E aí, doc! Vamos ver um caso clínico? O tema de hoje é Climatério, um período de transição que ocorre na vida de uma mulher, marcando a mudança do período em que ela pode ter filhos para a fase em que a capacidade reprodutiva diminui.
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Vamos iniciar!
Identificação: ICK, 48 anos, sexo feminino, divorciada, enfermeira, natural de Recife – PE.
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Queixa principal (QP)
Irregularidade no ciclo menstrual há 9 meses.
História da Moléstia Atual (HMA)
Paciente relata que, inicialmente, experimentou um aumento na frequência dos episódios menstruais, menstruando duas vezes ao mês, com um aumento maior do fluxo, associado a irritabilidade e cólica. Entretanto, nos últimos três meses, observou um atraso menstrual de dois meses. Além disso, tem apresentado episódios noturnos de calor intenso, principalmente na região do rosto. Refere que anda esquecendo as coisas com mais frequência e se sentindo bem irritada e de choro fácil. A paciente relata ter vida sexual ativa, com mais de um parceiro, usa preservativo em todas as relações, mas anda se sentindo desconfortável na hora do ato sexual, com uma sensação de secura vaginal que acaba incomodando.
Interrogatório Sistemático (IS)
Geral: Relatou ganho de peso, aproximadamente uns 3 kg. Percebeu também maior queda de cabelo. Nega astenia, fraqueza.
Pele: Refere pele um pouco seca. Nega ardência, cianose, coloração anormal, equimoses, lesões, palidez, petéquias, prurido.
Músculo-esquelético: Nega dor, calor, rubor em articulações ou músculos, parestesias.
Cabeça: Nega dores de cabeça. Nega alteração na visão, audição ou sensibilidade facial.
Respiratório: Nega falta de ar, tosse persistente ou produção de catarro. Nega sangramento nasal, espirros frequentes ou obstrução nasal.
Cardiovascular: Nega alteração do ritmo cardíaco, cianose, palpitações, sopros.
Digestivo: Nega vômitos, regurgitação, disfagia, halitose, pirose, dor abdominal, constipação, diarreia, tenesmo.
Genitourinário: Relata que pelos pubianos estão ficando mais rarefeitos. Nega corrimento vaginal ou uretral, disúria, polaciúria e poliúria.
Neurológico: Nega alteração da marcha ou do equilíbrio, cefaleia, convulsões, desmaios, dislalias, disartria, paralisias, paresias, parestesias, perda de memória, vertigens.
Antecedentes ginecológicos
G2P2A0, todos de parto normal. Gestações anteriores sem complicações. Nega curetagem, cauterização ou outro procedimento invasivo. Refere menarca aos 14 anos, que anteriormente sua menstruação era regular, 28 dias, com fluxo considerado pela paciente como leve, sem coágulos.
Histórico familiar (HF)
Relata que mãe entrou na menopausa aos 50 anos.
Exame físico
Altura: 1,65 m Peso: 63 kg IMC: 23,14 FC: 70 bpm. FR: 12 ipm
Exame ginecológico: Não apresenta vermelhidão, lesões ou protuberâncias. A implantação dos pelos é normal. Fenda vulvar parece normal, sem apresentar anormalidades visíveis. A mucosa vulvar possui uma coloração dentro dos parâmetros normais. A mucosa vaginal exibe uma coloração mais esbranquiçada, com diminuição das pregas vaginais. Não há presença de secreções ou sangue e não foram identificadas áreas de hiperemia ou ulcerações.
O colo uterino está íntegro, sem presença de lesões. A fenda é linear. Anexos sem aderências, livres e não palpáveis. Não há evidências de hipersensibilidade.
Períneo: O períneo encontra-se íntegro, sem indicativos de hemorroidas, fissuras ou plicomas anais. Não foram identificados linfonodos palpáveis.
Mamas: Ambas as mamas sem lesões aparentes. Sem retrações ou abaulamentos. Sem nódulos ou locais dolorosos à palpação. Expressão papilar sem secreção.
Exames complementares
- Beta-HCG: Negativo
- FSH: 96,10 mUI/mL (elevado)
- LH: 47,10 mUI/mL (elevado)
- Progesterona: < 5pg/mL (baixo)
- Estradiol: 0,25 ng/mL (baixo)
- Prolactina: 11,90 ng/mL [VR: 6,0 a 29,9 ng/mL]
- TGO – AST: 19,1 U/L [VR: Inferior a 32,0 U/L]
- TGP – ALT: 13,9 U/L [VR: Inferior a 33,0 U/L]
- T3 – TRIIODOTIRONINA: 142,00 ng/dL [VR: 91,0 a 218,0 ng/dL]
- T4 LIVRE – TIROXINA LIVRE: 1,11 ng/dL [VR.: 0,54 a 1,70 ng/dL]
Definição de Climatério
O climatério é a fase de transição entre o período reprodutivo e não reprodutivo da mulher, marcado por mudanças endócrinas, biológicas e clínicas, ocorrendo da menacme até a menopausa. Esta última é definida como o último período menstrual, identificado após 12 meses de amenorreia. A perimenopausa, que compreende o início dos sintomas de irregularidade menstrual até o primeiro ano após a menopausa, é uma fase importante.
A menopausa é um evento fisiológico decorrente do envelhecimento ovariano, geralmente ocorrendo naturalmente no final da quarta e início da quinta década de vida, com variações globais. A média mundial da idade da menopausa é cerca de 48,78 anos. A menopausa precoce, antes dos 40 anos, pode ser espontânea ou artificial, tendo implicações clínicas específicas.
A classificação dos estágios reprodutivos femininos, proposta pelo STRAW + 10, abrange a menarca até a pós-menopausa, dividindo-se em três categorias principais e 10 subdivisões, usando as mudanças no ciclo menstrual como base para diagnóstico e classificação.
Patogenia do Climatério
Durante a transição menopausal, ocorre irregularidade no ciclo menstrual devido à variação hormonal e ovulação instável. A redução significativa do número de folículos ovarianos leva à diminuição da inibina B, resultando em elevação do FSH, acelerando a depleção folicular até o esgotamento.
Enquanto há folículos suficientes, a ovulação persiste, mantendo os níveis de estradiol normais. Com a perda contínua da reserva folicular, os níveis de estradiol diminuem, encerrando os ciclos ovulatórios e levando à amenorreia.
Na pós-menopausa, a hipófise é estimulada por picos de GnRH, resultando em hipogonadismo hipergonadotrófico. A resposta ovariana às gonadotrofinas diminui com o tempo, reduzindo os níveis de FSH e LH. O marcador AMH, indicativo do número de folículos ovarianos, torna-se indetectável após a menopausa, sendo um preditor do envelhecimento ovariano.
Com a diminuição da massa folicular, há um aumento relativo no estroma ovariano, responsável pela produção de androgênios. Embora a síntese de esteroides androgênicos diminua, a produção remanescente é suficiente para manter a atividade ovariana. Na pós-menopausa, a mulher continua a sintetizar estrogênio em menor quantidade, principalmente pela aromatização periférica da androstenediona no tecido adiposo, tornando-se o principal estrogênio circulante. A produção de progesterona cessa.
Consequências do Hipoestrogenismo
Irregularidades menstruais: ciclo menstrual irregular, amenorreia e alterações na intensidade do fluxo.
Sintomas vasomotores: fogachos e suores noturnos afetando mais de 80% das mulheres na transição menopausal.
Distúrbios do sono: menor duração, aumento dos despertares noturnos e menor eficácia do sono.
Alterações no humor: sintomas depressivos relatados por 65-89% das mulheres durante o climatério.
Alterações cognitivas: queixas de diminuição da atenção e alterações de memória, especialmente durante a perimenopausa.
Alterações cutâneas e capilares: perda de elasticidade da pele, afinamento capilar e síndrome do olho seco.
Síndrome Geniturinária da Menopausa (SGM): atrofia vulvovaginal, com sintomas genitais, sexuais e urinários.
Consequências ósseas: osteoporose devido à diminuição da densidade óssea, aumentando o risco de fraturas.
Alterações articulares: possíveis artralgias associadas ao hipoestrogenismo, ainda sujeitas a controvérsias.
Alterações cardiovasculares e metabólicas: mudanças no perfil lipídico, aumento da adiposidade abdominal e maior prevalência da síndrome metabólica.
Diagnóstico de Climatério
O diagnóstico do climatério é feito com base nos sintomas clínicos, não sendo necessário realizar exames hormonais para confirmá-lo quando há irregularidade menstrual ou ausência de menstruação, desde que o quadro clínico seja compatível. No entanto, níveis de FSH superiores a 40 mUI/mL e estradiol (E2) inferiores a 20 pg/mL são indicativos do período pós-menopáusico.
Tratamento do Climatério
Durante o climatério, além dos tratamentos farmacológicos, existem abordagens não farmacológicas que podem ser consideradas para aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida das mulheres.
Tratamento não farmacológico
Medidas comportamentais, como terapias cognitivo-comportamentais, ioga, hipnose clínica, acupuntura e exercícios, têm apresentado eficácia limitada e, portanto, não são amplamente recomendadas. No entanto, a perda de peso demonstrou ser uma abordagem que pode contribuir para a redução dos sintomas vasomotores em algumas mulheres.
Terapêutica Hormonal (TH)
A terapia hormonal (TH) para tratar os sintomas da menopausa abrange diversos hormônios, vias de administração, doses e esquemas, sendo considerada o tratamento mais eficaz para os sintomas vasomotores resultantes da falência ovariana, apesar das controvérsias recentes .
Para a maioria das mulheres sintomáticas com menos de 60 anos ou dentro do período de 10 anos da pós-menopausa, os benefícios da TH superam os riscos. Vale ressaltar que os riscos e benefícios variam entre mulheres na transição da menopausa e aquelas mais velhas.
O momento de iniciar a TH também é um ponto crucial. Iniciar a TH em mulheres com mais de 10 anos de pós-menopausa pode aumentar o risco de doença cardiovascular (DCV). No entanto, quando iniciada na peri e pós-menopausa inicial, a TH pode, na verdade, reduzir o risco cardiovascular, seguindo o conceito de “janela de oportunidade”. É fundamental que a prescrição da TH seja baseada em uma clara indicação e na ausência de contraindicações.
Os tratamentos disponíveis para mulheres na menopausa dependem da presença ou ausência do útero e podem ser resumidos da seguinte forma:
- Para mulheres que passaram por histerectomia (remoção do útero): o uso exclusivo de estrogênio.
- Para mulheres com útero: a combinação de estrogênio e progestagênio é recomendada para proteção endometrial.
- Terapia Sequencial: consiste em estrogênio contínuo junto com progestagênio por 12 a 14 dias no mês ou a cada três a seis meses. Essa abordagem é preferencial, especialmente nos primeiros anos após a menopausa.
Tratamento farmacológico não hormonal
Para mulheres que experimentam ondas de calor intensas a moderadas e optam por não utilizar ou têm contraindicações para a Terapia de Reposição Hormonal (TH), existem alternativas não hormonais que podem oferecer alívio aos sintomas.
Os antidepressivos e a gabapentina são destacados por sua eficácia moderada nesse contexto. No entanto, a escolha entre essas opções deve ser personalizada, levando em consideração as preferências e o perfil específico de cada paciente, geralmente começando com as menores doses disponíveis.
Para mulheres que enfrentam sintomas de ondas de calor e estão em tratamento contra o câncer de mama com tamoxifeno, é crucial evitar o uso de certos antidepressivos, como paroxetina e fluoxetina, pois podem interferir na eficácia do tamoxifeno.
No que diz respeito aos fitoestrogênios, embora exista uma variedade de compostos disponíveis, os resultados de estudos sobre sua eficácia são inconclusivos e controversos. Mais pesquisas são necessárias para validar a eficácia de derivados da daidzeína e equol-derivados. Entretanto, fitomedicamentos como soja (Glycine max Merr), trevo-vermelho (Trifolium pratense) e cohosh preto (Actaea racemosa) não demonstraram eficácia significativa.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica fora das provas, seja da faculdade, concurso ou residência. Veja um exemplo logo abaixo:
SP – HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS – HSL – 2024
Mulher de 45 anos de idade queixa-se de ondas de calor intensas desde que foi operada para remoção de tumor de ovário direito, classificado como cistoadenocarcinoma seroso estádio 1, há 3 anos. A cirurgia foi considerada completa (histerectomia, anexectomia bilateral, omentectomia e linfadenectomia, ausência de neoplasia exceto no ovário direito) e não houve necessidade de terapia complementar sistêmica. Refere ter artrite reumatoide em uso de imunobiológico há 6 anos, com melhora importante do quadro de dor articular. Demais exames de rastreamento de neoplasias (mama e cólon) estão normais. Para o tratamento do climatério, indica-se:
A) estrogênio transdérmico.
B) derivados de soja por via transdérmica.
C) progesterona natural micronizada por via vaginal.
D) estrogênio associado a progesterona por via oral.
E) sertralina ou sulpirida.
Opção correta: Alternativa “A”
Comentário da questão:
A) Alternativa “a” correta, pois a paciente não tem contraindicação à terapia hormonal e por não ter útero pode usar estrogênio isoladamente.
B) Alternativa “b” incorreta, pois os fitoterápicos são empregados por via oral e não tem eficácia comprovada.
C) Alternativa “c” incorreta, pois a progesterona não tem papel no tratamento dos sintomas vasomotores.
D) Alternativa “d” incorreta, pois a paciente não precisa de progesterona para proteção endometrial.
E) Alternativa “e” incorreta, pois a sulpirida não é empregada para tratamento de sintomas vasomotores e mesmo a sertralina não tem grandes estudos que comprovem sua eficácia.
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Referências
Tratado de Ginecologia FEBRASGO – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. BEREK, J.S.