E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Nefropatia Diabética, uma complicação microvascular do diabetes caracterizada por alterações estruturais e funcionais nos rins que comprometem progressivamente a filtração glomerular.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Nefropatia Diabética
A nefropatia diabética, também conhecida como doença renal diabética (DKD), é uma complicação microvascular do diabetes mellitus que compromete progressivamente a estrutura e a função dos rins. Surge em decorrência da exposição prolongada à hiperglicemia, que provoca alterações metabólicas e hemodinâmicas responsáveis por danos cumulativos nas unidades filtrantes renais.
Do ponto de vista patológico, caracteriza-se por hipertrofia glomerular, espessamento da membrana basal glomerular, perda dos processos podocitários e expansão da matriz mesangial, refletindo um processo de remodelação e lesão tecidual contínua.
Reconhecida como a principal causa de doença renal terminal em diversos países desenvolvidos, a nefropatia diabética representa um importante desafio de saúde pública e destaca a necessidade de atenção integral e estratégias preventivas no cuidado das pessoas com diabetes.
Fisiopatologia da Nefropatia Diabética
A nefropatia diabética resulta de um conjunto de alterações estruturais e funcionais provocadas pela hiperglicemia crônica, que afetam progressivamente todos os compartimentos renais, incluindo o glomérulo, o túbulo, o interstício e a vasculatura. Essas modificações levam à perda da integridade da barreira de filtração glomerular, culminando em proteinúria, hipertensão e declínio gradual da função renal.
Entre as lesões patológicas principais, destacam-se a expansão difusa das células mesangiais, o espessamento da membrana basal glomerular (MBG) e a hialinização arteriolar. A MBG, composta principalmente por colágeno tipo IV e proteoglicanos carregados negativamente, atua como filtro seletivo, impedindo a passagem de proteínas de grande porte, como a albumina.
Na nefropatia diabética, a perda dessa seletividade ocorre devido à redução da expressão de proteínas essenciais como nefrina e sinaptopodina, que mantêm a integridade dos diafragmas de filtração nos podócitos.
Um dos eventos iniciais do processo fisiopatológico é a hiperfiltração glomerular, caracterizada pelo aumento da taxa de filtração glomerular e da reabsorção tubular de glicose e sódio.
Esse fenômeno é mediado pela superexpressão dos cotransportadores de sódio-glicose (SGLT1 e SGLT2), estimulada pela hiperglicemia. A redução da concentração de sódio na mácula densa leva à diminuição da resistência arteriolar e à ativação de mecanismos que intensificam a sensibilidade ao sal e a hipertensão.
Com o tempo, a hiperfiltração promove hipertrofia glomerular e tubular, contribuindo para a expansão da matriz mesangial e para o aumento do estresse oxidativo e inflamatório local. Fatores como prostaglandinas, peptídeo natriurético atrial e endotelina-1 também participam da disfunção vascular associada, perpetuando o dano glomerular.
Manifestações clínicas da Nefropatia Diabética
A nefropatia diabética desenvolve-se de forma gradual e, em seus estágios iniciais, costuma ser assintomática, sendo frequentemente identificada por meio de exames de rastreamento que detectam proteinúria discreta (entre 30 e 300 mg/g de creatinina).
Com a progressão da doença, podem surgir sinais e sintomas relacionados ao comprometimento renal e às complicações metabólicas do diabetes. Entre os achados mais característicos estão:
- Urina espumosa, decorrente da perda excessiva de proteínas (>3,5 g/dia);
- Edema de membros inferiores, resultado da hipoalbuminemia e do síndrome nefrótico;
- Fadiga e fraqueza, relacionadas à retenção de toxinas urêmicas e à perda de proteínas.
Além das manifestações renais, os pacientes frequentemente apresentam condições associadas ao diabetes, como hipertensão arterial, doença arterial coronariana, doença vascular periférica e retinopatia diabética, esta última com forte correlação com o comprometimento renal.
Outros achados sistêmicos comuns incluem tontura, polidipsia, poliúria, polifagia, visão borrada, neuropatia periférica, úlceras nos pés, cicatrização retardada, infecções recorrentes, náuseas, vômitos e acantose nigricans (em T2D), além de perda de peso não intencional (em T1D).
Diagnóstico da Nefropatia Diabética
O diagnóstico da nefropatia diabética baseia-se principalmente na detecção de proteinúria persistente, considerada o marcador clássico da doença. Entretanto, devido à evolução do entendimento fisiopatológico do diabetes, o diagnóstico atualmente envolve uma abordagem mais ampla, que inclui biomarcadores emergentes e avaliação de lesão túbulo-intersticial além do glomérulo.
Proteinúria e albuminúria
A proteinúria persistente é o achado central da nefropatia diabética. Recomenda-se que:
- Pacientes com diabetes tipo 1 sejam testados a partir de 5 anos após o diagnóstico;
- Pacientes com diabetes tipo 2 sejam avaliados no momento do diagnóstico e, depois, anualmente.
A confirmação requer duas ou mais amostras de urina, idealmente coletadas pela manhã, com resultados alterados em um intervalo de pelo menos 3 meses, o que permite distinguir a albuminúria persistente de aumentos transitórios.
Os valores de referência são:
- Albuminúria moderadamente aumentada (A2): 30 a 300 mg/24h ou relação albumina/creatinina entre 20 e 200 mg/g;
- Albuminúria severamente aumentada (A3): >300 mg/24h.
O aumento progressivo da proteinúria reflete o declínio da função renal e está diretamente associado à gravidade da doença.
Biomarcadores urinários
Devido à baixa sensibilidade e especificidade da albuminúria e da creatinina para detectar precocemente a nefropatia diabética, novas moléculas vêm sendo estudadas como marcadores de lesão tubular precoce.
Entre os mais promissores estão:
- NGAL (Neutrophil Gelatinase-Associated Lipocalin): indica lesão no segmento distal e na alça de Henle, podendo se elevar antes mesmo da albuminúria;
- KIM-1 (Kidney Injury Molecule-1): associado à lesão do túbulo proximal, com aumento precoce na urina;
- Periostina: marcador adicional de dano renal progressivo.
Esses biomarcadores têm mostrado sensibilidade e especificidade variáveis,por exemplo, NGAL (76% e 55%), KIM-1 (63% e 90%) e Periostina (80% e 66%), mas sua combinação pode aprimorar o diagnóstico precoce da nefropatia diabética.
Tratamento da nefropatia diabética
O tratamento da nefropatia diabética é multifatorial e visa retardar a progressão da doença renal, reduzir o risco cardiovascular e melhorar a sobrevida global.
Redução do risco cardiovascular e controle de fatores modificáveis
O manejo global do paciente com nefropatia diabética envolve:
- Cessação do tabagismo;
- Controle rigoroso do perfil lipídico;
- Perda de peso e dieta equilibrada, com limitação de sódio e proteínas de origem animal.
Essas medidas reduzem significativamente a progressão da doença renal e os desfechos cardiovasculares adversos.
Controle glicêmico
O controle intensivo da glicemia é mais eficaz quando iniciado precocemente, antes do surgimento das complicações microvasculares. Estudos clássicos como o UKPDS (em diabetes tipo 2) e o DCCT (em diabetes tipo 1) demonstraram que manter a HbA1c em torno de 7% reduz o risco de complicações renais e cardiovasculares.
O efeito prolongado da boa glicemia inicial é conhecido como “memória metabólica”, que confere benefícios mesmo anos após a normalização dos níveis de HbA1c. Contudo, o controle excessivamente rigoroso pode aumentar o risco de hipoglicemia grave, especialmente em pacientes com doença renal avançada, razão pela qual as metas devem ser individualizadas.
Controle da pressão arterial e bloqueio do sistema renina-angiotensina
O controle da pressão arterial é essencial para retardar a progressão da nefropatia diabética. As diretrizes KDIGO recomendam manter a PA abaixo de 120/80 mmHg, sempre considerando o contexto clínico.
Os inibidores da ECA (IECA) e os bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) são pilares do tratamento, devendo ser utilizados em todas as pessoas com diabetes e hipertensão, salvo contraindicações. Essas drogas reduzem a albuminúria, protegem o glomérulo e diminuem eventos cardiovasculares, com benefícios comprovados em grandes estudos como RENAAL, IDNT, HOPE e IRMA2.
O uso combinado de IECA e BRA não é recomendado devido ao risco de insuficiência renal aguda e hipercalemia. Em pacientes com doença renal avançada, a continuidade da terapia deve ser avaliada individualmente, visto que os resultados do STOP-ACEI trial não mostraram benefícios adicionais.
Antidiabéticos com efeito renoprotetor
Metformina
- Primeira escolha em pacientes com T2D e TFG >30 mL/min/1,73m².
- Reduz risco cardiovascular e mortalidade.
- Deve ser suspensa quando TFG <30 e usada com dose reduzida entre 45–60 mL/min/1,73m².
- Exige monitorização de vitamina B12 e folato.
Agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1 RAs)
- Recomendados quando o controle glicêmico não é alcançado com metformina ou SGLT2i.
- Demonstram benefícios cardiovasculares e renais, além de favorecerem a perda de peso.
Inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2i)
- Agem reduzindo a reabsorção de glicose e sódio no túbulo proximal, o que diminui a hiperfiltração glomerular e a albuminúria.
- Apresentam efeitos protetores renais e cardiovasculares independentes da glicemia.
- Estudos como EMPA-REG, CANVAS, DECLARE-TIMI, CREDENCE e DAPA-CKD confirmaram benefícios significativos, incluindo redução de risco de DRT e eventos cardiovasculares maiores.
Antagonistas do receptor mineralocorticoide
O bloqueio do receptor de mineralocorticoides reduz inflamação e fibrose renais.
- Espironolactona e eplerenona reduzem a proteinúria, mas estão associadas a hipercalemia e efeitos adversos hormonais;
- Finerenona, antagonista não esteroidal, mostrou eficácia superior e melhor tolerabilidade, reduzindo albuminúria e eventos cardiovasculares em estudos como FIDELITY-DKD, FIGARO-DKD e FINEARTS-HF;
- Esaxerenona, de mecanismo semelhante, é utilizada em alguns países asiáticos, também com resultados favoráveis.
Terapias adicionais e reposição renal
- Substâncias naturais, como Shenkang (combinação de extratos vegetais chineses) e isoquercitrina, mostraram efeitos promissores em modelos experimentais, reduzindo fibrose e melhorando a expressão de nefrina, mas ainda carecem de validação clínica ampla.
- Quando a taxa de filtração glomerular cai para 10–15 mL/min/1,73m², indica-se terapia renal substitutiva, diálise (hemodiálise ou peritoneal) ou transplante renal;
- O transplante simultâneo de pâncreas e rim tem apresentado excelentes resultados em pacientes com diabetes tipo 1, proporcionando melhor controle metabólico e maior sobrevida.
Aprenda mais!
youtube.com/watch?v=9airUhD__2Y
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Referências
Rout P, Jialal I. Diabetic Nephropathy. [Updated 2025 Jan 9]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK534200/
Amy K Mottl, MDKatherine R Tuttle, MD, FASN, FACP, FNKF. Diabetic kidney disease: Manifestations, evaluation, and diagnosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate



