Olá, querido doutor e doutora! A hepatite alcoólica representa uma forma aguda de lesão hepática induzida pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, sendo um problema frequente na prática clínica, especialmente entre adultos de meia-idade com histórico prolongado de etilismo. O presente caso descreve a abordagem diagnóstica e terapêutica de um paciente com quadro compatível com hepatite alcoólica grave, destacando os principais achados clínico-laboratoriais e as estratégias adotadas no manejo hospitalar.
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Informações do paciente
Nome: G.M.S
Idade: 47 anos
Motivo da consulta: Icterícia há 7 dias, associada a febre baixa e mal-estar geral.
Histórico da moléstia atual
G.M.S relata que há cerca de uma semana percebeu coloração amarelada na pele e nos olhos, acompanhada de cansaço acentuado, perda de apetite e náuseas esporádicas. Refere dor leve no quadrante superior direito do abdome, especialmente ao palpar. Diz ter reduzido recentemente o consumo de álcool após um episódio de vômito com sangue há três semanas, mas fazia uso diário intenso por anos.
História patológica pregressa
Sem diagnóstico prévio de hepatopatias. Refere quadro antigo de dislipidemia sem uso regular de medicação. Nega alergias conhecidas e cirurgias anteriores.
Histórico familiar
Pai com diagnóstico de cirrose alcoólica aos 60 anos e falecido por hemorragia digestiva. Mãe hipertensa. Não há relato familiar de hepatite viral ou doenças autoimunes.
Histórico social
Relata etilismo crônico há mais de 20 anos, com consumo estimado de mais de 1 litro de cachaça por dia. Nega uso de drogas ilícitas. Tabagista desde os 19 anos. Alimentação irregular, com longos períodos em jejum e refeições calóricas pobres em proteínas. Sono prejudicado. Sedentário.
Exame físico
Paciente em regular estado geral, anictérico acentuado, febril (37,8°C).
Mucosas hipocoradas.
Abdome globoso, com dor à palpação profunda em hipocôndrio direito. Hepatomegalia dolorosa à palpação. Sem sinais de ascite clinicamente evidentes.
Edema de membros inferiores discreto.
Sem alterações neurológicas ou sinais meníngeos.
Exames complementares
Ultrassonografia de abdome: fígado aumentado, com ecotextura heterogênea e esteatose moderada. Ausência de lesões focais.
Eletrocardiograma: ritmo sinusal normal.
Exames laboratoriais
- Hemograma: Anemia macrocítica (VCM 105), leucocitose (17.000), plaquetopenia (90.000)
- Transaminases: TGO 280 U/L, TGP 90 U/L → TGO/TGP > 3
- GGT: 200 U/L
- Fosfatase Alcalina: 350 U/L
- Bilirrubina total: 11 mg/dL (direta 8 mg/dL)
- Albumina: 2,3 g/dL
- INR: 2,1
- Glicemia de jejum: 82 mg/dL
- Sorologias para hepatite A, B e C: negativas
- FAN, anti-LKM, ceruloplasmina: normais
Hipótese diagnóstica
Paciente de meia-idade com história de etilismo prolongado, apresentando icterícia, febre, dor abdominal e achados laboratoriais típicos como relação TGO/TGP > 2, bilirrubina elevada e hipoalbuminemia sugere fortemente o diagnóstico de hepatite alcoólica aguda. A ausência de sorologias virais e autoanticorpos reforça a hipótese. A ultrassonografia hepática mostra alterações compatíveis. O escore de Maddrey (IFD) > 32 indica gravidade do quadro.
Conduta
O paciente foi internado para monitoramento e iniciou-se imediatamente a abstinência alcoólica, com suporte nutricional hipercalórico e hiperproteico, além de suplementação com tiamina, ácido fólico, piridoxina e vitaminas lipossolúveis. Como apresentava hepatite alcoólica grave (índice de Maddrey ≥ 32), foi iniciada prednisolona 40 mg/dia por via oral com plano de desmame progressivo.
Instituiu-se hidratação venosa controlada com SF 0,9%, uso de omeprazol 40 mg EV ao dia para prevenção de sangramento digestivo e suspensão dos betabloqueadores. Também foram coletadas culturas para rastreio de infecção oculta e o caso foi encaminhado ao serviço de hepatologia para possível avaliação de transplante hepático.
Perguntas
- Por que a relação TGO/TGP é maior que 2 na hepatite alcoólica?
Porque a TGP depende da vitamina B6 (piridoxina), que é geralmente deficiente em pacientes etilistas, levando a uma redução de sua atividade sérica.
- Quando o uso de corticoterapia está indicado na hepatite alcoólica?
Quando o escore de Maddrey (IFD) é ≥ 32, indicando hepatite alcoólica grave.
- Qual é a principal medida terapêutica que impacta no prognóstico da hepatite alcoólica?
A interrupção definitiva do consumo de álcool é a medida mais relevante para impedir progressão da doença hepática.
Resumo da patologia
Conceito
A hepatite alcoólica é uma inflamação aguda do fígado induzida pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, podendo ocorrer após anos de uso contínuo ou mesmo após períodos curtos de consumo intenso. Faz parte de um espectro de lesões hepáticas relacionadas ao álcool, que inclui esteatose, fibrose e cirrose.
Fisiopatologia
O álcool é metabolizado no fígado por três vias principais (ADH, CYP2E1 e catalase), todas resultando na formação de acetaldeído, uma substância tóxica. A degradação do etanol também gera espécies reativas de oxigênio, promovendo estresse oxidativo e danos às proteínas, lipídios e DNA dos hepatócitos. O acúmulo de aductos de acetaldeído ativa resposta inflamatória com infiltração de neutrófilos, promovendo necrose e inflamação hepática progressiva.
Epidemiologia e fatores de risco
A doença acomete mais comumente homens entre 40 e 50 anos, sendo rara após os 60 anos. Está fortemente associada ao consumo diário superior a 100 g de álcool, por longos períodos ou em padrões intermitentes. Fatores como predisposição genética, deficiências nutricionais, episódios de estresse e histórico familiar de doença hepática contribuem para o risco.
Sintomas
Os sinais clínicos incluem icterícia, febre, mal-estar, fraqueza muscular, dor no hipocôndrio direito e hepatomegalia dolorosa. Em casos graves, pode haver insuficiência hepática, encefalopatia, coagulopatia e manifestações extra-hepáticas como ascite e sangramento digestivo.
Diagnóstico
Baseia-se em anamnese com histórico de etilismo, exame físico e achados laboratoriais típicos, como elevação de TGO (até 300 U/L) com TGO/TGP > 2, leucocitose, hiperbilirrubinemia direta, hipoalbuminemia e INR alargado. A ultrassonografia é o exame de imagem inicial mais utilizado. A biópsia hepática é reservada para casos com dúvida diagnóstica.
Tratamento
A medida mais eficaz é a interrupção total do consumo de álcool. Em casos leves, o manejo envolve suporte nutricional, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e suplementação vitamínica. Em quadros graves (índice de Maddrey ≥ 32), está indicado o uso de prednisolona por 28 dias com desmame progressivo. Casos refratários podem ser considerados para transplante hepático, dependendo da abstinência e critérios clínicos.
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Referências Bibliográficas
- SHAH, Niraj J.; ROYER, Amor; JOHN, Savio. Alcoholic Hepatitis. In: STATPEARLS. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2024.