Um estudo de grande escala, publicado na última quinta-feira (15) na revista Science, revelou a enorme diversidade genética da população brasileira e seus impactos diretos na saúde. A pesquisa é parte do Programa Genomas Brasil, uma iniciativa do Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), e contou com financiamento da pasta.
Intitulado Genoma de Referência do Brasileiro, o estudo sequenciou 2.723 genomas de alta cobertura e identificou mais de 8,7 milhões de variantes genéticas nunca antes relatadas em outro grupo populacional do mundo. Muitas delas indicam predisposição genética direta ou indireta a doenças cardíacas, obesidade e outras patologias, representando um avanço crucial para a medicina personalizada no Brasil.
A formação genética brasileira
A miscigenação brasileira é resultado de uma intensa e prolongada interação entre populações indígenas, europeias e africanas. Segundo o estudo, o auge da mistura genética ocorreu entre os séculos XVIII e XIX, período marcado por grandes fluxos migratórios, como o ciclo do ouro, o tráfico de escravizados e as ondas de imigração europeia.
As populações indígenas que já habitavam o território se misturaram com milhões de imigrantes europeus e africanos, criando uma das populações mais geneticamente diversas do mundo. Em média, os indivíduos analisados apresentam cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena. Além disso, foram revelados alguns padrões regionais: a ancestralidade africana é mais presente no Nordeste, enquanto a europeia predomina nas regiões Sul e Sudeste. Já as maiores proporções de ancestralidade indígena americana foram observadas na região Norte do país.
A pesquisa também mostra que, nas gerações mais recentes, é comum que pessoas tenham filhos com parceiros de origens parecidas, como etnia ou herança genética.
Diversidade genética com impacto direto na saúde
O levantamento também revelou variantes associadas a doenças infecciosas (como malária, hepatite e tuberculose) e metabólicas (como obesidade e colesterol alto). Foram identificadas mais de 64 mil variantes genéticas com potencial para interromper o funcionamento de genes, algumas exclusivas da população brasileira.
A distribuição dessas variantes está diretamente ligada às origens ancestrais: pessoas com maior ancestralidade africana ou indígena tendem a ter mais variantes raras e potencialmente nocivas, o que reforça a importância de considerar essas populações nas pesquisas médicas.
Predisposição genética a doenças cardiovasculares e metabólicas
Entre os achados mais relevantes está a relação entre variantes genéticas específicas e a predisposição a doenças cardiovasculares, como infartos e hipertensão, além de condições como obesidade e diabetes tipo 2. A presença de mutações com perda de função em genes relacionados ao colesterol, índice de massa corporal e resposta imunológica pode afetar diretamente a saúde da população. Além disso, o estudo detectou genes associados a doenças infecciosas endêmicas no Brasil, como tuberculose e leishmaniose, o que abre caminhos para novas estratégias de prevenção e tratamento baseadas no perfil genético dos brasileiros.
Seleção natural moldou fertilidade, imunidade e metabolismo
A equipe também detectou sinais claros de seleção natural atuando após a miscigenação. Genes associados à fertilidade, como espermatogênese e idade da menarca, bem como à resposta imunológica e ao metabolismo energético, mostraram indícios de terem sido favorecidos em diferentes regiões do país. Esses processos seletivos variaram conforme o clima, dieta e exposição a doenças locais, evidenciando a influência do ambiente sobre a genética da população.
Regiões brasileiras têm perfis genéticos distintos
A pesquisa também revelou diferenças marcantes entre os estados. São Paulo apresentou o maior número de ancestrais compartilhados e a maior diversidade genética, reflexo de sua história de imigração e migração interna. Já o Amazonas, mais isolado, apresentou padrões genéticos compatíveis com reduções populacionais severas e endogamia. A análise de segmentos de DNA compartilhados indica que, ao longo do tempo, as populações foram se tornando mais isoladas entre si.
Segundo o estudo, os resultados demonstram a relevância crescente de integrar populações diversas em estudos genéticos e de saúde. A formação histórica da população brasileira deixou marcas profundas no genoma de seus cidadãos — e, por consequência, em sua saúde. Segundo os autores, conhecer essa complexidade é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias de medicina de precisão que realmente atendam à realidade do Brasil.
Programa Genomas Brasil
O Programa Genomas Brasil, criado em 2020 pelo Ministério da Saúde, tem como objetivo estruturar a base da saúde de precisão no país, integrando dados genéticos da população brasileira a informações clínicas para melhorar diagnósticos, tratamentos e prevenção de doenças. A iniciativa prevê o sequenciamento de 100 mil genomas até 2026 — sendo que 36 mil já foram sequenciados e outros 31 mil já contam com financiamento.
O programa apoia mais de 250 projetos de pesquisa em saúde pública de precisão e inclui o Projeto Genoma SUS, que contribuirá com o sequenciamento de 21 mil genomas completos. Esses dados vão compor um banco genômico nacional, voltado para entender como fatores genéticos influenciam a saúde e as doenças na população brasileira. Confira o artigo na íntegra pelo site da Revista Science.
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