Quando o tema é cirrose hepática e suas complicações, é natural que pensemos nas principais etiologias associadas a essa condição tão importante no meio médico. Devemos sempre pensar nas causas genéticas e infecciosas, mas uma deve sempre chamar nossa atenção: o consumo etílico exagerado. A doença hepática alcoólica se configura como uma das principais causas de cirrose hepática e precisamos explorar as implicações clínicas que esse transtorno de abuso de substâncias pode causar. Leia, no texto a seguir, o conteúdo a respeito da doença hepática alcoólica!
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Fatores de risco e quadro clínico
Como o próprio título já indica, o principal fator de risco e condição necessária para tal entidade é o consumo excessivo de álcool. Porém, devemos sempre ressaltar alguns componentes adicionais já que observamos que apenas 1% dos indivíduos que consomem de 30 a 60 gramas de álcool por dia evoluem para cirrose e cerca de 6% daqueles que consomem 120 gramas de álcool por dia.
Os principais fatores de risco para progressão para cirrose são:
- consumo diário de álcool;
- tabagismo;
- obesidade;
- sexo feminino, como consequência da menor quantidade de enzima álcool desidrogenase;
- desnutrição;
- fatores genéticos;
- presença de outras hepatopatias; e
- achados histológicos, como infiltração neutrofílica.
A lesão do álcool no fígado se caracteriza por um infiltrado polimorfonuclear que gera um quadro de esteato-hepatite. Na histologia observamos: esteatose macrovesicular, infiltrado neutrofílico majoritariamente em região central, corpúsculos hialinos de Mallory, balonização dos hepatócitos e fibrose seja perivenular ou periportal.
Quando falamos do quadro clínico da doença hepática alcoólica devemos olhar esse grupo de pacientes em diversos espectros.
- Esteatose hepática: assintomáticos em sua maioria. Os poucos pacientes com sintomas se apresentam com desconforto em quadrante superior direito ou com discreta icterícia associada
- Esteato-hepatite: grupo de pacientes com inflamação e lesão hepática. O quadro clínico varia com febre, icterícia, encefalopatia hepática, ascite.
- Cirrose hepática: ascite, hemorragia por varizes de esôfago, encefalopatia hepática, disfunção erétil.
Observamos aqui na evolução e progressão da doença os sinais e sintomas associados à insuficiência hepática, assim como à hipertensão portal. Saber diferenciar esse grupo de sinais e sintomas é de grande valia na avaliação do paciente hepatopata.
- Insuficiência hepática: aumento de bilirrubina direta representada por icterícia, redução de albumina, alargamento do INR, rarefação de pelos, atrofia testicular, telangiectasias, eritema palmar.
- Hipertensão portal: varizes esofágicas, circulação colateral, ascite.
Outros achados são um pouco mais sensíveis para a etiologia alcoólica, por isso devemos citá-los agora. Os principais são o ingurgitamento de parótidas e a contratura de Dupuytren.
Esse último é uma condição fibrótica incapacitante da mão, na qual há acometimento da fáscia palmar e digital. Apresenta-se com nódulos, contratura progressiva e deformidades em flexão das articulações das mãos, principalmente das metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais. Tais achados indicam fortemente a presença de etiologia alcoólica para a doença hepática.
Diagnóstico de doença hepática alcoólica
Devemos sempre suspeitar de doença hepática alcoólica quando estamos diante de um paciente etilista crônico e que se apresenta com aumento das transaminases, hepatomegalia e esteatose hepática. É importante avaliar a possibilidade de outras hepatopatias crônicas. Na avaliação inicial de qualquer paciente devemos fazer a seguinte análise:
- Histórico de ingestão de bebidas alcoólicas;
- Exame físico;
- Exames laboratoriais;
- Pesquisa de outras hepatopatias (sorologia para hepatite B, sorologia para hepatite C, ferritina, saturação de transferrina, gamaglobulina, FAN, antimúsculo liso e anti-LKM-1); e
- Avaliação do líquido ascítico nos pacientes com ascite.
Alguns achados laboratoriais podem nos ajudar ou sugerir o diagnóstico de hepatite alcoólica:
- Início da icterícia nas últimas 8 semanas;
- Consumo superior a 40 gramas de álcool por dia para mulheres e superiores a 60 gramas de álcool por dia para homens, no período de 6 meses ou mais;
- Menos de 60 dias de abstinência antes do aparecimento da icterícia;
- TGO superior a 50 UI/litro;
- Relação TGO/TGP superior a 1,5;
- Transaminases inferiores a 400 UI/litro; e
- Bilirrubina superior a 3 mg/dl.
Durante a investigação, como já dito, podemos nos deparar com outras hepatopatias crônicas. As principais que devem ser ativamente investigadas são: doença de Wilson, deficiência de alfa-1 antitripsina, hipertireoidismo, doença celíaca, colangite biliar primária e colangite esclerosante primária.
Classificação de gravidade
Durante a avaliação de gravidades de pacientes com doença hepática alcoólica devemos utilizar escores específicos e alguns exames. Os principais utilizados são: Maddrey, INR alargado, hipoalbuminemia e MELD.
A função discriminante de Maddrey (IFD) avalia a gravidade e mortalidade de pacientes com hepatite alcoólica. Valores superiores a 32 indicam alta mortalidade a curto prazo e benefícios com o tratamento medicamentoso.
Já o MELD é um modelo estatístico que prevê a sobrevida de pacientes com cirrose hepática. Utilizamos esses valores para indicar a ordem na lista de transplante hepático.
Tratamento da doença hepática alcoólica
O tratamento da doença hepática consiste basicamente na abstinência alcoólica. A interrupção desse hábito pode gerar reversão de grande parte da sintomatologia. Diferente de outras hepatopatias, o fato do álcool se apresentar por lesão polimorfonuclear em região perivenular pode aliviar a pressão sobre essas vênulas e restaurar a função hepática.
Em alguns casos, de piora de função hepática agudamente, podemos lançar mão da corticoterapia. Reservamos esse tratamento aos pacientes graves com IFD superior a 32 sem outras contraindicações no momento.
Após a introdução da corticoterapia, observamos se houve ou não resposta no sétimo dia de tratamento com melhora do IDF ou escore de Lille <0,45. Além da corticoterapia, temos como opção o uso da pentoxifilina.
Para alguns pacientes, entretanto, a terapêutica não é satisfatória. Além disso, de forma crônica, devemos sempre avaliar a possibilidade de tratamento definitivo para essa entidade. Em todos pacientes com MELD igual ou maior a 15 devemos listá-los na lista de transplante hepático. Outras condições associadas podem também indicar tal terapêutica como hepatocarcinoma, hipertensão portopulmonar, polineuropatia amiloide familiar e fibrose cística.
Pacientes com hepatite alcoólica grave que não respondem à corticoterapia também podem ser requisitados para ir ao transplante devido à falha de tratamento.
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