Hanseníase: o que é, diagnóstico, tratamento  muito mais!

Hanseníase: o que é, diagnóstico, tratamento muito mais!

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O que é hanseníase?

A hanseníase é uma doença bacteriana causada pelo Mycobacterium leprae, um bacilo Álcool-Ácido resistente que histologicamente é corado pelo método de Ziehl-Neelsen. Por muito tempo foi tida como um exemplo de doença contagiosa, entretanto, já se sabe que sua transmissão é difícil e apenas 5% dos expostos à bactéria ficam doentes.

Esse valor é baixo pelo fato de que cada ser humano responde à infecção de uma forma diferente. Algumas pessoas possuem um sistema imune suficiente para neutralizar o patógeno, outros pacientes podem ter dificuldade em tentar combatê-lo. Tal diferença faz com que a manifestação da doença seja muito variada e que existam alguns tipos de hanseníase baseados no grau e na eficiência da resposta imune do indivíduo.

No mundo, existem mais de 11 milhões de doentes. No Brasil, a incidência é de 1,56 caso por 10.000 habitantes, colocando o país como o segundo com mais casos dessa doença, a Índia ocupa o primeiro lugar.

A hanseníase é uma doença crônica, cuja incubação pode demorar décadas e os sintomas, portanto, podem demorar muito para aparecer. Inicialmente, quando os sinais clínicos se manifestam, está presente a hanseníase indeterminada. A partir desse momento, ela pode evoluir para a forma tuberculóide, dimorfa ou virchowiana.

Vale ressaltar que os principais padrões de resposta imune envolvidas na hanseníase estão relacionados às citocinas sintetizadas pelos clones de linfócitos TCD4+ e são:

  • Th1: marcada por grande liberação de IFN-gama e IL-2 pelas células T helper, as primeiras agem na ativação de macrófagos e as interleucinas para a estimulação de mais células TCD4+. Há um envolvimento de IL-12 e TNF-alfa também. É importante notar que, para a hanseníase, é a resposta mais eficiente, possivelmente pelo grande estímulo à produção de espécies reativas de oxigênio, que eliminam ou restringem a proliferação bacilar. Essa resposta contribui para a formação de granulomas; e
  • Th2: caracterizada por um padrão em que as células T liberam IL-4 com objetivo de ativar macrófagos e estimular células B para sintetizar anticorpos. Na reação do tipo 2 também estão presentes TGF-beta, IL-5 e IL-10, com grande função relacionada às células fagocitárias. Tal padrão deve contribuir para a ineficiência da resposta imunológica contra a hanseníase.

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Classificação operacional

A OMS e o Ministério da Saúde adotam critérios exclusivamente clínicos para a classificação operacional da hanseníase. Essa divisão é importante para a decisão da abordagem poliquimioterápica utilizada no tratamento do paciente. Dessa forma os casos são divididos em:

  • Paucibacilar: quando os pacientes possuem até 5 lesões na pele; e
  • Multibacilar: quando o número de lesões encontradas no paciente é maior do que 5.

Hanseníase indeterminada

A hanseníase indeterminada é caracterizada pela presença de mancha hipocrômica na pele. Na região afetada, pode surgir traços de hipotricose, alopecia, hipoidrose e hipoestesia. Isso acontece por conta da resposta inflamatória dos linfócitos na tentativa de neutralização da bactéria. 

Por ser a forma inicial da doença em seu curso clínico, a hanseníase indeterminada pode evoluir para uma das outras formas, ou, até mesmo, para o desaparecimento da doença. Vale ressaltar que a progressão para a cura é o que normalmente acontece.

Hanseníase virchowiana ou multibacilar

Esse tipo de hanseníase é marcado pela multiplicação da bactéria dentro dos macrófagos, sem enfrentar grande resistência do sistema imune. Os sinais de lesão na pele são em grande número – maior do que 5 – e sua principal característica é possuir bordas imprecisas – as lesões são difusas. Nessa forma de apresentação, as lesões na pele são tradicionalmente descritas como em ‘casca de laranja’.

A proliferação intensa do bacilo acaba lesionando os nervos, o que pode ter consequências sensitivas e motoras. Alguns dos sintomas estão relacionados à vasculite presente nesse quadro, como toxemia, dores articulares, calafrios, febre e choque.

A epiderme está preservada, entretanto, na histologia é possível perceber macrófagos espumosos, conhecidos como células de Virchow ou células claras. Por não haver neutralização do patógeno, os bacilos são visíveis e abundantes na microscopia, podendo estar agrupados em forma de globias, e não há formação de granulomas. Nesse quadro, a epiderme encontra-se separada do infiltrado inflamatório pela faixa de Unna.

Em quadros mais avançados, a face pode sofrer uma infiltração difusa, caracterizando a chamada face leonina, além de sintomas como xerose, anidrose, madarose e alopecia. As mucosas também podem ser acometidas, causando obstrução nasal, prurido ocular, hiperemia conjuntiva podendo até causar cegueira e perfuração do septo nasal.

Vale ressaltar que essa é a forma mais grave da doença, quando a imunidade celular contra o bacilo é nula, e portanto, é a principal forma capaz de transmitir a hanseníase. Tal resposta ineficiente do sistema imune é composta, predominantemente, de padrão Th2 e possui caráter genético com influências ambientais.

Hanseníase tuberculóide ou paucibacilar

Apesar do nome, essa patologia também é causada pela Mycobacterium leprae. Mas ao contrário da forma virchowiana, pacientes que desenvolvem esse tipo de hanseníase, possuem uma resposta imune relevante para o controle da infecção e limitação da proliferação do bacilo.

Por isso, há uma boa resistência à doença e os pacientes que desenvolvem essa forma podem relatar a cura das lesões sem mesmo precisar de tratamento. Tais lesões estão presentes em menor número – normalmente menor do que 5 – e possuem bordas bem delimitadas e são assimétricas.

Por conta da resposta imune, é raro encontrar bacilos no exame histológico. Entretanto, granulomas tuberculoides podem ser observados, as estruturas são formadas pela resposta Th1 e podem comprometer seriamente os nervos periféricos.

Vale ressaltar que pacientes com a forma tuberculóide da hanseníase, via de regra, não são contaminantes. 

Hanseníase dimorfa

A hanseníase dimorfa pode ser entendida como intermediária entre os dois pólos de resposta imune ao bacilo, a forma virchowiana e a forma tuberculóide. Desse modo, pacientes que desenvolvem hanseníase dimorfa, quando entram em contato com o bacilo, possuem uma resposta imunológica parcial, mas insuficiente no combate à infecção

No exame histológico, podem ser visualizados granulomas mal formados, podendo estar presentes gigantócitos. O número de lesões é variável, já que a forma dimorfa pode se apresentar mais semelhante a uma das outras duas formas de evolução. Uma característica visível das lesões é possuir limites internos bem delimitados.

Episódios reacionais

Pacientes infectados com o bacilo podem apresentar complicações inflamatórias agudas com significativa morbimortalidade, essas são as principais causas de dano neurológico e incapacidade relacionadas à hanseníase. Alguns fatores desencadeantes podem estar relacionados, como: início do tratamento poliquimioterápico, vacinas, gestação, estresse, reexposição à bactéria e uso de medicação com iodo. As principais formas de reação hansênicas são:

  • Tipo 1: sua principal manifestação é a exacerbação das lesões com hiperestesia, eritema, edema e descamação. O comprometimento nervoso, com danos graves e funcionais pode ser visto, além de lesões novas e ulcerações. Microscopicamente, apresenta sinais agudos de inflamação com granulomas frouxos, edema, necrose e vacuolização celular, a necrose caseosa pode estar presente em casos mais intensos. Os linfócitos T são as principais células envolvidas, gerando resposta Th1, junto com citocinas pró-inflamatórias, com destaque para TNF-alfa. Nessa forma reacional, a imunidade celular é exagerada, representada pela reação tipo IV de Gell e Coombs; e
  • Tipo 2 ou eritema nodoso hansênico: ocorre principalmente em pacientes com hanseníase virchowiana, com maior frequência depois da introdução do tratamento. Clinicamente, a manifestação se dá por nódulos eritematosas que podem causar dor ou evoluir para ulceração e necrose tecidual. A reação pode cursar com quadros de eritema polimorfo com formato de alvo ou também semelhante a síndrome de Sweet, com grande edema. A reação inflamatória é sistêmica com deposição de imunocomplexos, apresenta grande semelhança à reação tipo lll de Gell e Coombs, e pode cursar com fadiga, artralgia, febre, osteíte, adenite, glomerulonefrite, entre outros. O principal mecanismo inflamatório envolvido é a grande quantidade de TNF-alfa, ativação do sistema complemento, e infiltração neutrofílica.
    Nesse caso, raramente observa-se o grave fenômeno de Lúcio que acontece por máculas purpúricas dolorosas que começam nas extremidades, as lesões possuem bordas irregulares e grande presença de bacilos ao exame, além de possibilidade de ulceração.

Sintomas

Os sintomas da hanseníase variam entre as diferentes formas de manifestação da doença. Contudo, o principal sintoma é o aparecimento de manchas na pele, que podem adquirir coloração, tamanhos, contornos e quantidades variadas – as características das lesões em cada forma de hanseníase foram citadas acima. As manchas não são pruriginosas.

No local da lesão, normalmente é observada uma alteração da sensibilidade ou sensação de formigamento, que podem ocorrer pelo comprometimento nervoso associado à hanseníase. A diminuição ou perda total da quantidade de pelos e ausência de transpiração são sintomas relacionados e perceptíveis ao local das lesões

Em pacientes não tratados e com quadro da doença mais avançado, podem aparecer caroços espalhados pelo corpo e diminuição da força muscular, localizada nos membros.

Especialmente em pacientes que desenvolvem a forma virchowiana, quando estão em um estágio bastante crônico da doença, pode haver infiltração na face e edemas nesta região, caracterizando a face leonina.

Causa da hanseníase

A hanseníase é causada pela infecção do Mycobacterium leprae. A resposta imune do corpo pode se dar de variados graus e com níveis de eficiência diversos, essa resposta inflamatória é responsável pelo aparecimento dos sintomas.

Como ocorre a transmissão da doença?

A disseminação da doença se dá pela transmissão da micobactéria causadora. Normalmente, ela acontece devido a um contato prolongado com o doente que está transmitindo, como entre parentes ou familiares com nível de convivência muito próximo e duradouro.

Os bacilos são transmitidos pela saliva e pelas secreções do nariz, dessa forma, o contato com a pele não proporciona o contágio.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico – principalmente dermatológico – e exame histológico. Os principais achados clínicos são:

  • Lesões na pele com alteração de sensibilidade. Para a correta avaliação, os exames de sensibilidade mais comumente utilizados são o de sensibilidade térmica – feito com tubos de ensaio com água quente e depois gelada – e o de sensibilidade dolorosa, além da própria sensibilidade tátil, pesquisada com algodão seco; e
  • Comprometimento de nervos, principalmente com espessamento neural. Nessa situação pode estar presente a perda de sensibilidade e alterações motoras.

O exame histológico tem como objetivo visualizar os bacilos causadores, vale lembrar que a baciloscopia positiva está presente apenas na forma multibacilar ou dimorfa da doença. Logo, a ausência de bacilos não exclui hanseníase.

Dessa forma, a Organização Mundial da saúde e o Ministério da Saúde do Brasil, adotam como critério diagnóstico a presença de dois dos seguintes achados:

  • Perda de sensibilidade em alguma lesão de pele;
  • Nervo periférico espessado; e
  • Baciloscopia positiva.

Reação de Mitsuda

Esse experimento tem como objetivo analisar a resposta do indivíduo ao bacilo da hanseníase. Ele é feito pela injeção de bacilos mortos na derme da pessoa. 

Por volta de 80 a 95% da população são Mitsuda positivo. Nessa situação, algumas semanas após a inoculação observa-se uma reação inflamatória granulomatosa sem a presença de bacilos, os quais já foram destruídos. Pacientes com esse resultado, se expostos à bactéria e desenvolverem a doença, manifestarão a forma tuberculoide ou dimorfa.

Por outro lado, em pacientes com Mitsuda negativo, de 5 a 20% da população, após a injeção, o sistema imune não é capaz de destruir os bacilos, que permanecem no local. Nessa situação não se observa resposta inflamatória nem a formação de pápulas. Caso um paciente desse grupo seja infectado e manifeste a doença, a forma observada será multibacilar ou virchowiana.

Tratamento

Por ser uma doença crônica, o tratamento é prolongado. O protocolo normalmente é focado na administração de diferentes antibióticos ao paciente, conhecidos como poliquimioterapia.

Para a forma paucibacilar o tratamento dura 6 meses, já para a forma multibacilar dura 12 meses, a indicação é de:

  • 600 mg de rifampicina 1 vez ao mês, recomenda-se que seja feita de forma supervisionada;
  • 100 mg diárias de dapsona; e 
  • 50 mg de clofazimina diárias mais uma dose mensal de 300 mg, principalmente para os casos em que a classificação operacional é multibacilar.

Esse tratamento é oferecido pelo SUS de forma gratuita. Vale ressaltar que normalmente é um tratamento curativo e pacientes que estão passando por ele não são mais contaminantes.

As formas reacionais podem exigir uma abordagem diferente, mas não contraindicam o tratamento poliquimioterápico. A forma específica da reação hansênica, junto com a análise do comprometimento nervoso, é importante para a escolha do tratamento adequado. O principal protocolo utilizado é:

  • Para a reação do tipo 1: prednisona de 1 a 1,5 mg/Kg de peso/dia até o controle do quadro agudo, com redução gradual da posologia em período de aproximadamente 6 meses. Algumas outras medidas devem ser utilizadas para o acompanhamento dos pacientes: avaliação da glicemia, controle da pressão, tratamento preventivo para estrongiloidíase, exame de fezes periódicos e atenção para o desenvolvimento de osteoporose; e
  • Para a reação do tipo 2: o controle sintomático se dá por analgésicos e AINEs. A administração de talidomida, que é sabidamente uma droga teratogênica, em doses de 100 a 400 mg/dia até a melhora clínica também é indicada.

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