No estudo da hepatologia, devemos sempre falar das principais etiologias de cirrose hepática. Dentre elas, podemos citar as doenças de depósito como grande grupo pertencente a essas causas. O foco do texto a seguir será a Doença de Wilson, uma das principais hepatopatias crônicas! Leia a seguir e vamos nessa aventura no mundo da hepatologia.
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Definindo a Doença de Wilson
A Doença de Wilson é uma patologia autossômica recessiva causada pela mutação no gene ATP7B. Trata-se de um gene expresso no fígado, rins, pulmão, cérebro e placenta, responsável por codificar a expressão de uma proteína cuja função é o transporte intracelular de cobre. Além disso, tal proteína denominada Wilson ATPase é responsável pelo acoplamento do cobre à apoceruloplasmina, formando assim a ceruloplasmina ativa e funcionante.
A deficiência nesse gene gera acúmulo de cobre em diversos tecidos, como consequência temos níveis séricos de ceruloplasmina baixos. Com a impossibilidade de excreção desse metal pesado, ele se acumula no parênquima hepático e gera lesão hepatocelular. Com a lesão do hepatócito, o cobre é liberado na corrente sanguínea na forma de cobre livre, depositando-se em outros órgãos.
Quadro clínico da Doença de Wilson
Os principais órgãos acometidos na Doença de Wilson são o fígado e o sistema nervoso central. Dessa forma, os principais sinais e sintomas que nos devem fazer pensar a respeito de tal diagnóstico são:
- Esteatose hepática;
- Hepatite aguda (icterícia, colúria e acolia fecal);
- Insuficiência hepática aguda;
- Hepatite crônica;
- Cirrose hepática;
- Disartria;
- Distonia;
- Tremores;
- Parkinsonismo;
- Anormalidade de marcha e/ou ataxia;
- Depressão;
- Labilidade emocional; e
- Transtorno afetivo bipolar.
Como podemos observar, o acometimento de fígado e sistema nervoso central são as características mais marcantes dessa entidade. O acúmulo de cobre na córnea também pode acarretar na formação dos anéis Kayser-Fleischer, sinal muito cobrado nas provas de residência e bastante associado com a Doença de Wilson.
Nas provas e concursos médicos, o quadro clínico que veremos nas questões será a de um paciente jovem com algum distúrbio psiquiátrico evidente associado a alterações hepáticas. Nesse contexto, devemos sempre pensar na possibilidade da doença de Wilson.
De maneira menos importante, a deposição de cobre em outros sistemas pode gerar outros tipos de sintoma:
- Nos rins: síndrome de Fanconi, caracterizada por destruição túbulos proximais acarretando perda de glicose e aminoácidos além de acidose tubular renal proximal.
- Artropatia.
- Doença cardíaca.
- Entre outros como: sintomas musculares, hipoparatireoidismo, hipogonadismo, anemia hemolítica.
Diagnóstico
O diagnóstico da Doença de Wilson é realizado através da avaliação dos níveis séricos de ceruloplasmina, cobre urinário e dos anéis de Kayser-Fleischer. As principais alterações laboratoriais que podemos encontrar são:
- Ceruloplasmina sérica reduzida: valores inferior a 20 mg/dl.
- Cobre sérico total: geralmente baixo, inferior a 700 mcg/L.
- Cobre sérico livre: aumentado com valores superiores a 20 mcg/dl.
- Cobre urinário de 24 horas: aumentado, geralmente com valores superiores a 100 mcg.
- Cobre hepático aumentado, com valores superiores a 250 mcg/g de peso seco.
Podemos também realizar o diagnóstico através da biópsia hepática, esse método sendo considerado o padrão-ouro. Uma concentração hepática aumentada confirma tal diagnóstico e permite o tratamento adequado já que frente a possibilidade de cirrose hepática temos diversos diagnósticos diferenciais em nossa frente.
Diagnósticos diferenciais
Os principais diagnósticos diferenciais estão relacionados com as etiologias de cirrose hepática. Dessa forma, devemos sempre iniciar nossa investigação com a solicitação de sorologias para hepatites virais, principalmente para Hepatite B e Hepatite C. Também devemos sempre pensar na possibilidade de hepatites autoimunes levando em consideração até o fator epidemiológico que os pacientes com doença de Wilson são jovens.
Além disso, devemos lembrar a respeito de outras doenças de depósito como a hemocromatose hereditária e a amiloidose. Em geral, exames não invasivos permitem o diagnóstico preciso, contudo, por vezes, exames invasivos como a biópsia hepática serão cruciais na elucidação diagnóstica precisa.
Tratamento da Doença de Wilson
O tratamento inicial deve ser feito com a redução da ingesta de alimentos ricos em cobre, são eles: frutos-do-mar, chocolate, amêndoas, café, feijão, fígado, cogumelos e soja. A menor ingestão por via alimentar de fontes de cobre acaba por reduzir os níveis séricos desse metal e, dessa forma, pode reduzir sintomas. Entretanto, devemos enfatizar fortemente que apenas a dieta, de maneira isolada, não é suficiente ao tratamento.
Outras linhas de tratamento estão relacionadas a utilizar quelantes de cobre, dentre os principais podemos citar a D-penicilamina, trientina ou sais de zinco. Tais medidas farmacológicas também têm como intuito e objetivo a redução dos níveis de cobre e também reduzir a progressão da doença de Wilson, seja ao nível hepático ou neurológico.
A depender da sintomatologia, damos preferência a um outro quelante. Citamos a seguir os principais quadros clínicos que devem ser observados para escolha:
- Hepatite ou cirrose hepática: zinco.
- Doença hepática leve: trientina e zinco.
- Doença hepática moderada: trientina e zinco.
- Doença hepática grave: transplante hepático.
- Neurológico/psiquiátrico inicial: zinco.
- Manutenção de tratamento, crianças e gestantes: zinco.
O uso da D-penicilamina é pouco utilizado em decorrência de muitos eventos adversos. Devemos nos lembrar que tanto esse medicamento quanto a trientina podem piorar sintomas neurológicos ou até funcionar como contribuidor para aparecimento de novos sintomas neurológicos. Já o zinco por via oral reduz a absorção intestinal de cobre. Dessa forma, há eliminação de cobre pelas fezes. Dentre os sais de zinco, o mais utilizado é o acetato de zinco. Outras opções são o gluconato de zinco e o sulfato de zinco.
Outra opção mais dramática, mas às vezes necessária é o transplante hepático. Em geral, reservamos tal terapêutica aos pacientes com insuficiência hepática aguda e pacientes com hepatopatia crônica terminal. O desenvolvimento de cirrose hepática além de incrementar em morbidade e mortalidade, é um fator de risco isolado ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. Na presença de neoplasia, devemos respeitar os Critérios de Milão a fim de definir a indicação e contra indicação ao transplante hepático.
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