Olá, querido doutor e doutora! O angiomiolipoma renal é um tumor benigno que acomete o parênquima renal e, apesar de sua natureza não maligna, pode se associar a complicações significativas, como hemorragias espontâneas. O diagnóstico é radiológico, mas a conduta varia conforme o risco de sangramento e o perfil do paciente. As abordagens atuais priorizam tratamentos minimamente invasivos e preservação da função renal.
A maioria dos angiomiolipomas é assintomática e descoberta incidentalmente em exames de imagem realizados por outros motivos.
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Conceito
O angiomiolipoma renal (AML) é um tumor benigno do rim, composto por uma mistura tripla de vasos sanguíneos anômalos, fibras de músculo liso e tecido adiposo maduro. Esses elementos se organizam de forma desordenada, o que diferencia a lesão de outras neoplasias sólidas renais. Embora pertença ao grupo dos tumores mesenquimais, sua origem está relacionada às células perivasculares epitelioides, apresentando imunomarcação positiva para marcadores melanocíticos e musculares.
Essa neoplasia pode se apresentar de forma esporádica ou estar associada a síndromes genéticas, como a esclerose tuberosa ou a linfangioleiomiomatose. Apesar de serem majoritariamente benignos, os AMLs apresentam potencial para crescimento progressivo e, em alguns casos, podem causar hemorragias espontâneas ou outras complicações relacionadas ao seu comportamento expansivo. O subtipo epitelioide, mais raro, exibe características histológicas atípicas e potencial de comportamento agressivo, exigindo avaliação e manejo diferenciados.
Fisiopatologia
A fisiopatologia do angiomiolipoma renal envolve a proliferação desorganizada de três tipos celulares derivados de células perivasculares epitelioides: músculo liso atípico, tecido adiposo maduro e vasos sanguíneos dismórficos. Essa composição heterogênea confere ao tumor um padrão radiológico variável e comportamento clínico que pode oscilar entre a estabilidade e a progressão com risco de complicações.
Nos casos esporádicos, a origem molecular ainda não é completamente elucidada, mas acredita-se que haja mutações somáticas associadas a mecanismos de proliferação celular desregulada. Já nos casos hereditários, como aqueles vinculados à esclerose tuberosa, há mutações germinativas nos genes TSC1 ou TSC2, responsáveis pela codificação das proteínas hamartina e tuberina. Essas proteínas formam um complexo inibidor da via mTOR (alvo da rapamicina em mamíferos), que regula crescimento celular, angiogênese e proliferação tecidual. A perda da função desse complexo leva à ativação descontrolada da mTOR, favorecendo o crescimento tumoral.
A vascularização anômala dos AMLs contribui para sua fragilidade estrutural, especialmente com a formação de aneurismas intratumorais, o que predispõe à ruptura e hemorragia. Além disso, fatores hormonais, como a exposição a estrogênios, parecem intensificar a atividade proliferativa, o que pode explicar o comportamento mais agressivo em gestantes e mulheres em idade fértil.
Epidemiologia e fatores de risco
Os angiomiolipomas renais são tumores relativamente raros, representando cerca de 0,3% a 3% das neoplasias renais. Estima-se que a prevalência geral varie entre 0,13% e 2,2%, com predomínio marcante do tipo esporádico, que corresponde a aproximadamente 80% dos casos. Os outros 20% estão associados a síndromes genéticas, principalmente à esclerose tuberosa e à linfangioleiomiomatose pulmonar.
A distribuição por sexo mostra uma maior incidência em mulheres, especialmente em idade fértil, o que é atribuído à presença de receptores hormonais (estrogênio e progesterona) nas células do tumor. Em pessoas com esclerose tuberosa, o acometimento é mais precoce, com diagnóstico por volta da segunda década de vida, enquanto nos casos esporádicos a média etária de diagnóstico varia entre os 40 e 60 anos.
Principais fatores de risco:
- Sexo feminino, especialmente durante a idade reprodutiva;
- Gravidez, devido ao estímulo hormonal e aumento do fluxo renal;
- Terapias hormonais, como uso de anticoncepcionais ou reposição estrogênica;
- Presença de mutações nos genes TSC1 ou TSC2 (em casos hereditários);
- Histórico de esclerose tuberosa ou linfangioleiomiomatose;
- Tumores grandes (> 4–6 cm) e aneurismas > 5 mm, que aumentam o risco de complicações hemorrágicas;
- Crescimento acelerado do tumor (> 2,5 mm/ano);
- Hipertensão não controlada ou uso de anticoagulantes, que agravam o risco de sangramento.
Avaliação clínica
A maioria dos angiomiolipomas renais permanece assintomática por longos períodos e é descoberta de forma incidental durante exames de imagem realizados por outras razões. Contudo, a presença de sintomas geralmente está relacionada ao aumento do volume tumoral, à vascularização anômala da lesão ou a complicações hemorrágicas.
Nos pacientes sintomáticos, o sintoma mais frequente é a dor em flanco ou dor abdominal vaga, geralmente unilateral, atribuída ao efeito de massa ou à presença de sangramento dentro da lesão. Em tumores maiores, podem ocorrer episódios de hematúria macroscópica ou anemia secundária a hemorragias ocultas.
Outros sinais possíveis incluem:
- Massa abdominal palpável, em casos de tumores volumosos;
- Infecção do trato urinário recorrente, quando há compressão urotelial;
- Hipertensão arterial, como consequência de isquemia ou compressão renal;
- Queda do hematócrito ou choque hipovolêmico, em casos de hemorragia retroperitoneal espontânea — conhecida como síndrome de Wunderlich, complicação grave que exige intervenção imediata.
A variante epitelioide, além de ser mais agressiva, pode cursar com sinais sistêmicos inespecíficos, mimetizando neoplasias malignas, sendo necessária investigação diferenciada nesses casos.
Diagnóstico
O diagnóstico do angiomiolipoma renal baseia-se principalmente em exames de imagem, que permitem identificar a composição característica da lesão. A presença de tecido adiposo intratumoral é o principal achado para suspeita diagnóstica, especialmente nas formas clássicas, ricas em gordura.
1. Ultrassonografia (USG)
É frequentemente o primeiro exame a detectar o tumor, mostrando uma lesão hiperecogênica. No entanto, não é específico: até 30% dos carcinomas de células renais também podem ser hiperecogênicos. Assim, a USG tem valor limitado para diferenciar angiomiolipoma de outras lesões sólidas.
2. Tomografia Computadorizada (TC) com contraste
A TC é o método de escolha inicial. A detecção de gordura intralesional com atenuação < –10 HU confirma o diagnóstico nas formas clássicas. Já nos AMLs pobres em gordura, a imagem pode ser inconclusiva, exigindo complementação.
3. Ressonância Magnética (RNM)
Mais sensível que a TC para lesões com baixa quantidade de gordura. Sequências com supressão de gordura ajudam a diferenciar angiomiolipomas de tumores malignos. É o método preferencial em gestantes, crianças e em casos com contraindicação à TC.
4. Biópsia renal percutânea
Indicada quando os exames de imagem são inconclusivos — especialmente em tumores com pouca ou nenhuma gordura, com risco de confusão com carcinoma de células renais. O material coletado permite análise histológica e imunohistoquímica.
5. Avaliação de síndromes associadas
Em pacientes com lesões bilaterais, múltiplas ou em idade jovem, deve-se investigar esclerose tuberosa ou linfangioleiomiomatose, com base em critérios clínicos, radiológicos e genéticos.
Tratamento
O tratamento do angiomiolipoma renal deve ser individualizado com base no tamanho da lesão, presença de sintomas, risco de complicações hemorrágicas e associação com síndromes genéticas, como a esclerose tuberosa. Na maioria dos casos, especialmente os esporádicos e assintomáticos, a abordagem inicial pode ser conservadora, com monitoramento periódico.
1. Vigilância ativa
Indicada para pacientes com:
- Lesões ≤ 4 cm, assintomáticas, com baixo risco de sangramento;
- Ausência de aneurismas intratumorais (> 5 mm);
- Sem histórico de esclerose tuberosa ou coagulopatias.
O seguimento pode ser feito com ultrassonografia anual ou, preferencialmente, com o mesmo método de imagem usado no diagnóstico inicial.
2. Embolização arterial seletiva (EAS)
É o tratamento de escolha para sangramento agudo ou profilaxia em lesões com risco elevado de hemorragia. Trata-se de um procedimento minimamente invasivo que preserva o parênquima renal. Também está indicado em:
- Tumores > 4–6 cm;
- Aneurismas intralesionais > 5 mm;
- Crescimento acelerado (> 2,5 mm/ano);
- Mulheres em idade fértil ou gestantes;
- Sintomas como dor em flanco ou hematúria.
3. Inibidores de mTOR (sirolimo, everolimo)
Recomendados para pacientes com angiomiolipoma associado à esclerose tuberosa ou linfangioleiomiomatose, com múltiplas lesões bilaterais. Esses fármacos bloqueiam a via mTOR, reduzindo o volume tumoral e a vascularização da lesão.
4. Cirurgia (nefrectomia parcial ou total)
Indicada em situações como:
- Falha da embolização;
- Suspeita de malignidade (sobretudo em lesões pobres em gordura);
- Tumores volumosos com efeito compressivo ou dor refratária;
- Impossibilidade de vigilância adequada.
Prognóstico e complicações
O prognóstico do angiomiolipoma renal costuma ser favorável na maioria dos casos, especialmente nas formas esporádicas, que são solitárias, ricas em gordura e de crescimento lento. Lesões pequenas e assintomáticas raramente evoluem com complicações, podendo ser acompanhadas por vigilância ativa.
No entanto, quando associadas à esclerose tuberosa, apresentam comportamento mais agressivo, com risco aumentado de crescimento acelerado, hemorragias e perda funcional renal. Já o subtipo epitelioide, mais raro, pode evoluir com transformação maligna, exigindo atenção especial no seguimento.
Complicações
- Hemorragia retroperitoneal: é a complicação mais temida, podendo levar a choque hipovolêmico.
- Síndrome de Wunderlich: hemorragia espontânea grave e súbita no retroperitônio, requerendo intervenção de urgência.
- Perda de função renal: decorre da substituição progressiva do parênquima por lesões tumorais ou após intervenções cirúrgicas em casos avançados.
- Transformação maligna: rara, porém mais provável em AMLs pobres em gordura ou epitelioides.
- Complicações do tratamento: procedimentos como embolização podem cursar com síndrome pós-embolização (febre, dor, náuseas), enquanto o uso prolongado de inibidores de mTOR pode causar efeitos adversos metabólicos e imunológicos.
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Referências Bibliográficas
- TOMAIN, Anselmo Emílio et al. Angiomiolipoma renal: abordagem minimamente invasiva. Brazilian Journal of Health Review, v. 6, n. 1, p. 3200–3209, jan./fev. 2023.
- ROUT, Preeti; LESLIE, Stephen W. Renal Angiomyolipoma. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2025.
- UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Qual conduta frente ao achado de angiomiolipoma renal? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS, 2024.