E aí, doc! Vamos ver um caso clínico? O tema de hoje é Dengue, uma arbovirose muito comum no Brasil, especialmente no verão.
O Estratégia MED quer te ajudar a entender mais um conceito, que com certeza vai auxiliar nos seus conhecimentos para ser um profissional melhor. Está pronto? Vamos juntos!
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Identificação
GBF, 19 anos, sexo masculino, cortador de grama, solteiro, natural de Maringá – PR.
Queixa principal (QP)
Dor no corpo todo há 2 dias.
História da Moléstia Atual (HMA)
Paciente comparece à UPA com queixa de dor no corpo, associado a fraqueza. Relata que, há 2 dias, teve um quadro de febre mensurada em 38,5 ºC. Nesse mesmo dia, não foi trabalhar devido estar se sentindo muito fraco. Paciente também queixa-se de dor de cabeça intensa holocraniana, em aperto, com uma sensação de peso na cabeça, dor retro-orbitária e fotossensibilidade. Além disso, refere que desde ontem vem sentindo náuseas e diarreia. Ele também percebeu que ontem começou a ter manchas vermelhas em várias partes do corpo, como tronco, mãos, pés e abdômen, e coceira nas mãos. Nega dor abdominal, vômitos, sangramento em nariz ou boca. Ele relatou que o filho do vizinho também estava com sintomas semelhantes aos dele na semana passada.
Interrogatório Sistemático (IS)
Geral: Está com muita dificuldade para dormir. Nega perda de peso.
Pele: Vide HMA. Nega cianose, equimoses, lesões, edema.
Músculo-esquelético: Vide HMA. Nega dor em articulações.
Cabeça: Vide HMA. Nega alteração da acuidade visual, diplopia, acuidade auditiva, otalgia, otorreia, zumbidos, condições dos dentes e gengivas.
Respiratório: Nega dor torácica ventilatório-dependente, dispneia, epistaxe, espirros, hemoptise, obstrução nasal, prurido nasal, rinorreia, rouquidão, sibilância, tosse.
Cardiovascular: Nega alteração do ritmo cardíaco, cianose, palpitações, sopros.
Digestivo: Vide HMA. Nega regurgitação, disfagia, halitose, pirose, constipação, tenesmo.
Genitourinário: Nega alteração da cor da urina e alteração do jato urinário.
Neurológico: Nega alteração da marcha ou do equilíbrio, convulsões, desmaios, dislalias, disartria, paralisias, paresias, parestesias, perda de memória, vertigens.
História Social
Paciente relata morar com pais. Em casa não possui locais que possam ter água parada, como plantas, garrafas, caixa de água descoberta. Entretanto, fala que o seu vizinho possui muitas plantas em vasos.
Exame físico
Altura: 1, 65 m Peso: 69 kg IMC: 25,3 FC: 88 bpm. FR: 12 ipm
Temperatura axilar: 37, 8 ºC
Gerais: Regular Estado Geral, orientado, lipotímeo, hidratado, mucosas coradas, nutrido, acianótico, anictérico, condições de higiene adequadas, sem postura preferencial.
Pele: presença de exantema maculopapular em tronco, abdômen, pescoço, membros superiores e inferiores, incluindo mãos e pés.
Cardiovascular: precórdio normodinâmico. Ictus invisível, palpável em 5º EIC na LHCE medindo cerca de 2 polpas digitais, não propulsivo. Ausência de atritos. RCR 2T c/ BNF. Ausência de sopros ou extrassístoles. Pulsos arteriais periféricos simétricos, sincrônicos e com boa amplitude.
Respiratório: tórax e pulmões: simétricos, sem esforço respiratório. Expansibilidade preservada bilateralmente. FTV uniformemente palpável bilateralmente. Som claro atimpânico à percussão. MVBD s/ RA.
Abdominal: plano, com exantema maculopapular. RHA+ nos quatro quadrantes. Espaço de Traube livre. abdômen indolor à palpação superficial e profunda. Ausência de massas e visceromegalias. Som timpânico à percussão.
Neurológico: lúcido e orientado. Sem déficit motor aparente. Pupilas isocóricas e fotorreagentes. Reflexos superficiais profundos presentes simétricos e sem anormalidades.
Exames complementares
Hemograma: Hemácias: 4,50 milhões/mm3 [VR: 4,00 a 5,00 milhões/mm3]; Hemoglobina: 14,7 g/dL [VR: 13 a 16,0 g/dL]; Hematócrito: 38,2 % [VR: 36 a 47 %]; Vol. Globular Médio: 78,3 fL [VR: 80 a 99 fl] Hem. Globular Média: 25,2 pg [VR: 27 a 33 pg] C.H. Globular Média: 32,2 g/dL [VR: 32 a 36 g/dL] RDW: 13 % [VR: Até 16,0%].
Plaquetas: 140.000 /mm3 [ VR:150.000 a 450.000/mm3]
Teste de NS1 – Teste rápido Dengue: Positivo
Hipóteses diagnósticas
Zika: A infecção por Zika é caracterizada por febre moderada, dores articulares, conjuntivite, cefaleia e, eventualmente, erupção cutânea. Destaca-se pela associação preocupante com complicações neurológicas, principalmente a síndrome de Guillain-Barré. Esse risco é particularmente relevante em gestantes, pois o vírus pode ser transmitido ao feto, resultando em microcefalia e outras anomalias congênitas. A conjuntivite é uma característica distintiva, e embora muitos casos sejam assintomáticos, a vigilância é crucial devido às implicações para a saúde fetal.
Chikungunya: A infecção por Chikungunya se manifesta com febre elevada, dores articulares intensas, fadiga, cefaleia e, em alguns casos, erupção cutânea. A dor nas articulações é marcante, persistindo por semanas a meses após a infecção aguda, impactando significativamente a qualidade de vida dos afetados. Complicações raras, como encefalite, podem ocorrer. A febre é muitas vezes abrupta, e a doença, embora geralmente autolimitada, pode causar sintomas debilitantes, especialmente a longo prazo devido à persistência das dores articulares.
Definição de Dengue
A dengue é uma doença febril aguda, sistêmica e dinâmica, com um amplo espectro clínico. Ela pode variar desde formas leves até casos graves, podendo, em alguns pacientes, resultar em complicações fatais.
No Brasil, a dengue é a arbovirose mais prevalente. O país abriga cinco sorotipos distintos do vírus (DENV-1 a DENV-5), concentrados principalmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Essa distribuição é influenciada pelo clima tropical e subtropical predominante nessas regiões, que favorece a proliferação do vetor, o mosquito Aedes aegypti.
A complexidade clínica da dengue, associada à diversidade dos sorotipos, destaca a importância da vigilância constante e intervenções preventivas para conter a propagação e minimizar os impactos dessa doença significativa no cenário de saúde pública brasileira.
Quando a dengue se manifesta com sintomas, ela desencadeia uma doença abrangente e dinâmica que varia significativamente em sua apresentação clínica. Essa variação pode ir desde formas com poucos sintomas até quadros graves, com risco de evoluir para óbito. A doença se desenvolve em três fases clínicas distintas: a febril, a crítica e a de recuperação. Durante essas fases, os sintomas e a gravidade da condição do paciente podem passar por mudanças marcantes:
Fase Febril: durante a fase febril da dengue, que se estende por aproximadamente 2 a 7 dias, o paciente experimenta uma resposta inflamatória sistêmica à presença do vírus na corrente sanguínea. Isso se manifesta com o início abrupto de febre elevada, intensa prostração, dor de cabeça retro-orbitária, dores musculares e articulares, juntamente com o sintoma comum de erupção cutânea.
Fase Crítica: após a conclusão da fase febril, o paciente pode seguir para a fase crítica. Nesta etapa, ocorre uma expressiva disfunção endotelial, levando ao aumento da permeabilidade vascular. Essa condição pode resultar em choque devido à hipovolemia, sendo o choque a principal causa de mortalidade na dengue, diretamente ligado ao extravasamento de plasma. Hemorragias também são possíveis devido à disfunção endotelial, associada à trombocitopenia e/ou coagulopatia de consumo.
Fase de Recuperação: a fase de recuperação emerge aproximadamente 24 a 48 horas após a fase crítica, marcando a reabsorção gradual do plasma extravasado e a melhoria progressiva do estado clínico do paciente. Durante esse período, observa-se uma recuperação dos sintomas e uma tendência positiva no quadro geral de saúde.
Diagnóstico de Dengue
Para diagnosticar a dengue, é possível realizar exames laboratoriais que detectam o vírus ou os anticorpos produzidos pelo organismo em resposta à infecção. Até o quinto dia dos sintomas, é viável realizar testes, como a pesquisa de antígeno NS1 ou o RT-PCR, para identificar a presença do vírus. A partir do sexto dia, é mais apropriado solicitar um exame sorológico, que busca anticorpos IgM, indicando a resposta imunológica do corpo à infecção.
Como não há esses testes em todos os lugares, você deve entender os sinais e sintomas para iniciar a sua suspeita de dengue. Também é importante avaliar a possibilidade de ser zika ou chikungunya.
Durante a anamnese, é essencial investigar a presença de febre, seu início e outros sintomas, bem como sinais de alarme, alterações gastrointestinais, e possíveis alterações no estado de consciência. A análise da diurese, histórico familiar de dengue e viagem recente para áreas endêmicas também são importantes, assim como considerar condições preexistentes como idade, gestação, obesidade e doenças crônicas.
No exame físico, os sinais vitais, o estado de consciência, a hidratação e o estado hemodinâmico são avaliados. Manifestações como efusão pleural, taquipneia, dor abdominal, exantema e sinais hemorrágicos são observados. O médico deve utilizar a prova do laço para avaliar hemorragias e determinar a fase da doença.
A partir dessas avaliações, os médicos buscam responder perguntas cruciais, como se o caso é de dengue, em qual fase o paciente se encontra, se há sinais de alarme, qual o estado hemodinâmico e de hidratação, se existem condições preexistentes aumentando o risco e em qual grupo de estadiamento o paciente se enquadra. Decisões sobre a necessidade de hospitalização, o tipo de leito e outros aspectos do manejo clínico são determinadas a partir dessa avaliação integrada.
Classificação da Dengue
A classificação de risco específica para pacientes com dengue visa reduzir o tempo de espera no serviço de saúde e aprimorar a assistência prestada, categorizando os pacientes em grupos: A (Azul) – atendimento conforme horário de chegada, B (Verde) – prioridade não urgente, C (Amarelo) – urgência, atendimento o mais rápido possível, e D (Vermelho) – emergência, necessidade de atendimento imediato.
O estadiamento do paciente em relação ao quadro clínico determina decisões clínicas, laboratoriais, de hospitalização e terapêuticas, já que o paciente pode transitar entre os grupos em curtos períodos durante a evolução da doença. O manejo adequado depende do reconhecimento precoce dos sinais de alarme, acompanhamento contínuo, reestadiamento dinâmico e pronta reposição volêmica.
A revisão da história clínica, acompanhada de exame físico completo em cada reavaliação do paciente, torna-se essencial para garantir o manejo adequado.
Tratamento da Dengue
É importante iniciar falando que na suspeita de Dengue você pode tomar Paracetamol e Dipirona! Além disso, repouso é bastante importante. Entretanto, a conduta que deve ser tomada baseia-se na classificação da dengue.
Logo abaixo está um quadro com o manejo adequado para cada classificação, feito pelo Ministério da Saúde.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica fora das provas, seja da faculdade, concurso ou residência. Veja um exemplo logo abaixo:
DF – SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL – SES DF – 2024
Uma paciente de 57 anos de idade, com miocardiopatia chagásica, insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida em seguimento com cardiologia, procurou o pronto socorro queixando-se de febre, mialgia e dor retro-orbitária há três dias. Foi realizada sorologia para dengue com NS1 positivo. Ao exame físico, mostrou-se sem alterações de sinais vitais, com prova do laço negativa.
Com base nesse caso clínico, é correto afirmar que se trata de um caso de dengue do grupo:
A) A
B) B
C) C
D) D
Opção correta: Alternativa “B”
Comentário da questão:
A) incorreta A. Pela presença da ICFEr, não podemos classificar o paciente como sendo do grupo A.
B) correta B. O grupo B compreende os casos de suspeita de dengue sem sinais de alarme ou de choque, mas com sangramento de pele espontâneo (petéquias) ou induzido (prova do laço), ou com comorbidades ou condições especiais. São pacientes com risco mais elevado para complicações pela dengue e exigem maior atenção que aqueles do grupo A.
Comorbidades e condições especiais e/ou de risco:
– Idade < 2 anos ou > 65 anos;
– Gestantes;
– Hipertensão arterial sistêmica ou doenças cardiovasculares graves;
– Diabetes mellitus;
– Doença pulmonar obstrutiva crônica;
– Doença renal crônica;
– Doença ácido péptica;
– Risco social importante (Ex moradores de área livre)
– Hepatopatias;
– Doenças autoimunes.
C) incorreta C. Não nos é descrito no enunciado nenhum dos sinais de alarme dos casos de dengue, portanto, não é do grupo C.
D) incorreta D. Não nos é descrito no enunciado nenhum dos sinais de choque dos casos de dengue, portanto, não é do grupo D.
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Referências
Dengue : diagnóstico e manejo clínico : adulto e criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento de Doenças Transmissíveis. – 6. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2024.