Resumo de Insuficiência Adrenal Induzida por Glicocorticoides
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Resumo de Insuficiência Adrenal Induzida por Glicocorticoides

Olá, querido doutor e doutora! A insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides é uma condição clínica cada vez mais relevante na prática médica, especialmente diante do uso amplo e prolongado de corticosteroides em diferentes especialidades. O reconhecimento precoce, a abordagem adequada do desmame e a reposição correta são medidas que contribuem para prevenir complicações graves, como a crise adrenal. 

Mesmo pacientes assintomáticos podem apresentar supressão bioquímica significativa do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.

Conceito 

A insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides é uma condição clínica caracterizada pela incapacidade das glândulas adrenais em produzir cortisol suficiente, após o uso prolongado de glicocorticoides exógenos. Essa disfunção decorre da supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), provocada pelo fornecimento externo de corticosteroides em doses que ultrapassam as necessidades fisiológicas diárias. Como resultado, ocorre uma redução progressiva da produção de adrenocorticotrofina (ACTH), levando à atrofia da zona fasciculada da glândula adrenal.

Fisiopatologia  

A fisiopatologia da insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides está fundamentada na inibição do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA). O uso de glicocorticoides exógenos, especialmente em doses acima da produção fisiológica de cortisol (15–25 mg/dia de hidrocortisona ou equivalentes), reduz de forma significativa a liberação de CRH pelo hipotálamo e ACTH pela hipófise. Essa inibição persistente leva à atrofia funcional da zona fasciculada das adrenais, responsável pela síntese de cortisol.

Com o tempo, essa supressão contínua diminui a capacidade do organismo de responder adequadamente ao estresse, já que a adrenal torna-se dependente do estímulo exógeno para manter a homeostase. Mesmo após a retirada dos glicocorticoides, a recuperação do eixo HHA é altamente variável, podendo ocorrer em semanas ou levar anos. Essa variabilidade está associada a fatores como tipo de glicocorticoide utilizado, duração da terapia, via de administração, e susceptibilidade individual.

Durante o processo de desmame, pacientes podem apresentar a chamada síndrome de retirada dos glicocorticoides, um quadro clínico que, embora compartilhe sintomas com a insuficiência adrenal, ainda ocorre em pacientes que estão recebendo doses acima das fisiológicas. Quando a dose atinge níveis subfisiológicos, os sinais da deficiência de cortisol se tornam mais evidentes, podendo evoluir para uma crise adrenal em situações de estresse.

Epidemiologia e fatores de risco

O uso prolongado de glicocorticoides é uma prática comum na medicina, sendo estimado que cerca de 1% da população adulta utilize essas medicações de forma contínua. Estudos populacionais demonstram que o risco de insuficiência adrenal induzida pode variar consideravelmente de acordo com a via de administração: 4% com uso intranasal, cerca de 49% com via oral e mais de 50% com injeções intra-articulares. A condição é frequentemente subdiagnosticada, já que muitos casos permanecem assintomáticos até a exposição a estressores clínicos. Apesar da alta incidência de supressão bioquímica do eixo HHA, a manifestação clínica significativa, como crise adrenal, é menos frequente, mas potencialmente grave.

Diversos elementos aumentam a probabilidade de desenvolvimento da insuficiência adrenal. Entre os principais fatores de risco, destacam-se: uso de glicocorticoides em doses acima da fisiológica por mais de 3 a 4 semanas, preferência por fármacos de ação prolongada (como dexametasona e betametasona), e o uso de múltiplas formulações de forma simultânea. Além disso, pacientes em uso de inibidores potentes do citocromo P450 3A4 – como ritonavir ou cetoconazol – estão em maior risco devido ao aumento da biodisponibilidade dos esteroides. O uso prolongado de glicocorticoides inalatórios, tópicos ou intra-articulares, especialmente em altas doses, também representa risco relevante, mesmo na ausência de terapia oral.

Avaliação clínica

A insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides pode se manifestar de maneira silenciosa, principalmente enquanto o paciente ainda recebe doses acima do nível fisiológico. No entanto, à medida que o desmame avança e as doses se aproximam ou ficam abaixo do necessário para manter a função basal, surgem sinais e sintomas inespecíficos. Os mais frequentes incluem fadiga persistente, astenia, mialgias, cefaleia, náuseas, perda de apetite e hipotensão postural. Esses sintomas costumam ser confundidos com quadros depressivos, síndrome de abstinência ou recaída da doença de base, o que dificulta o diagnóstico clínico.

Em situações de maior demanda metabólica, como infecções, traumas, cirurgias ou jejum prolongado, o organismo é incapaz de montar uma resposta adaptativa adequada, o que pode culminar em uma crise adrenal. Esse quadro é caracterizado por hipotensão grave, hipoglicemia, vômitos, dor abdominal, confusão mental e risco iminente de choque circulatório. A ausência de sintomas específicos na fase basal e a sobreposição com efeitos do desmame dificultam o reconhecimento precoce, sendo necessária uma vigilância clínica cuidadosa, especialmente nos pacientes que estão em fase final de retirada do corticosteroide.

Diagnóstico 

A suspeita clínica de insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides deve surgir em pacientes que estão reduzindo ou interrompendo o uso de esteroides após terapia prolongada, especialmente se apresentarem sintomas sugestivos de hipocortisolismo. O diagnóstico, no entanto, é desafiador, pois os sintomas são frequentemente inespecíficos e podem ser confundidos com os efeitos da síndrome de retirada ou com manifestações da doença de base. Nessa fase, a abordagem inicial deve ser clínica e laboratorial, com avaliação do risco e dos sintomas apresentados.

O método preferencial para avaliar a recuperação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é a dosagem do cortisol sérico matinal, coletado entre 8h e 9h da manhã, após pelo menos 24 horas sem administração de glicocorticoides (exceto dexametasona). Valores acima de 300 nmol/L (10 µg/dL) sugerem recuperação do eixo e permitem a suspensão segura do corticosteroide. Resultados entre 150 e 300 nmol/L (5–10 µg/dL) indicam necessidade de manutenção da dose fisiológica e reavaliação futura. Já valores abaixo de 150 nmol/L (5 µg/dL) são compatíveis com insuficiência adrenal persistente, sendo recomendada a continuidade da reposição. Testes dinâmicos, como o teste do ACTH, são reservados para casos de dúvida diagnóstica, mas não são indicados rotineiramente durante o desmame.

Tratamento 

O manejo da insuficiência adrenal induzida por glicocorticoides envolve duas abordagens principais: a retirada gradual e segura do glicocorticoide e a reposição adequada quando houver hipocortisolismo persistente. O desmame deve respeitar a dose atual e o tempo de uso: reduções mais rápidas podem ser feitas enquanto o paciente ainda está em doses suprifisiológicas, mas devem ser mais lentas e cautelosas quando se aproximam das doses fisiológicas (4–6 mg de prednisona/dia ou equivalentes). Nessa fase, recomenda-se diminuir 1 mg a cada 2 a 4 semanas, monitorando sintomas e, se necessário, realizando testes laboratoriais para avaliar a recuperação do eixo HHA.

Nos casos em que há confirmação de insuficiência adrenal, é indicada a terapia de reposição com glicocorticoides em doses fisiológicas. A prednisona pode ser administrada em dose única pela manhã, enquanto o uso de hidrocortisona é geralmente fracionado ao longo do dia, respeitando o ritmo circadiano da secreção de cortisol. Em situações de estresse, como cirurgias, febre ou traumas, os pacientes devem receber doses suplementares (stress dose) para prevenir uma crise adrenal. A reposição com mineralocorticoide (como a fludrocortisona) não é necessária, pois a produção de aldosterona costuma estar preservada nesse tipo de insuficiência. A educação do paciente sobre os sinais de alerta, medidas preventivas e uso de glicocorticoide injetável de emergência é parte fundamental do tratamento.

Como é feito o desmame do corticoide

O desmame de corticoides deve ser iniciado somente quando a doença de base estiver controlada e não houver mais necessidade de manter o efeito anti-inflamatório ou imunossupressor da medicação. Essa decisão é especialmente relevante para pacientes que fizeram uso de glicocorticoides por mais de 3 a 4 semanas, em doses acima da faixa fisiológica (por exemplo, >5–7,5 mg de prednisona por dia). Nestes casos, a retirada abrupta pode levar à supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e desencadear sintomas de insuficiência adrenal.

O desmame deve seguir um ritmo progressivo e adaptado à dose atual:

  • Doses acima de 40 mg/dia de prednisona: reduções de 5 a 10 mg por semana;
  • Entre 20 e 40 mg/dia: reduções de 5 mg por semana;
  • Entre 10 e 20 mg/dia: reduções de 2,5 mg a cada 1–4 semanas;
  • Entre 5 e 10 mg/dia: reduções de 1 mg a cada 2–4 semanas;
  • Em 5 mg/dia: reduzir para 4 mg, 3 mg, 2 mg e 1 mg, mantendo intervalos de 4 semanas entre os passos.

Caso não existam formulações de baixa dosagem disponíveis, pode-se converter a prednisona para hidrocortisona 20 mg/dia, dividida em 2 a 3 tomadas, e seguir com reduções de 5 mg por etapa.

Durante todo o processo, o paciente deve ser acompanhado clinicamente. Se surgirem sintomas de fadiga, náuseas, hipotensão postural ou dor muscular, deve-se considerar voltar à última dose tolerada e reiniciar a redução com intervalos maiores. Em casos selecionados, pode-se utilizar cortisol sérico matinal como apoio para decidir sobre a suspensão definitiva.

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Referências Bibliográficas 

  1. BEUSCHLEIN, Felix et al. European Society of Endocrinology and Endocrine Society Joint Clinical Guideline: Diagnosis and therapy of glucocorticoid-induced adrenal insufficiency. European Journal of Endocrinology, v. 190, p. G25–G51, 2024. 
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