ResuMED de hepatopatias:  hemocromatose
hemocromatose

ResuMED de hepatopatias: hemocromatose

No estudo da hepatologia, o tema de hepatopatias crônicas sempre remete ao diagnóstico de cirrose. Dentre as principais etiologias que não englobam as hepatites virais devemos pensar na hemocromatose. Trata-se de uma doença por vezes negligenciada em nosso meio, porém de elevada relevância global. Exploramos a seguir o diagnóstico e tratamento da hemocromatose! 

Introdução a hemocromatose

A Hemocromatose Hereditária é a doença genética mais comum que acomete o fígado. Apenas por esse fato, já devemos considerá-la de elevada importância para diagnósticos diferenciais e estudo. Nessa entidade, temos o aumento da absorção intestinal de ferro o que gera acúmulo desse mineral nos diversos órgãos e tecidos. 

O elevado nível de ferro no corpo humano acaba por gerar disfunções orgânicas das mais diversas. Ao falarmos do quadro clínico iremos explorar cada uma delas. Como seu próprio nome indica, há elevado componente hereditário com mutações genéticas que já são conhecidas: mutação no gene HFE – mutações C282Y e H63D são as mais comuns.

Quadro clínico da hemocromatose

O quadro clínico da hemocromatose, como já dito anteriormente, está associado ao depósito do ferro nos tecidos. Podemos de forma didática comentar que seus sintomas mais clássicos são os 6Hs: 

  • Hiperpigmentação cutânea: o depósito de ferro na pele pode gerar alteração na cor de pele. Em geral, tal sintoma é difuso sendo mais extenso na região de face e extensora dos antebraços. As áreas expostas ao sol são as que mais sofrem alteração de coloração.
  • Hepatopatia crônica: o acometimento hepático é o primeiro a ser observado e a hepatomegalia está presente em 95% dos pacientes sintomáticos. A evolução para cirrose hepática e hepatocarcinoma pode ocorrer em cerca de 15 a 30% dos casos, o que torna imperativo o tratamento precoce para evitar tal evolução.
  • Hiperglicemia: a hiperglicemia vem aqui para representar a ocorrência de diabetes mellitus por acometimento pancreático. Tal quadro ocorre em 50% dos pacientes sintomáticos.
  • Hipogonadismo: a deposição do ferro pode ocorrer tanto de maneira periférica quanto no sistema nervoso central. Dessa forma, não há um padrão propriamente claro do hipogonadismo. Entretanto, tal sintomatologia é bastante importante já que se observa disfunção erétil em 35% dos pacientes masculinos e amenorreia em 15% das mulheres.
  • Heart: alterações relacionadas a arritmias e insuficiência cardíaca são comuns pela deposição do ferro na hemocromatose. Devemos sempre realizar eletrocardiograma e ecocardiograma a fim de avaliar tais alterações.
  • Artrite: sim, para mantermos o mnemônico iremos falar em “Hartrite” para avaliação desse sintoma. A doença articular é bastante comum nesses pacientes acometendo em até 66% daqueles com hemocromatose. O padrão de acometimento articular em geral é apendicular com deposição de pirofosfato de cálcio configurando quadros de pseudogota. 

Classificação

Já comentamos em relação ao caráter hereditário e alterações genéticas mais comuns da hemocromatose. Entretanto, podemos ter casos não associados a essa alteração genética. Citamos a seguir a classificação mais utilizada na hemocromatose:

  • Hemocromatose associada ao HFE:
    . Homozigose C282Y
    . Heterozigoto composto (C282Y/H63D)
    . Outras mutações relacionadas ao gene HFE
  • Hemocromatose não associada ao HFE:
    . Associada à mutação no receptor 2 da transferrina
    . Juvenil tipo 2 A – mutação da hemojuvelina
    . Juvenil tipo 2 B – mutação do gene da hepcidina
    . Associada à mutação no gene da ferroportina
    . Sobrecarga de ferro na África

Diagnóstico de hemocromatose

O diagnóstico da hemocromatose deve ser feito com a dosagem de saturação de transferrina e ferritina. 

A ferritina é uma molécula que exprime a reserva de ferro do paciente em questão, que estará elevadíssima no contexto de hemocromatose. Porém, o primeiro exame a se alterar será a saturação de transferrina e níveis aumentados já podem ser encontrados durante a adolescência. 

Valores alterados de saturação de transferrina são aqueles superiores a 60% em homens e 50% em mulheres. Valores próximos a esses já sugerem o diagnóstico de nossa entidade estudada no texto. 

Já quando falamos dos níveis de ferritina, se nos depararmos com valores superiores a 300 ng/ml em homens e mulheres pós menopausa ou superiores a 200 ng/ml em mulheres na pré menopausa devemos pensar no diagnóstico de hemocromatose hereditária. 

O nosso fluxograma será feito com os exames de rastreamento alterados e um teste genético que comprove nossa hipótese. Não devemos esquecer de outras doenças que possam cursar com hiperferritinemia: NASH, neoplasias, consumo excessivo de álcool e hepatites outras. 

Reservamos a biópsia hepática para os quadros duvidosos, avaliação da extensão de fibrose, testes genéticos negativos com outras pesquisas bioquímicas alteradas, avaliar a presença de outra hepatopatia associada e quando temos valores de ferritina superior a 1.000 ng/ml. 

Rastreamento

Devemos rastrear todos os familiares de primeiro e segundo grau com a dosagem de ferritina, saturação de transferrina e teste genético. Na população em geral, não se recomenda tal rastreamento por não haver grande benefício.

Tratamento da hemocromatose

O tratamento da hemocromatose consiste na tentativa de redução dos níveis de ferro e evitar progressão de doença. O método mais empregado para essa finalidade é a flebotomia. 

O tratamento consiste na sangria terapêutica com retirada de 500 ml de sangue uma vez por semana até atingirmos níveis de ferritina de 50 ng/ml. Após isso, podemos espaçar esse tratamento a cada 2 ou 3 meses. 

Tratamentos menos eficazes e possíveis são a aférese terapêutica com a retirada de hemoglobina e também a utilização de quelantes de ferro. Esse medicamento é raramente utilizado pelo seu alto custo, infusão complexa e seu uso não ser tão eficiente. Além de tudo isso, há o incremento de diversos efeitos colaterais como lesões de retina, diarreia, náuseas, vômitos, distúrbios auditivos entre outros. 

Devemos ter em mente que nem todos os sintomas poderão apresentar boa resposta mesmo com a terapêutica. O principal com melhora é a insuficiência cardíaca e aquele com menor resposta é a artrite. De todo modo, devemos sempre efetuar o rastreamento para cirrose hepática e hepatocarcinoma e, por vezes, o transplante de fígado é o único tratamento possível para a hepatopatia. 

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