaixo do mamilo e acima do rebordo costal. A lesão pode acometer vários órgãos dessa região.
- Diagnóstico/terapêutica: laparoscopia; em caso de não disponibilidade do método ou de instabilidade do paciente, opta-se pela laparotomia.
- Os métodos de imagem não são diagnósticos para a lesão diafragmática.
Lesão traumática do diafragma
Na maioria das vezes, é causada por traumas penetrantes; quando é causada por trauma contuso, é bastante exuberante.
- Quadro clínico: dor abdominal, falta de ar, dor referida em ombro, vômitos e disfagia.
- Achados de imagem: borramento do seio costofrênico, elevação de cúpula e presença de vísceras no tórax acometido.
- Diagnóstico: laparoscopia.
Teste seus conhecimentos
Agora que já está dominando o tema, vamos colocar em prática!
2020 SUS – SP
Um jovem de 18 anos foi vítima de facada no epigástrio. Deu entrada no centro de trauma hipotenso e com veias distendidas no pescoço. A ausculta pulmonar mostrou murmúrio vesicular presente bilateralmente, ainda que a ventilação fosse superficial. Sequência mais apropriada de atendimento e tratamento:
A) Acesso venoso central – radiografia de tórax – FAST (focused assessment with sonography for trauma) – tipagem e prova cruzada para transfusão sanguínea.
B) Intubação traqueal – acesso venoso – FAST (focused assessment with sonography for trauma) – toracotomia.
C) Intubação traqueal – FAST (focused assessment with sonography for trauma) – janela pericárdica.
D) Acesso venoso – transfusão sanguínea – pericardiocentese.
E) Intubação traqueal – radiografia de tórax – FAST (focused assessment with sonography for trauma) – esternotomia mediana.
Gabarito letra B.
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