Olá, querido doutor e doutora! Hoje vamos conhecer o caso de uma gestante que apresenta sintomas inespecíficos no terceiro trimestre, com rápida deterioração clínica. Um quadro que exige atenção imediata e pode ameaçar a vida da mãe e do bebê. Vamos ao caso?
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Informações da paciente
Nome: Juliana Lopes da Costa
Idade: 28 anos
Gesta: G1P0A0
Idade gestacional: 35 semanas
Motivo da consulta: Náuseas persistentes, icterícia e mal-estar generalizado
Histórico da moléstia atual
Juliana, com 35 semanas de gestação, procurou atendimento por apresentar náuseas persistentes, fadiga intensa e perda de apetite há quatro dias. Evoluiu com episódios de vômitos frequentes, dor abdominal difusa com maior intensidade no hipocôndrio direito e surgimento de icterícia. Nos dois dias anteriores à admissão, passou a relatar crises de sudorese com tremores — compatíveis com hipoglicemia — e sensação de confusão mental, além de um episódio de oligúria. Ela nega febre inicial, mas refere calafrios nas últimas 24 horas.
História patológica pregressa
Juliana não possui doenças crônicas conhecidas e nunca foi submetida a cirurgias. Esta é sua primeira gestação (G1P0A0), acompanhada com pré-natal regular, sem intercorrências até o episódio atual. Nega uso contínuo de medicamentos, não apresenta alergias conhecidas e não tem histórico prévio de doenças hepáticas. Refere ausência de consumo de álcool, tabaco ou outras substâncias.
Histórico familiar
Não há registros de doenças hepáticas hereditárias ou doenças metabólicas conhecidas na família. A mãe de Juliana teve pré-eclâmpsia durante a gravidez, mas sem complicações hepáticas. Nenhum familiar foi diagnosticado com deficiência da enzima LCHAD ou distúrbios relacionados ao metabolismo de ácidos graxos. Não há histórico de síndrome HELLP, hepatites ou falência hepática aguda entre parentes próximos.
Histórico social
Juliana é professora do ensino fundamental, reside em área urbana com boa infraestrutura e acesso regular ao serviço de saúde. Vive com o marido, que a acompanha nas consultas. Não fuma, não consome bebidas alcoólicas e mantém hábitos alimentares equilibrados. Realiza atividades leves em casa e não esteve exposta recentemente a situações de risco ocupacional ou ambiental. Seu pré-natal está sendo realizado em uma unidade de atenção primária, com boa adesão às consultas e exames solicitados.
Exame físico
Juliana encontra-se em estado geral comprometido, com icterícia evidente, fácies abatida e nível de consciência rebaixado (confusão mental). Está desidratada, com hipotensão (PA: 90×60 mmHg), taquicardia (FC: 116 bpm) e frequência respiratória de 22 irpm. Temperatura de 37,8 °C.
O exame abdominal revela dor difusa, com predomínio no hipocôndrio direito, sem sinais de peritonite. O fígado é palpável a 2 cm do rebordo costal direito. Há petéquias em membros inferiores e reflexos lentificados, sugerindo comprometimento neurológico leve.
Exames complementares
Foram solicitados exames laboratoriais e de imagem diante da suspeita de disfunção hepática aguda:
- AST: 245 U/L;
- ALT: 210 U/L;
- Bilirrubina total: 6,8 mg/dL (direta: 4,2 mg/dL);
- Glicemia: 58 mg/dL;
- Leucograma: 14.300 leucócitos/mm³;
- Plaquetopenia leve: 98.000/mm³;
- INR: 2,1;
- Fibrinogênio: 110 mg/dL;
- Creatinina: 1,9 mg/dL;
- Ácido úrico: 7,2 mg/dL;
- Amonemia: elevada;
- USG abdominal: fígado discretamente aumentado, com ecotextura heterogênea, sem sinais de colestase;
- Critérios de Swansea: 7 de 14 critérios preenchidos.
Hipótese diagnóstica
O conjunto de sintomas apresentados por Juliana — náuseas persistentes, icterícia progressiva, dor abdominal, hipoglicemia, confusão mental e alterações laboratoriais compatíveis com disfunção hepática — em uma gestante no terceiro trimestre, aliado ao preenchimento de 7 critérios de Swansea, é altamente sugestivo de Esteatose Hepática Aguda da Gestação (EHAG).
O quadro é reforçado pela ausência de outras causas aparentes, como síndrome HELLP, hepatite viral ou colestase intra-hepática da gestação, tornando a EHAG a principal hipótese diagnóstica.
Condutas
Diante do quadro clínico sugestivo de esteatose hepática aguda da gestação, Juliana foi internada imediatamente em unidade de terapia intensiva, com suporte intensivo e monitoramento contínuo. Iniciou-se infusão contínua de glicose para correção da hipoglicemia, além de hidratação venosa controlada para preservar a função renal. Foram administrados hemoderivados — plasma fresco, crioprecipitado e plaquetas — visando correção da coagulopatia.
Após avaliação obstétrica de urgência, indicou-se interrupção da gestação por cesariana, devido à deterioração clínica materna e risco fetal iminente. No pós-parto, a paciente permaneceu sob vigilância rigorosa para complicações como sangramentos, falência hepática, encefalopatia e disfunção renal. Considera-se a necessidade de transplante hepático caso não haja sinais de recuperação clínica e laboratorial nas primeiras 72 horas.
Perguntas
- Qual o principal fator de risco genético relacionado à EHAG?
A principal condição genética associada à esteatose hepática aguda da gestação é a deficiência fetal da enzima LCHAD (long-chain 3-hydroxyacyl-CoA dehydrogenase). Quando o feto é homozigoto para essa mutação e a mãe é heterozigota, ocorre acúmulo de ácidos graxos não metabolizados que atravessam a placenta e sobrecarregam o fígado materno, desencadeando o quadro clínico.
- Como é feito o diagnóstico clínico da EHAG?
O diagnóstico é baseado em suspeita clínica elevada diante de gestante no terceiro trimestre com sintomas como náuseas, icterícia, dor abdominal, hipoglicemia e alterações laboratoriais. Os Critérios de Swansea são frequentemente utilizados para auxiliar, sendo necessário o cumprimento de seis ou mais critérios na ausência de outra causa. Exames de imagem são inespecíficos e a biópsia hepática é raramente indicada.
- Quando considerar transplante hepático na EHAG?
O transplante hepático deve ser considerado em casos de falência hepática irreversível, especialmente quando, após a interrupção da gestação e suporte clínico intensivo, não há melhora laboratorial ou clínica. Indicadores incluem encefalopatia grave, coagulopatia refratária e acidose metabólica persistente.
Resumo de esteatose hepática aguda da gestação
Definição
A esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) é uma complicação rara e grave, geralmente ocorrendo no terceiro trimestre da gravidez, caracterizada por acúmulo de gordura microvesicular nos hepatócitos, o que compromete progressivamente a função hepática. A condição pode evoluir para falência hepática, hipoglicemia, coagulopatia e até falência de múltiplos órgãos. Trata-se de uma emergência obstétrica, com alto risco de mortalidade materno-fetal se não diagnosticada e tratada precocemente.
Sintomas
A EHAG costuma ter início súbito e se manifesta com náuseas, vômitos persistentes, dor abdominal (geralmente no hipocôndrio direito), anorexia, fadiga intensa e icterícia. Com a progressão, podem surgir confusão mental, hipoglicemia, coagulopatia, sinais de encefalopatia e oligúria ou anúria. A febre está presente em cerca de 50% dos casos, e sinais de falência hepática podem se instalar rapidamente.
Diagnóstico
O diagnóstico é clínico-laboratorial, baseado em achados sugestivos em gestantes no final da gravidez, com exclusão de outras causas de disfunção hepática, como hepatite viral, síndrome HELLP e colestase intra-hepática. Os Critérios de Swansea podem auxiliar, sendo necessário o cumprimento de pelo menos seis critérios clínico-laboratoriais. Achados frequentes incluem: transaminases elevadas, hiperbilirrubinemia, hipoglicemia, leucocitose, INR elevado, fibrinogênio reduzido e insuficiência renal. Exames de imagem são pouco específicos, e a biópsia hepática é geralmente evitada devido ao risco de sangramento.
Tratamento
O tratamento envolve hospitalização imediata em UTI, com estabilização clínica, incluindo infusão de glicose, suporte hemodinâmico, correção da coagulopatia e monitoramento neurológico e renal. A interrupção da gestação é a única medida definitiva, sendo indicada o mais rapidamente possível, via parto vaginal ou cesárea, conforme condições materno-fetais. No pós-parto, mantém-se suporte intensivo e vigilância para complicações. Em casos raros de falência hepática irreversível, pode haver necessidade de transplante hepático.
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Referências Bibliográficas
- KO, H. H.; YOSHIDA, E. Acute fatty liver of pregnancy. Canadian Journal of Gastroenterology, v. 20, n. 1, p. 25-30, 2006.
- HADI, Y.; KUPEC, J. Fatty Liver in Pregnancy. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2023.