Olá, querido doutor e doutora! A cinetose, também conhecida como doença do movimento, é uma condição frequente que acomete indivíduos expostos a deslocamento real ou simulado, seja por terra, ar, mar ou em ambientes virtuais. O quadro caracteriza-se por sintomas como náusea, tontura, sudorese e vômitos, podendo variar de intensidade conforme a suscetibilidade individual.
Estudos mostram que crianças entre 6 e 12 anos são particularmente vulneráveis, com pico de incidência próximo aos 9 anos.
Navegue pelo conteúdo
Conceito
A cinetose é uma condição caracterizada pela manifestação de sintomas desagradáveis desencadeados por movimento real ou percebido. O quadro envolve, principalmente, náusea, tontura, sudorese, palidez e vômitos, podendo vir acompanhado de alterações autonômicas e neurológicas.
O termo é aplicado a situações como enjoo de viagem (carros, ônibus, trens), enjoo marítimo (embarcações), enjoo aéreo (aeronaves), bem como em contextos de realidade virtual ou simuladores. Em alguns casos, utilizam-se específicas como “mal do mar”, “doença do carro”, “enjoo de avião” ou “cibercinetose”.
O mecanismo fisiológico mais aceito para explicar a cinetose é o conflito sensorial: ocorre uma discrepância entre os sinais enviados pelos sistemas vestibular, visual e proprioceptivo, o que gera ativação de centros nervosos relacionados ao controle autonômico e do reflexo do vômito.
Etiologia e fisiopatologia
A cinetose é resultado de um conflito entre os sinais sensoriais que chegam ao sistema nervoso central. A teoria mais aceita, chamada hipótese do conflito sensorial ou do desencontro neural, descreve a discrepância entre os estímulos provenientes da visão, do aparelho vestibular e da propriocepção.
- Exemplo prático: quando uma pessoa lê em um carro em movimento, o sistema vestibular percebe acelerações e oscilações, enquanto os olhos fixos no livro transmitem ausência de movimento. Essa incoerência gera ativação de circuitos cerebrais relacionados ao controle autonômico e ao reflexo do vômito.
Outras hipóteses complementares também foram propostas:
- Hipótese do “detector de toxinas”: sugere que o organismo interpreta o conflito sensorial como sinal de intoxicação, desencadeando náusea e vômito como resposta protetora.
- Reflexos vestibulares autonômicos: explicam manifestações como sudorese, palidez e alterações do ritmo cardíaco.
- Componentes neuroquímicos: neurotransmissores como acetilcolina, histamina, dopamina e serotonina estão envolvidos na modulação dos sintomas, o que justifica a eficácia de fármacos anticolinérgicos e anti-histamínicos.
Em resumo, a fisiopatologia da cinetose é multifatorial, mas o ponto central é a presença de um descompasso entre a percepção sensorial e a expectativa do cérebro em relação ao movimento.
Epidemiologia
A cinetose pode ocorrer em qualquer pessoa com sistema vestibular íntegro, desde que exposta a estímulo suficientemente intenso. No entanto, a suscetibilidade varia de acordo com idade, sexo, características individuais e condições clínicas.
- Faixa etária: os sintomas raramente aparecem em crianças com menos de 2 anos. A incidência aumenta a partir dos 6 anos, atinge pico entre 9 e 10 anos e tende a diminuir após a puberdade. Em adultos jovens a frequência é menor, e em idosos, especialmente após os 60 anos, torna-se incomum.
- Sexo: mulheres apresentam maior predisposição, sobretudo em fases de alteração hormonal, como menstruação, gravidez e menopausa.
- Etnia: estudos apontam que indivíduos de origem asiática, em especial chineses, podem ser mais suscetíveis quando comparados a outras populações.
- Prevalência em meios de transporte:
- até 25% dos passageiros de grandes embarcações desenvolvem sintomas nos primeiros dias de viagem, chegando a percentuais muito mais altos em embarcações pequenas ou em condições climáticas adversas;
- carros e ônibus são gatilhos comuns, especialmente para quem viaja no banco traseiro ou tenta ler durante o trajeto;
- em aeronaves comerciais, a ocorrência é rara (< 1%), mas pode ser significativa em pilotos em treinamento;
- em astronautas, a prevalência chega a 80% nos primeiros dias em órbita.
- até 25% dos passageiros de grandes embarcações desenvolvem sintomas nos primeiros dias de viagem, chegando a percentuais muito mais altos em embarcações pequenas ou em condições climáticas adversas;
Outro aspecto relevante é que a repetição da exposição leva, em muitos casos, à habituação, reduzindo progressivamente a intensidade e a frequência dos episódios.
Avaliação clínica
Sintomas iniciais
Os primeiros sinais geralmente são: mal-estar inespecífico, acompanhado de bocejos frequentes, hipersalivação, inapetência e sonolência. Muitos pacientes relatam sensação de desconforto epigástrico ou estomacal antes do aparecimento da náusea intensa.
Manifestações gastrointestinais
A náusea é o sintoma predominante e pode evoluir para vômitos repetidos em casos mais graves. Episódios de êmese podem trazer alívio temporário, mas frequentemente retornam durante a exposição ao movimento. Outros sintomas incluem eructações, sensação de plenitude gástrica e, em algumas situações, dor abdominal difusa.
Alterações autonômicas
Entre as manifestações autonômicas destacam-se palidez cutânea, sudorese fria, taquicardia, salivação excessiva ou, em alguns casos, boca seca. A sensação de calor súbito ou calafrios também pode acompanhar os episódios.
Sintomas neurológicos e sistêmicos
Muitos indivíduos apresentam tontura, cefaleia, dificuldade de concentração, sonolência e fadiga. Em situações intensas pode ocorrer instabilidade postural ou até incapacidade de deambular. Um quadro particular, denominado síndrome de Sopite, caracteriza-se por sonolência marcante, apatia, irritabilidade e falta de motivação, podendo persistir horas após a cessação do estímulo.
Formas graves
Embora incomum, a cinetose pode se apresentar com vômitos incoercíveis, inabilidade para manter-se em pé, alterações visuais transitórias e intensa fadiga, o que compromete atividades cotidianas e, em determinados contextos profissionais (ex.: pilotos, astronautas), pode gerar impacto significativo.
Diagnóstico
O diagnóstico da cinetose é eminentemente clínico, baseado na história típica de sintomas desencadeados por movimento real ou percebido. A avaliação deve incluir a descrição detalhada da situação em que os sintomas ocorrem, intensidade, duração e fatores agravantes ou atenuantes.
Critérios clínicos
A presença de náusea, mal-estar, tontura, palidez e/ou vômitos durante a exposição a movimento é suficiente para caracterizar o quadro. Os sintomas geralmente cessam em poucas horas após a interrupção do estímulo.
Exames complementares
Não há necessidade de exames laboratoriais ou de imagem quando a história clínica é sugestiva. Testes podem ser indicados apenas quando há suspeita de outra condição associada, como enxaqueca vestibular, vertigem paroxística benigna, vestibulopatias ou doenças neurológicas.
Diagnóstico diferencial
É importante distinguir a cinetose de outras situações que cursam com náuseas e tontura:
- Enxaqueca e enxaqueca vestibular – podem coexistir, mas geralmente apresentam outros sintomas como fotofobia e fonofobia.
- Vertigem de origem vestibular – como neurite vestibular ou doença de Ménière.
- Condições sistêmicas – gravidez, hipoglicemia, intoxicações por álcool ou drogas.
- Eventos neurológicos agudos – em casos de início súbito e sintomas intensos, deve-se descartar acidente vascular cerebral da circulação posterior, especialmente se houver diplopia, disartria ou ataxia associados.
Questionários de suscetibilidade
Ferramentas como o Motion Sickness Susceptibility Questionnaire (MSSQ) podem auxiliar na mensuração da predisposição individual, principalmente em ambientes de pesquisa ou treinamento.
Tratamento
Medidas comportamentais e preventivas
Intervenções não farmacológicas costumam ser a primeira linha de orientação, principalmente em crianças e em indivíduos com episódios esporádicos:
- Posicionamento adequado: escolher assentos voltados para frente (ônibus, trem) ou junto à janela; em barcos, preferir áreas centrais e próximas à linha d’água.
- Controle visual: manter o olhar no horizonte ou em ponto fixo estável, evitando leitura ou uso de telas durante a viagem.
- Redução de movimentos de cabeça: manter postura ereta e com apoio cervical.
- Ambiente e hábitos: garantir ventilação, evitar odores fortes, não ingerir refeições pesadas, álcool ou cafeína antes de viajar.
- Respiração controlada e música relaxante: técnicas que reduzem ansiedade e desconforto.
- Habitação: exposição repetida e gradual a estímulos de movimento pode gerar tolerância a médio prazo.
Tratamento farmacológico
Os medicamentos atuam, principalmente, em receptores colinérgicos e histamínicos do sistema vestibular e do centro do vômito.
- Anticolinérgicos
- Escopolamina transdérmica: considerada o fármaco mais eficaz, com duração de até 72 horas. Deve ser aplicada 4 a 8 horas antes da viagem. Efeitos adversos incluem boca seca, visão turva e sonolência.
- Anti-histamínicos de primeira geração
- Meclizina (≥ 12 anos), dimenidrinato, difenidramina e ciclizina: eficazes, porém frequentemente associados a sedação.
- Prometazina: potente efeito antiemético, mas altamente sedativa, reservada para casos graves.
- Meclizina (≥ 12 anos), dimenidrinato, difenidramina e ciclizina: eficazes, porém frequentemente associados a sedação.
- Simpaticomiméticos
- Dextroanfetamina (uso restrito): pode ser associada à escopolamina em contextos específicos, como missões espaciais, devido ao risco de dependência.
- Fármacos não recomendados
- Metoclopramida e ondansetrona, apesar de atuarem como antieméticos em outros contextos, não demonstraram benefício na cinetose.
- Metoclopramida e ondansetrona, apesar de atuarem como antieméticos em outros contextos, não demonstraram benefício na cinetose.
Terapias complementares
Alguns recursos alternativos são utilizados como adjuvantes:
- Gengibre: disponível em cápsulas, chás ou balas, apresenta leve efeito antiemético, embora a evidência científica seja limitada.
- Pulseiras de acupressão: aplicadas no ponto P6 (Neiguan), podem aliviar sintomas em alguns pacientes, ainda que os estudos mostrem resultados variados.
Prognóstico
A cinetose é, geralmente, um distúrbio autolimitado. Os sintomas geralmente desaparecem em poucas horas após a interrupção do movimento, e muitos indivíduos apresentam melhora progressiva com a repetição da exposição, fenômeno conhecido como habituação. Em situações específicas — como em pilotos, navegadores e astronautas — programas de dessensibilização são eficazes, atingindo altas taxas de adaptação. Ainda assim, indivíduos com predisposição tendem a apresentar recorrência em novos episódios de exposição, o que exige estratégias preventivas contínuas.
Venha fazer parte da maior plataforma de Medicina do Brasil! O Estratégia MED possui os materiais mais atualizados e cursos ministrados por especialistas na área. Não perca a oportunidade de elevar seus estudos, inscreva-se agora e comece a construir um caminho de excelência na medicina!
Curso Extensivo de Residência Médica
Curso Extensivo Residência Médica - 12 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 18 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 24 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 30 meses
Curso Extensivo Residência Médica - 36 meses
Veja Também
- Resumo sobre Antieméticos: classes, ação e mais!
- Resumo sobre clorpromazina: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo sobre mirtazapina: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo sobre amitriptilina: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo sobre fluoxetina: indicações, farmacologia e mais
- Resumo sobre duloxetina: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo sobre escitalopram
Canal do YouTube
Referências Bibliográficas
- TAKOV, V.; TADI, P. Motion Sickness. In: STATPEARLS. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK539706/. Acesso em: 18 set. 2025.
- JENSEN, N.; RANDALL, D.; LANG, E. Motion Sickness. In: DynaMed. Ipswich (MA): EBSCO Information Services; 2025. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/motion-sickness. Acesso em: 18 set. 2025.