E aí, doc! Bora mergulhar em mais um assunto relevante? Hoje o destaque vai para o Líquen Plano, uma doença inflamatória crônica que pode afetar a pele, as mucosas e até as unhas, com lesões características que exigem atenção no diagnóstico diferencial.
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Vamos nessa!
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Definição de Líquen Plano
O líquen plano é uma doença inflamatória crônica, considerada incomum, cuja causa exata ainda não é conhecida. Acomete preferencialmente adultos de meia-idade e pode se manifestar em diferentes regiões do corpo, incluindo a pele (forma cutânea), mucosas oral e genital, couro cabeludo (na forma denominada líquen planopilar), unhas e, mais raramente, o esôfago.
Caracteriza-se, na pele, por lesões violáceas, planas, poligonais e pruriginosas. Já nas mucosas, pode provocar lesões brancas reticuladas ou erosivas, que causam dor ou desconforto. Trata-se de uma condição que pode ser de difícil diagnóstico, exigindo avaliação clínica cuidadosa e, em alguns casos, biópsia.
O manejo depende da forma clínica e da gravidade, envolvendo principalmente o uso de corticosteroides tópicos ou sistêmicos, além de outras terapias imunomoduladoras em casos mais resistentes.
Epidemiologia de Líquen Plano
A epidemiologia do líquen plano ainda não está bem definida, principalmente devido à escassez de estudos populacionais amplos. Estima-se que a forma cutânea da doença afete menos de 1% da população.
O líquen plano cutâneo ocorre com maior frequência entre os 30 e 60 anos de idade, sendo raro na infância. Apesar de alguns relatos indicarem maior prevalência em mulheres, especialmente em formas mucosas, não há evidências consistentes de predileção significativa por sexo ou raça na forma cutânea.
Casos familiares são pouco comuns, mas quando presentes, geralmente se manifestam mais precocemente e tendem a ser mais graves e recorrentes. Trata-se, em sua maioria, de uma condição de curso crônico, caracterizada por lesões papulosas pruriginosas, com possível comprometimento das mucosas.
Etiologia do Líquen Plano
A etiologia do líquen plano ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que envolva um mecanismo imunomediado. Evidências sugerem que linfócitos T ativados, especialmente células T CD8+, desempenham um papel central ao atacar os queratinócitos basais da epiderme.
Esse processo inflamatório parece estar associado à ativação de moléculas de adesão celular, como a ICAM-1, e à liberação de citocinas típicas da resposta imune Th1, como o interferon-gama (IFN-γ), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina 1 alfa (IL-1α), IL-6 e IL-8.
Há também uma possível associação entre o líquen plano e a infecção pelo vírus da hepatite C (HCV), embora essa relação seja considerada controversa. Meta-análises indicam que pacientes com líquen plano apresentam maior prevalência de exposição ao HCV em comparação com controles, com variação geográfica significativa. A prevalência de HCV entre pacientes com líquen plano oral, por exemplo, varia amplamente entre os estudos, de 0 a 62%.
Além disso, o líquen plano pode ser desencadeado por alguns medicamentos, caracterizando as chamadas erupções liquenoides induzidas por fármacos, que se assemelham clinicamente à forma idiopática da doença. Relatos mais recentes também indicam casos de líquen plano surgindo após vacinação contra a COVID-19 ou, com menor frequência, após infecção pelo próprio vírus.
Manifestações clínicas do Líquen Plano
O liquen plano cutâneo clássico é uma dermatose inflamatória caracterizada pelo surgimento de pápulas planas, poligonais, de coloração violácea, frequentemente acompanhadas de prurido intenso. Esses elementos são descritos pelas “quatro P’s”: pruritic, purple, polygonal, papules/plaques.
Com o tempo, essas lesões podem coalescer e formar placas maiores. A presença de estrias de Wickham, finas linhas brancas sobre as lesões, é uma característica clínica importante. Os locais mais comuns de acometimento incluem punhos (superfície volar), tornozelos e, ocasionalmente, o tronco.
O fenômeno de Koebner, surgimento de lesões em áreas de trauma, é comum e pode ser desencadeado por escoriações. Após a resolução das lesões, é frequente a hiperpigmentação pós-inflamatória.
Variantes cutâneas do Líquen Plano
Além da forma clássica, o líquen plano possui diversas variantes clínicas, todas com achados histológicos semelhantes:
- Liquen plano hipertrófico: placas espessas e pruriginosas, geralmente nas pernas. Pode evoluir para carcinoma espinocelular em casos crônicos.
- Liquen plano anular: placas violáceas com clareamento central, frequentemente em genitais e áreas intertriginosas.
- Liquen plano bolhoso: formação de vesículas ou bolhas sobre lesões pré-existentes, geralmente nas pernas.
- Liquen plano actínico: erupção fotodistribuída com máculas hiperpigmentadas, comum em regiões tropicais.
- Liquen plano pigmentoso: máculas acastanhadas ou cinza-escuras em áreas fotoexpostas ou flexurais, com prurido mínimo.
- Liquen plano inverso: lesões violáceas em áreas intertriginosas, podendo apresentar erosões e hiperpigmentação.
- Liquen plano atrófico: placas atróficas violáceas, muitas vezes semelhantes ao líquen escleroso extragenital.
- Liquen planopilar: acomete folículos pilosos, geralmente no couro cabeludo, podendo levar à alopecia cicatricial.
- Formas raras: liquen plano palmoplantar (pode ulcerar) e liquen plano perfurante.
Síndromes de sobreposição
Duas condições combinam achados de liquen plano com outras dermatoses autoimunes:
- Liquen plano penfigoide: coexistência de lesões de liquen plano com bolhas em áreas de pele previamente normal. Imunofluorescência direta revela depósitos lineares de IgG e C3 na junção dermoepidérmica.
- Síndrome de sobreposição liquen plano-lúpus: lesões com características clínicas, histológicas e/ou imunológicas de ambos os quadros, com placas atróficas azul-avermelhadas ou pápulas/verrugas nos membros superiores.
Manifestações Extraintegumentares
Além da pele, o liquen plano pode afetar outras regiões do corpo:
- Unhas: distrofia ungueal variável até anoniquia, principalmente por acometimento da matriz ungueal.
- Mucosa oral: pode ocorrer de forma isolada ou com lesões cutâneas, apresentando estrias de Wickham, lesões atróficas ou erosivas, muitas vezes dolorosas.
- Genitais: pápulas violáceas no pênis ou lesões erosivas na vulva; a síndrome vulvo-vaginal-gengival é forma resistente ao tratamento.
- Esôfago: pode causar disfagia, dor, erosões e estenoses; geralmente associada a outras formas da doença.
- Ouvido externo: inflamação e estenose do conduto auditivo externo, otorreia e perda auditiva.
Diagnóstico de Líquen Plano
O diagnóstico do líquen plano cutâneo é, na maioria das vezes, clínico, baseado na identificação de achados típicos durante a avaliação do paciente. No entanto, em casos duvidosos, a biópsia de pele é útil para confirmar a condição. A avaliação clínica inclui uma anamnese detalhada e exame físico completo da pele, couro cabeludo, mucosa oral e genitália externa, permitindo identificar a extensão das lesões e possíveis envolvimentos adicionais.
Durante a anamnese, é importante investigar o uso de medicamentos que possam induzir o líquen plano, presença de prurido, dor ou erosões na boca e genitália, além de sintomas como disfagia ou odinofagia, que podem indicar acometimento esofágico. Também se recomenda a investigação de fatores de risco para hepatite C.
A biópsia, geralmente do tipo punch ou shave que alcance a derme média, é indicada para confirmação diagnóstica. Estudos de imunofluorescência direta não são rotineiros, mas podem ser úteis em casos com lesões bolhosas para diferenciação de doenças autoimunes bolhosas.
A dermatoscopia também pode auxiliar no diagnóstico ao revelar as estrias de Wickham, características do líquen plano.
Tratamento do Líquen Plano
O líquen plano cutâneo é geralmente autolimitado, mas pode necessitar de tratamento para controle dos sintomas, especialmente prurido. A abordagem terapêutica inclui:
Primeira linha
- Corticosteroides tópicos (alta ou super alta potência, como betametasona ou diflorasona 0,05%) são o tratamento inicial para formas localizadas.
- Corticosteroides intralesionais (como triancinolona 2,5–10 mg/mL) são úteis em lesões hipertróficas.
Segunda linha
- Corticosteroides orais (ex.: prednisona 30–60 mg/dia por 4–6 semanas com desmame) para doença extensa.
- Fototerapia (preferencialmente UVB de banda estreita), eficaz especialmente em formas generalizadas.
- Acitretina oral (30 mg/dia por 8 semanas) mostrou benefício em ensaio randomizado, mas possui efeitos colaterais relevantes.
Outros tratamentos
- Antihistamínicos orais para prurido.
Medicamentos com relatos de eficácia em casos refratários incluem: metotrexato, talidomida, heparina de baixo peso molecular, griseofulvina, ciclosporina, dapsona, sulfassalazina, metronidazol, hidroxicloroquina, micofenolato de mofetila e apremilaste.
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Referências
Beth G Goldstein, MDAdam O Goldstein, MD, MPHEliot Mostow, MD. Lichen planus. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate
Dermatologia de Fitzpatrick: atlas e texto ]recurso eletrônico] I Klaus Wollf … [et ai.); tradução: André Garcia Jslabão; revisão técnica: Gabriela Fortes Escobar, Renan Rangel Bonamigo. – 8. ed. – Porto Alegre : AMG H, 2019.
RIVITTI, Evandro A. Manual de dermatologia clínica de Sampaio e Rivitti. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2024.