ResuMED de hipercalcemia e metabolismo ósseo mineral

ResuMED de hipercalcemia e metabolismo ósseo mineral

Os distúrbios hidroeletrolíticos fazem parte da rotina de qualquer médico ao ficar em ambiente hospitalar. O aumento do cálcio sérico configurando-se em hipercalcemia é um tema de elevada densidade e que certamente estará em seu processo seletivo para entrar na residência. Na endocrinologia, estudamos os distúrbios do cálcio juntamente aos distúrbios ósseo minerais pelo fato de ambos estarem intrinsecamente ligados. Leia no texto a seguir! 

Fisiologia do cálcio

Antes de adentrarmos a análise sobre a hipercalcemia, devemos ter conhecimento sobre o processo fisiológico normal do cálcio. 

O cálcio é um importante íon em nosso corpo responsável pelo metabolismo de diversas ações celulares. Sua regulação é feita de maneira fina e elegante, por isso a menor das variações pode acarretar sintomatologia exuberante. 

Os níveis de cálcio são controlados pelo receptor sensor de cálcio (CaSR) presente nas paratireoides. Ao indicar queda na calcemia, há secreção do paratormônio (PTH). 

Esse hormônio produzido pelas glândulas paratireoides por sua vez, tem função de aumentar os níveis de cálcio por intermédio de diversos mecanismos: 

  • Aumento da reabsorção óssea e renal; 
  • Estímulo a enzima 1-alfa-hidroxilase, aumentando os níveis de calcitriol; e
  • Aumento da fosfatúria por inibição da reabsorção de fósforo.

Quadro clínico da hipercalcemia

O quadro clínico de hipercalcemia é múltiplo e envolve diversos órgãos e sistemas. Iremos aqui dividir por órgãos para facilitar didaticamente o estudo. Devemos ter em mente que quanto maior a calcemia, maior será a sintomatologia apresentada: 

  • Renal: poliúria, polidipsia e desidratação por meio de inibir a ação local do ADH insuficiência renal aguda; nefrocalcinose e nefrolitíase
  • Muscular: fraqueza, mialgia, artralgia
  • Neuropsiquiátrica: rebaixamento do nível de consciência
  • Cardiovascular: encurtamento do intervalo QT, arritmias
  • Gastrointestinal: constipação, náuseas, vômitos

Racional clínico diante de hipercalcemia

Para elucidar a etiologia de um quadro de hipercalcemia, há uma linha de pensamento que deve ser seguida pela qual você evita equívocos diagnósticos. 

  1. Dosar PTH.
    – PTH normal ou elevado: hiperparatireoidismo primário
    – PTH baixo: próximos passos.
  2. Dosar PTHrp: proteína com ação semelhante ao paratormônio
    – PTHrp (PTH related protein) elevada: hipercalcemia da malignidade
    – PTHrp normal: próximos passos
  3. Dosar vitamina D:
    – Calcidiol elevado: intoxicação por vitamina D
    – Calcitriol elevado: linfomas ou doenças granulomatosas
    – Ambos normais: buscar outras causas

Hiperparatireoidismo primário

O hiperparatireoidismo primário é uma condição, na qual há produção autônoma e anômala desse hormônio. Em geral, o quadro clínico é de hipercalcemia grave. É a principal causa de hipercalcemia, sendo mais frequente em mulheres durante a menopausa. 

Em 90% dos casos, a causa é um adenoma isolado de paratireoide. Apenas em menos de 1% dos casos pensamos em carcinoma de paratireóide, em geral, associado a síndromes neoplásicas como as neoplasias endócrinas múltiplas tipo 1 e tipo 2A. 

Além do quadro hidroeletrolítico, devemos ter em mente que a ação prolongada do paratormônio gera alterações ósseas que são bastante cobradas em provas. As principais são: padrão em “sal e pimenta” em RX de crânio, tumor marrom e reabsorção óssea subperiosteal. 

Após o diagnóstico, normalmente se realiza cintilografia com marcador específico para auxiliar na localização e avaliar no caso se há apenas uma ou mais glândulas hiperfuncionantes. Após essa técnica diagnóstica, devemos pensar se iremos realizar o tratamento ou não. O tratamento é cirúrgico aos pacientes candidatos: 

  • Pacientes sintomáticos; 
  • Pacientes com nível de cálcio acima de 1 mg/dL do limite de normalidade;
  • Alterações ósseas como osteoporose ou fratura vertebral;
  • Alterações renais como DRC, calciúria de 24 horas superior a 400 mg/dia;
  • Nefrolitíase e nefrocalcinose; e
  • Idade inferior a 50 anos.

Hiperparatireoidismo secundário e terciário

No hiperparatireoidismo secundário não há hipercalcemia. O que temos nesse quadro clínico é a absorção ineficiente de cálcio pelo trato gastrointestinal e, como consequência, temos estímulo hormonal para aumento do cálcio sérico. Nesses casos, devemos interferir em aumentar a absorção de cálcio. As principais causas dessa absorção ineficiente são a deficiência de vitamina D e síndromes de má absorção intestinal como doenças inflamatórias intestinais. 

Um caso clássico que deve ser citado é o hiperparatireoidismo secundário decorrente de doença renal crônica avançada, a partir do estágio IV. Nessa situação, há baixa ação da enzima 1-alfa-hidroxilase, pois menor transformação do calcidiol em calcitriol que é a vitamina D ativa. Nesse quadro, não há absorção eficiente de cálcio pelo trato gastrointestinal. Com a progressão da doença renal e um estímulo exacerbado das paratireoides há a possibilidade dessas glândulas se tornarem autônomas. Esse contexto de hiperparatireoidismo com cálcio elevado e baixa função crônica caracteriza o hiperparatireoidismo terciário. 

Hipercalcemia associada à malignidade

Como o próprio nome já diz: trata-se de quadro de hipercalcemia associada a um câncer. Diversas neoplasias malignas podem estar associadas a um quadro de hipercalcemia por diversos mecanismos. Os principais são: 

  • PTH-rp: produção de proteína que tem ação intrinsecamente semelhante ao paratormônio e não sofre feedback negativo do aumento do cálcio. Associada a neoplasias espinocelulares, principalmente de mama, pulmão, cabeça e pescoço, rim e ovário. 
  • Reabsorção óssea: lesões líticas associadas ao aumento do cálcio. O exemplo clássico é o mieloma múltiplo. 
  • Aumento de calcitriol: neoplasias hematológicas como linfomas podem apresentar a enzima 1-alfa-hidroxilase e aumentar os níveis de vitamina D ativa e, como consequência, aumentar a absorção intestinal de cálcio. 

Tratamento da hipercalcemia

O tratamento da hipercalcemia é baseado na gravidade dos quadros. O nível sérico e sintomas, portanto, irão ditar nossas condutas: 

  • Leve: evitar situações de aumento do nível de cálcio.
  • Moderado: mesmas orientações, e em alguns casos tomar conduta ativa semelhante aos casos graves .
  • Grave:
    – Hidratação endovenosa vigorosa;
    – Uso de agentes hipocalcêmicos: calcitonina – início de ação rápida na redução do cálcio; bisfosfonatos – início de ação em até 48 horas. O uso concomitante dessas duas terapêuticas é bastante comum em diversos protocolos;
    – Furosemida endovenosa: uso controverso, reservado para pacientes com sintomatologia de congestão. Seu uso indiscriminado pode piorar os quadros de desidratação decorrentes da hipercalcemia; e
    – Corticoides: em casos de intoxicação por vitamina D em doenças linfoproliferativas e granulomatosas.

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Referências bibliográficas

Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia

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