No dia a dia ou no hospital, um tema de grande relevância é a hepatite medicamentosa. Apenas para citar casos mais recentes, devemos sempre ter em mente que durante a pandemia do COVID-19 falou-se muito a respeito dos efeitos deletérios da ivermectina em doses excessivas sem um real benefício contra a infecção viral. Mas, diversos medicamentos podem ser causa de gerar lesões hepáticas e devemos ter cuidado em nossas prescrições. Leia o texto a seguir e vamos explorar esse tema da hepatologia!
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Conceitos introdutórios sobre hepatite medicamentosa
Há diversos fármacos que podem ser a causa para a hepatite medicamentosa. Devemos ter conhecimento dos principais, no tocante a maior prevalência e maior uso no ambiente hospitalar e ambulatorial. Sabemos que cerca de 60% dos casos de lesão hepática induzida por droga é devido ao uso de antibióticos e anticonvulsivantes.
Outras classes de medicamentos que comumente estão associadas a quadros de hepatite medicamentosa são: antirretrovirais, anestésicos (com destaque aos halotanos), anti-inflamatórios não esteroidais, estatinas e anti fúngicos. Iremos dar destaque para as principais causas, que podem ser resumidas aos “3 As”: antibióticos, anticonvulsivantes e o acetaminofeno (paracetamol).
Devemos também lembrar que nem todo paciente está sob risco de apresentar essa lesão hepatocelular aguda. Há grupos de risco os quais são de maior risco e devem sofrer maior vigilância. São eles:
- Uso de álcool;
- Hepatopatia prévia;
- Uso concomitante de 2 ou mais drogas hepatotóxicas;
- Fatores genéticos;
- Sexo feminino; e
- Idade avançada.
Quadro clínico de hepatite medicamentosa
O quadro clínico pode variar desde formas mais leves até formas graves, com necessidade até de transplante hepático. A apresentação mais comum é a assintomática, com apenas alterações laboratoriais evidenciadas. Quando há sintomas, podemos ter: febre baixa, mialgia, artralgia, náuseas, vômitos e dor abdominal e por vezes temos icterícia.
Classificação
Quando estamos diante de um quadro de hepatite medicamentosa, podemos classificá-la quanto a sua apresentação clínica predominante e ao seu mecanismo de lesão.
Apresentação clínica
- Lesão hepatocelular: predomínio de alteração laboratorial com elevação de TGO e TGP.
- Colestase: predomínio de alteração laboratorial com elevação de enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e GGT).
- Mista: há padrão de lesão tanto hepatocelular quanto colestática.
Mecanismo de lesão
- Dose-dependente: trata-se de quadro com lesão direta ao hepatócito levando a sua necrose. Apresenta-se com sintomatologia relacionada à dose, previsível, período de latência curto, prognóstico ruim. O principal modelo seria a toxicidade por paracetamol.
- Idiossincrásica: trata-se de quadro com necrose hepatocitária e/ou colestase. Não tem relação com a dose empregada, quadro imprevisível, período de latência variável, prognóstico melhor. O principal modelo seria quadro imunomediado ou metabólito tóxico.
Hepatite medicamentosa por paracetamol
O paracetamol se trata de um dos principais fármacos associados à lesão direta do hepatócito, com mecanismo intrínseco e previsível.
São consideradas doses tóxicas aquelas acima de 10 – 15 g/dia. Porém, em alguns pacientes com lesão hepática prévia, seja por álcool ou outras hepatopatias, observamos que doses acima de 4 g/dia já podem levar a lesão hepática.
Trata-se de uma etiologia muito comum em decorrência do uso reduzido de dipirona para controle da dor nessas populações. A consequência dessa escolha sem respaldo científico é aumento do uso de paracetamol e de opiáceos.
Nesse tipo de reação adversa, temos um antídoto eficaz: o uso da N-acetil cisteína. O uso desse medicamento é capaz de reduzir de forma significativa o risco de morte, especialmente se administrada em até 8 horas da ingestão abusiva. Em decorrência de seu caráter previsível, a depender da dose de paracetamol ingerida já devemos iniciar o tratamento e condutas pertinentes tanto para descontaminação quanto para antídoto.
Hepatite medicamentosa por outras drogas
- Estatina: a estatina é um medicamento que classicamente é utilizado em pacientes com hipercolesterolemia. Raramente causa hepatite, porém quando ela ocorre, em geral, é grave e irreversível. Seu mecanismo de injúria é idiossincrático, atribuído a um metabólito tóxico da droga.
- Isoniazida: trata-se de um medicamento bastante utilizado no contexto da tuberculose, seja no tratamento ou na profilaxia. É uma das causas mais comuns de hepatite medicamentosa, sendo seu mecanismo de ação o idiossincrático com acúmulo de metabólitos tóxicos.
- Amiodarona: trata-se de um antiarrítmico potente e está envolvida em diferentes mecanismos de lesão hepática idiossincrática. Seu mecanismo de ação para lesão parece estar envolvido no metabolismo lipídico, com formação de esteatose macrovesicular.
- Metotrexato: medicamento imunossupressor com efeito antineoplásico. Há um risco à hepatotoxicidade relacionado à dose com evolução para esteatose, fibrose e, mais raramente, cirrose.
- Carbamazepina: dentre as classes dos convulsivantes é um dos que mais classicamente estão envolvidos em lesão hepática por hipersensibilidade. Seu mecanismo é idiossincrático e padrão colestático. Deve-se evitar seu uso se o paciente já apresenta hepatopatia prévia.
- Amoxicilina-clavulanato: o uso desse antibiótico está relacionado a risco de lesão hepática induzida por medicamento. Seu padrão é colestático ou misto.
Diagnóstico e tratamento
Para estabelecermos o diagnóstico de hepatite medicamentosa devemos documentar avaliação laboratorial com lesão hepatocelular ou colestática, avaliação de fatores de risco, relação temporal entre o uso da droga e seu aparecimento, além de excluirmos outras causas para o comprometimento hepático.
- Hepatite aguda é definida como ALT/fosfatase >5
- Forma colestática é definida como ALT/fosfatase alcalina <2
- Forma mista é definida como relação entre 2 a 5
O diagnóstico se inicia na suspeição clínica. Devemos sempre pensar que pacientes nos quais se instala de forma abrupta sintomatologia relacionada a lesão hepatocelular, é imperativo pensar neste diagnóstico. Ademais, mais importante: na introdução de quaisquer medicamentos com potencial hepatotóxico devemos sempre nos antecipar frente a possibilidade da ocorrência desse quadro.
Por fim, temos casos que podem evoluir de maneira mais dramática. A insuficiência hepática aguda pode ser grave e, nesses casos, por vezes é indicado o transplante hepático como única terapêutica possível. Algo importante a se levar em consideração é o potencial grau de emergência nesse tipo de cirurgia, o que agrega aumento de morbidade e mortalidade ao paciente.
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