Olá, querido doutor e doutora! A esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) é uma condição rara, mas que representa risco elevado para a vida da gestante e do feto. O reconhecimento precoce e a condução adequada podem alterar significativamente o desfecho clínico.
A interrupção da gestação é a única intervenção capaz de interromper a progressão da doença.
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Conceito
A esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) é uma condição rara e grave que surge, predominantemente, no terceiro trimestre da gravidez. Caracteriza-se pelo acúmulo de gordura em microvesículas no interior dos hepatócitos, o que compromete progressivamente a função hepática. Embora seja de ocorrência incomum — estimada entre 1 a cada 7.000 a 20.000 gestações —, seu impacto clínico pode ser devastador tanto para a gestante quanto para o feto.
O quadro se instala de forma aguda, podendo evoluir rapidamente para insuficiência hepática, hipoglicemia, coagulopatia, encefalopatia e falência de múltiplos órgãos. Por sua semelhança clínica com outras hepatopatias gestacionais, o diagnóstico costuma ser desafiador. A EHAG exige abordagem imediata, sendo a interrupção da gestação a única intervenção capaz de conter a progressão da doença.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) está diretamente relacionada a distúrbios no metabolismo dos ácidos graxos durante a gestação, especialmente nas fases finais da gravidez, quando a demanda energética aumenta de forma significativa.
O principal mecanismo envolvido é a alteração na beta-oxidação mitocondrial dos ácidos graxos de cadeia longa, especialmente pela deficiência da enzima LCHAD (long-chain 3-hydroxyacyl-CoA dehydrogenase). Em casos em que o feto é homozigoto para essa mutação e a mãe é heterozigota, os ácidos graxos não metabolizados acabam sendo transferidos para a circulação materna via placenta. Esse acúmulo lipídico sobrecarrega os hepatócitos maternos, levando à infiltração microvesicular gordurosa no fígado.
Esse processo compromete a função hepática e desencadeia alterações sistêmicas como:
- Hipoglicemia, devido à falência na gliconeogênese e na glicogenólise;
- Hipertensão portal, relacionada à inflamação hepática e estase;
- Distúrbios de coagulação, por disfunção na síntese de fatores hepáticos;
- Encefalopatia hepática, secundária ao acúmulo de amônia.
Além do fígado, outros órgãos como rins, pâncreas, cérebro e medula óssea também podem apresentar infiltração gordurosa, contribuindo para o quadro de falência multiorgânica.
Epidemiologia e fatores de risco
A esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) é uma complicação incomum, com prevalência estimada entre 1 em cada 7.000 a 20.000 gestações. Apesar da baixa frequência, sua relevância clínica se deve à potencial gravidade e rápida evolução, com risco significativo de morbimortalidade para mãe e feto se não houver intervenção precoce.
Historicamente, as taxas de mortalidade materna ultrapassavam os 70%. Com o avanço nos métodos de diagnóstico e a institucionalização da conduta de interrupção imediata da gestação, essa taxa caiu para menos de 5%. Ainda assim, a morbidade neonatal permanece expressiva, especialmente devido à prematuridade.
Algumas condições têm sido associadas a um maior risco de desenvolvimento da EHAG, entre elas:
- Deficiência fetal da enzima LCHAD, o principal fator implicado na fisiopatologia;
- História prévia de EHAG;
- Gestação de múltiplos fetos, o que eleva a carga metabólica de ácidos graxos livres;
- Feto do sexo masculino, embora o motivo exato ainda não seja completamente compreendido;
- Presença de pré-eclâmpsia ou síndrome HELLP concomitante, que podem coexistir ou mascarar o diagnóstico;
- Primiparidade, observada com maior frequência nos registros clínicos;
- Uso de salicilatos ou anti-inflamatórios não esteroidais (em casos isolados), que podem interferir na função da proteína trifuncional mitocondrial envolvida na beta-oxidação.
Avaliação clínica
A esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) costuma se manifestar de forma súbita, geralmente entre a 30ª e a 38ª semana de gestação. Os sintomas iniciais são inespecíficos, o que pode atrasar o diagnóstico nos estágios precoces.
Os sinais e sintomas mais frequentemente relatados incluem:
- Náuseas e vômitos persistentes;
- Dor abdominal difusa ou no hipocôndrio direito;
- Anorexia, mal-estar e fadiga intensa;
- Icterícia progressiva (presente em mais de 70% dos casos);
- Cefaleia, irritabilidade ou alterações do estado mental (sugestivas de encefalopatia hepática);
- Febre de início tardio, em cerca de 50% das pacientes;
- Sinais de coagulopatia, como petéquias, sangramentos mucosos ou hemorragia digestiva;
- Oligúria ou anúria, indicando comprometimento renal associado.
Com a progressão do quadro, a EHAG pode evoluir rapidamente para falência hepática aguda, acompanhada por:
- Hipoglicemia severa;
- Alterações do nível de consciência;
- Coagulopatia com risco de sangramentos graves;
- Pancreatite, encefalopatia ou sepse em estágios mais avançados.
Nos casos mais graves, há envolvimento de múltiplos sistemas, incluindo insuficiência renal aguda, acidemia metabólica e síndrome de disfunção de múltiplos órgãos, o que exige intervenção imediata.
Diagnóstico
O diagnóstico da esteatose hepática aguda da gestação (EHAG) é clínico e laboratorial, baseado na combinação de sintomas, achados bioquímicos e exclusão de outras causas de disfunção hepática na gestação. Como não há um marcador específico, a alta suspeição clínica é essencial, especialmente em pacientes com sinais de falência hepática no terceiro trimestre.
Entre os principais exames laboratoriais, destacam-se:
- Transaminases elevadas (AST e ALT geralmente < 500 U/L);
- Hiperbilirrubinemia (total e direta);
- Hipoglicemia (glicemia < 72 mg/dL);
- Leucocitose (geralmente acima de 11.000);
- Plaquetopenia variável;
- Tempo de protrombina prolongado e INR elevado;
- Redução dos níveis de fibrinogênio;
- Elevação de ureia, creatinina e ácido úrico;
- Amonemia aumentada em casos de encefalopatia.
Na prática clínica, a aplicação dos Critérios de Swansea pode auxiliar no diagnóstico. Eles incluem 14 parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo necessário o cumprimento de 6 ou mais critérios na ausência de outra etiologia para fechar o diagnóstico. Alguns desses critérios são: vômitos, encefalopatia, dor abdominal, hipoglicemia, coagulopatia, leucocitose, elevação de transaminases e achados de esteatose em imagem ou biópsia.
A avaliação por imagem (como ultrassonografia ou ressonância magnética) pode mostrar infiltração gordurosa hepática, mas frequentemente é inespecífica. A biópsia hepática, embora demonstre a esteatose microvesicular centrolobular, raramente é indicada, principalmente por conta do risco de sangramento em pacientes com coagulopatia.
Tratamento
Estabilização materna imediata
Ao suspeitar de EHAG, a paciente deve ser hospitalizada em ambiente com suporte intensivo, preferencialmente em unidade de terapia intensiva. A estabilização clínica é a primeira etapa e envolve infusão contínua de glicose para corrigir hipoglicemia, hidratação venosa controlada para preservar a função renal, além do ajuste de distúrbios hidroeletrolíticos. A presença de coagulopatia requer tratamento com plasma fresco, crioprecipitado e plaquetas, conforme a gravidade. Também é importante manter vigilância rigorosa dos sinais vitais e do nível de consciência, devido ao risco de encefalopatia hepática.
Indicação de interrupção da gestação
O fator determinante para a reversão do quadro é a interrupção da gravidez. A via de parto será definida com base na estabilidade clínica materna e nas condições fetais. O parto vaginal pode ser tentado se não houver contraindicações obstétricas e se o estado da mãe permitir. No entanto, em muitos casos, a cesariana é indicada diante de deterioração materno-fetal ou ausência de condições clínicas para aguardar o parto normal. Deve-se garantir contagem plaquetária adequada antes de qualquer procedimento invasivo, com meta acima de 50.000 plaquetas/mm³.
Cuidados no pós-parto
Após o parto, a paciente ainda exige acompanhamento intensivo. O foco deve ser o monitoramento de possíveis complicações, como sangramentos (devido à coagulopatia persistente), hipoglicemia, falência renal e pancreatite. A melhora laboratorial e clínica costuma ocorrer dentro de poucos dias, mas isso não elimina a necessidade de vigilância contínua, especialmente nas primeiras 72 horas.
Indicação de transplante hepático
Embora rara, a necessidade de transplante hepático pode surgir em casos nos quais a função hepática não apresenta sinais de recuperação após o parto, mesmo com medidas de suporte. O transplante deve ser cogitado diante de sinais de falência hepática irreversível, como encefalopatia grave, coagulopatia refratária ou acidose metabólica persistente. Nesses casos, a avaliação precoce por equipe especializada em transplante pode ser determinante para o desfecho.
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Referências Bibliográficas
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- HADI, Y.; KUPEC, J. Fatty Liver in Pregnancy. In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing, 2023.