Olá, querido doutor e doutora! A deficiência de 17-hidroxilase é uma forma rara de hiperplasia adrenal congênita, resultante de mutações no gene CYP17A1, que comprometem a síntese de cortisol e hormônios sexuais. O quadro clínico é marcado por hipertensão, hipocalemia e atraso puberal, manifestando-se geralmente na adolescência, já que o rastreamento neonatal não identifica essa condição.
Por não causar crise adrenal neonatal, a deficiência de 17-hidroxilase costuma ser reconhecida apenas na puberdade, quando há ausência de desenvolvimento sexual secundário.
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O que é Deficiência de 17-hidroxilase
A deficiência de 17-hidroxilase é uma forma rara de hiperplasia adrenal congênita (HAC) causada por mutações bialélicas no gene CYP17A1, localizado no cromossomo 10q24.3. Essa alteração compromete as atividades enzimáticas da 17-hidroxilase e, geralmente, também da 17,20-liase, enzimas envolvidas na produção de cortisol e esteroides sexuais.
Fisiopatologia
Alteração genética e bloqueio enzimático
A deficiência de 17-hidroxilase ocorre por mutações no gene CYP17A1, que reduzem ou anulam a atividade das enzimas 17-hidroxilase e 17,20-liase. Essas enzimas participam da produção de cortisol e hormônios sexuais. Quando estão inativas, há bloqueio na conversão de pregnenolona e progesterona em seus derivados 17-hidroxilados. Como resultado, a síntese de cortisol e andrógenos diminui, enquanto os precursores dessas vias se acumulam e são desviados para a rota dos mineralocorticoides.
Efeito sobre o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
A queda no cortisol reduz o feedback negativo sobre o hipotálamo e a hipófise, aumentando a secreção de ACTH. O estímulo contínuo do ACTH leva à hiperplasia adrenal e à produção excessiva de precursores hormonais. Apesar da deficiência de cortisol, a corticosterona, que tem leve ação glicocorticoide, consegue manter a função vital e evitar crises adrenais.
Excesso de mineralocorticoides
O desvio da produção esteroidal aumenta os níveis de 11-desoxicorticosterona (DOC) e corticosterona, substâncias com forte ação mineralocorticoide. Esse acúmulo causa retenção de sódio, perda de potássio e expansão do volume circulante, resultando em hipertensão e hipocalemia. A atividade de renina plasmática fica suprimida, e a aldosterona pode variar de baixa a normal.
Deficiência de hormônios sexuais
A falha da 17,20-liase bloqueia a formação de DHEA e androstenediona, levando à queda dos níveis de andrógenos e estrogênios. Esse déficit provoca hipogonadismo e ausência de puberdade.
- Em indivíduos 46,XY, há submasculinização ou genitália feminina, devido à baixa testosterona fetal.
- Em indivíduos 46,XX, o fenótipo ao nascimento é feminino, mas ocorre amenorreia primária e falta de desenvolvimento mamário na adolescência.
Epidemiologia
Frequência e distribuição global
A deficiência de 17-hidroxilase representa uma das formas mais raras de hiperplasia adrenal congênita (HAC), correspondendo a cerca de 1% dos casos diagnosticados. A incidência estimada é de 1 para cada 50.000 nascimentos, mas esse número pode variar entre regiões e grupos populacionais. Estudos mostram maior prevalência em Brasil, China, Japão e Turquia, onde a mutação do gene CYP17A1 é mais frequentemente identificada. Essa concentração geográfica se deve, na maioria, ao efeito fundador, situação em que uma mutação é perpetuada em populações com menor variabilidade genética ou histórico de consanguinidade.
Distribuição por sexo genético e reconhecimento clínico
A condição afeta indivíduos 46,XX e 46,XY em proporções semelhantes, mas como se manifesta difere entre os grupos. Em indivíduos 46,XY, a deficiência completa impede a produção de testosterona fetal, resultando em genitália feminina ou ambígua, o que faz com que muitos sejam criados como meninas e o diagnóstico ocorra apenas na puberdade. Já em indivíduos 46,XX, o quadro é frequentemente percebido durante a adolescência, quando surgem sinais de atraso puberal, amenorreia primária e ausência de desenvolvimento mamário.
Relevância clínica e diagnóstico tardio
Por não ser identificada nos programas de triagem neonatal, a deficiência de 17-hidroxilase costuma ser diagnosticada mais tardiamente, muitas vezes diante de hipertensão inexplicada em jovens ou falha no desenvolvimento sexual secundário. Embora rara, sua identificação é relevante do ponto de vista clínico e familiar, já que o reconhecimento precoce permite controle adequado da pressão arterial, reposição hormonal direcionada e aconselhamento genético para familiares em risco.
Avaliação clínica
Manifestações gerais
A deficiência de 17-hidroxilase costuma se manifestar a partir da infância ou adolescência, já que os recém-nascidos não apresentam sinais de insuficiência adrenal. O quadro clínico combina hipertensão arterial, hipocalemia e ausência de caracteres sexuais secundários. Esses achados resultam do excesso de mineralocorticoides e da deficiência na produção de cortisol e hormônios sexuais. Em muitos casos, a hipertensão é o primeiro sinal percebido, frequentemente associada à fraqueza muscular ou câimbras por perda de potássio.
Achados em indivíduos 46,XX
Nas pessoas com cariótipo 46,XX, o fenótipo ao nascimento é feminino normal, já que a diferenciação sexual não depende dos andrógenos. Entretanto, durante a puberdade, surgem atraso no desenvolvimento mamário, amenorreia primária e infertilidade. A ausência de estrogênios leva a um útero infantil e endométrio atrófico, e o aumento de progesterona pode tornar o ambiente uterino inadequado para implantação embrionária. Em alguns casos de deficiência parcial, pode ocorrer menarca espontânea ou menstruação irregular, o que torna o diagnóstico mais tardio.
Achados em indivíduos 46,XY
Nos indivíduos 46,XY, a deficiência completa impede a produção de testosterona durante o período fetal, o que resulta em genitália feminina ou ambígua. Esses pacientes são geralmente criados como meninas e só recebem o diagnóstico na adolescência, quando há ausência de puberdade e amenorreia primária. Ao exame físico, apresentam vagina curta e ausência de útero, com testículos geralmente localizados em posição inguinal ou abdominal. Nas formas parciais, pode haver algum grau de virilização, como hipospádia, micropênis ou bolsa escrotal incompleta.
Outras manifestações clínicas
A hipertensão arterial persistente é um achado constante, podendo se manifestar desde a infância. A hipocalemia e a alcalose metabólica resultam do excesso de mineralocorticoides, podendo causar fadiga, fraqueza muscular e arritmias em casos graves. Alguns pacientes apresentam baixa estatura, relacionada ao atraso puberal e à deficiência de hormônios sexuais. A longo prazo, podem surgir complicações cardiovasculares, osteoporose e dificuldades psicossociais associadas às alterações de desenvolvimento sexual e reprodutivo.
Diagnóstico
Suspeita clínica
O diagnóstico é geralmente considerado diante de hipertensão persistente em crianças, adolescentes ou adultos jovens, especialmente quando acompanhada de hipocalemia e atraso puberal. A ausência de caracteres sexuais secundários, amenorreia primária em indivíduos 46,XX ou genitália feminina em indivíduos 46,XY são sinais que reforçam a suspeita. Como a doença não é detectada pelos programas de triagem neonatal, o reconhecimento depende da observação clínica e da correlação com os achados laboratoriais.
Avaliação hormonal
Os exames laboratoriais mostram níveis baixos de cortisol, andrógenos e estrogênios, com aumento de ACTH, progesterona e corticosterona. A dosagem de 11-desoxicorticosterona (DOC) costuma estar elevada e explica a hipertensão e a hipocalemia. O teste de estímulo com ACTH (cosintropina) é utilizado para avaliar a resposta adrenal: observa-se ausência de elevação adequada do cortisol e aumento anormal de progesterona e seus precursores. A atividade de renina plasmática é suprimida, e a aldosterona pode estar baixa, normal ou discretamente aumentada.
Avaliação genética e citogenética
A análise do gene CYP17A1 confirma o diagnóstico, identificando mutações que reduzem ou eliminam a função da 17-hidroxilase/17,20-liase. Esse exame é especialmente útil em casos atípicos, apresentações parciais ou quando há necessidade de rastreamento familiar. O cariótipo deve ser realizado em todos os pacientes com genitália ambígua ou amenorreia primária para determinar o sexo genético, já que indivíduos 46,XY são frequentemente criados como meninas.
Exames de imagem
A ultrassonografia pélvica é importante para identificar estruturas internas: indivíduos 46,XX costumam apresentar útero pequeno e ovários aumentados, enquanto em 46,XY pode haver ausência de útero e presença de testículos abdominais ou inguinais. A tomografia ou ressonância de abdome pode ser utilizada para avaliar o tamanho das adrenais e descartar massas associadas.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui outras formas de hiperplasia adrenal congênita com hipertensão, como a deficiência de 11-beta-hidroxilase, e distúrbios do desenvolvimento sexual em indivíduos 46,XY, como síndrome de insensibilidade androgênica, deficiência de 5-alfa-redutase e disgenesia gonadal. A análise do perfil hormonal e o teste de ACTH ajudam a distinguir essas condições.
Tratamento e prognóstico
Manejo terapêutico
O tratamento tem como meta controlar a hipertensão e corrigir os distúrbios eletrolíticos, suprimir o excesso de ACTH e promover o desenvolvimento sexual compatível com o sexo de criação. Utiliza-se glicocorticoide em dose de reposição (hidrocortisona, prednisona ou dexametasona) para reduzir a secreção de ACTH e diminuir a produção de 11-desoxicorticosterona, responsável pelo quadro hipertensivo e pela hipocalemia. As doses devem ser ajustadas de forma individualizada, mantendo o controle clínico com a menor dose eficaz.
Quando a pressão arterial não se normaliza apenas com glicocorticoides, acrescenta-se um antagonista de mineralocorticoide, geralmente a espironolactona, que auxilia na redução da pressão e na normalização do potássio. Em casos resistentes, podem ser usados outros anti-hipertensivos, e o monitoramento da renina e do potássio orienta os ajustes de tratamento.
A terapia de reposição hormonal é adaptada ao sexo de criação. Em indivíduos 46,XY criados como meninos, inicia-se testosterona no início da puberdade para desenvolvimento de caracteres sexuais secundários. Em 46,XY criados como meninas, utiliza-se estrogênio seguido de progestagênio para induzir ciclos menstruais. Em 46,XX, a reposição estrogênica com adição cíclica de progesterona permite o desenvolvimento mamário e proteção endometrial.
Nos indivíduos com testículos abdominais ou inguinais, a cirurgia pode ser indicada para gonadectomia, reduzindo o risco de neoplasia, e em alguns casos realiza-se vaginoplastia para adequação anatômica. O suporte psicológico e o acompanhamento multiprofissional são fundamentais durante todo o processo terapêutico.
Acompanhamento e prognóstico
O seguimento deve incluir monitoramento da pressão arterial, eletrólitos, marcadores hormonais, densidade óssea e avaliação da fertilidade. O tratamento contínuo com glicocorticoides e reposição hormonal garante bom desenvolvimento e qualidade de vida. A fertilidade pode ser limitada, mas há relatos de gestação bem-sucedida após controle hormonal e uso de técnicas de reprodução assistida.
Com manejo adequado, o prognóstico é favorável. A maioria dos pacientes tem vida normal, sem crises adrenais, desde que mantenha adesão ao tratamento. O controle rigoroso da hipertensão e a reposição hormonal adequada reduzem complicações cardiovasculares, ósseas e psicossociais, permitindo que o paciente alcance um desenvolvimento saudável e estável ao longo da vida.
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Referências Bibliográficas
- CHORMANSKI, Dianna; SHARMA, Lokesh; MUZIO, Maria Rosaria. 17-Hydroxylase Deficiency. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2025. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK546644/.
- SIVANANDY, Mala S. et al. Congenital Adrenal Hyperplasia. DynaMed, EBSCO Information Services, 2024. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/congenital-adrenal-hyperplasia.



