Olá, querido doutor e doutora! A má rotação intestinal é uma anomalia congênita que resulta de falhas no processo de rotação e fixação do intestino durante a embriogênese. Sua apresentação clínica é variável, podendo ir de quadros assintomáticos até emergências cirúrgicas graves, como o volvo do intestino médio.
O volvo associado à má rotação pode evoluir rapidamente para isquemia e necrose intestinal, configurando uma das emergências cirúrgicas mais graves da infância.
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Conceito
A má rotação intestinal corresponde a um defeito congênito do processo normal de rotação e fixação do intestino médio durante a embriogênese. Em vez de completar os 270° de rotação anti-horária em torno da artéria mesentérica superior, o intestino sofre interrupções ou desvios nesse movimento, resultando em posições anômalas do duodeno, jejuno, íleo e cólon. Essa disposição inadequada leva à formação de um pedículo mesentérico estreito, predispondo o paciente a obstruções intestinais e, em situações graves, ao volvo do intestino médio.
Embriologia, etiologia e patogênese
Embriologia
O desenvolvimento normal do intestino médio ocorre em três fases principais. Na primeira etapa, entre a quarta e a décima semana de gestação, o intestino sofre uma herniação fisiológica pelo cordão umbilical e realiza uma rotação inicial de 90° no sentido anti-horário em torno da artéria mesentérica superior. Em seguida, por volta da décima semana, ocorre o retorno das alças à cavidade abdominal com mais 180° de rotação, completando 270°. Na fase final, acontece a fixação retroperitoneal do duodeno e dos cólons ascendente e descendente, além da formação de um mesentério amplo que garante estabilidade às alças intestinais.
Patogênese
A má rotação intestinal resulta de uma falha em alguma dessas etapas, levando ao posicionamento anômalo do duodeno, jejuno, íleo e ceco e à formação de um pedículo mesentérico estreito. Essa conformação anatômica favorece a mobilidade intestinal e aumenta o risco de torção em torno da artéria mesentérica superior, caracterizando o volvo do intestino médio.
Etiologia
Do ponto de vista etiológico, além da alteração mecânica no processo de rotação e fixação, estudos apontam mutações genéticas que podem interferir na sinalização embrionária envolvida na rotação intestinal. Outro aspecto relevante é a presença de bandas de Ladd, estruturas peritoneais anômalas que podem atravessar o duodeno e causar obstrução parcial ou completa, mesmo na ausência de volvo.
Classificações (variações anatômicas)
A má rotação intestinal não ocorre de forma única, podendo se manifestar em diferentes padrões anatômicos conforme o grau de rotação e fixação das alças:
- Má rotação clássica: é a forma mais comum e associada ao maior risco de volvo. Caracteriza-se por posicionamento anômalo do duodeno e do ceco no abdome superior, além de um mesentério estreito. Frequentemente, há presença de bandas de Ladd comprimindo o duodeno.
- Rotação incompleta: ocorre quando o processo rotacional não é totalmente concluído. O duodeno e o ceco encontram-se em posições atípicas, mas sem necessariamente estreitamento significativo do mesentério. Nestes casos, o risco de volvo é menor em comparação à forma clássica.
- Não rotação: resulta da interrupção precoce do processo, em que o intestino não realiza a rotação completa. O duodeno permanece à direita da artéria mesentérica superior e o cólon desloca-se para o lado esquerdo do abdome. Geralmente apresenta baixo risco de volvo, mas pode ser assintomática ou diagnosticada incidentalmente.
- Rotação reversa: é a forma mais rara. O intestino sofre rotação no sentido horário, levando o duodeno a se posicionar anteriormente à artéria mesentérica superior e o cólon posteriormente. Essa configuração pode provocar obstruções e complicações graves.
Essas variações demonstram que o risco clínico não depende apenas da presença da anomalia, mas principalmente do arranjo final das alças e da largura do pedículo mesentérico.
Epidemiologia e condições associadas
A má rotação intestinal apresenta incidência estimada de 1 para cada 500 a 6000 nascidos vivos, embora esse número provavelmente seja subestimado, já que muitos casos permanecem assintomáticos e só são descobertos de forma incidental em exames de imagem. A manifestação sintomática ocorre principalmente na infância: aproximadamente 30% dos casos surgem no primeiro mês de vida, 60% até o primeiro ano e mais de 75% até os 5 anos de idade. A apresentação em adultos é rara, correspondendo a menos de 1% dos casos.
Existe discreta predominância no sexo masculino, especialmente no período neonatal. Já em adultos, não há diferença significativa entre os sexos. O tipo mais frequentemente identificado em estudos radiológicos é a não rotação, muitas vezes encontrada sem repercussão clínica.
A má rotação pode estar isolada ou associada a outras anomalias congênitas, como:
- Cardiopatias congênitas, em especial nos pacientes com síndrome de heterotaxia;
- Hérnia diafragmática congênita;
- Onfalocele e gastrosquise;
- Atresias intestinais e esofágicas;
- Malformações anorretais complexas, incluindo aquelas do espectro VACTERL;
- Outras síndromes raras, como prune-belly.
Essas associações reforçam que a má rotação frequentemente faz parte de um espectro mais amplo de defeitos do desenvolvimento embrionário, o que justifica a necessidade de avaliação multidisciplinar nos pacientes afetados.
Avaliação clínica
As manifestações clínicas da má rotação intestinal variam de acordo com a idade do paciente e com a presença ou não de volvo do intestino médio.
Nos recém-nascidos e lactentes, o quadro típico é de vômitos biliosos de início súbito, muitas vezes associados a irritabilidade, distensão abdominal e sinais de obstrução intestinal. Em situações mais graves, podem ocorrer hematêmese, hematoquezia e instabilidade hemodinâmica, sugerindo isquemia intestinal decorrente de volvo. Aproximadamente 50% a 70% dos casos sintomáticos apresentam-se dessa forma no primeiro mês de vida.
Em crianças maiores e adolescentes, a apresentação é menos específica. Podem ocorrer episódios recorrentes de dor abdominal intermitente, vômitos não biliosos, constipação, diarreia alternada ou sinais de má absorção. Em alguns casos, a evolução é marcada por falha no crescimento ou dor abdominal crônica, dificultando o diagnóstico.
Nos adultos, a má rotação é frequentemente um achado incidental em exames de imagem solicitados por outras razões. Quando sintomática, pode cursar com dor abdominal recorrente, distensão, vômitos ocasionais e, em situações mais raras, quadro agudo de volvo com obstrução e risco de necrose intestinal.
Portanto, a gravidade dos sintomas está diretamente relacionada à instabilidade do pedículo mesentérico e à ocorrência de torção intestinal, o que pode transformar uma anomalia anatômica silenciosa em emergência cirúrgica potencialmente fatal.
Diagnóstico
O diagnóstico da má rotação intestinal depende da correlação entre quadro clínico e exames de imagem, sempre considerando a instabilidade clínica do paciente.
Nos recém-nascidos com vômitos biliosos, deve-se inicialmente suspeitar de má rotação associada a volvo do intestino médio, quadro que exige investigação imediata. Em situações de instabilidade hemodinâmica ou sinais de peritonite, a indicação é de laparotomia emergencial, sem necessidade de exames complementares prévios.
Quando o paciente está estável, o exame padrão-ouro é a série contrastada do trato gastrointestinal superior (UGI), que avalia o posicionamento da junção duodenojejunal. Achados sugestivos incluem: falha da alça duodenal em cruzar a linha média, junção duodenojejunal posicionada à direita da coluna e o clássico “sinal do saca-rolhas”, característico do volvo.
Outros exames podem auxiliar:
- Ultrassonografia abdominal: pode evidenciar o “sinal do redemoinho (whirlpool)”, relacionado ao enrolamento da veia mesentérica superior em torno da artéria mesentérica superior. Apesar de útil, não substitui o estudo contrastado.
- Enema opaco: avalia a localização do ceco, que pode estar deslocado em pacientes com má rotação. No entanto, não descarta a condição quando o ceco está em posição normal.
- Radiografia abdominal simples: tem baixa sensibilidade, mas pode sugerir obstrução intestinal alta em neonatos.
- Tomografia computadorizada e ressonância magnética: pouco utilizadas em crianças pequenas, mas podem demonstrar má rotação incidental em adultos.
Exames laboratoriais, como hemograma e gasometria, podem indicar complicações: acidose metabólica com lactato elevado sugere isquemia intestinal.
Tratamento
Emergência cirúrgica no volvo do intestino médio
Quando a má rotação se apresenta com volvo, o quadro é considerado emergência cirúrgica imediata. O objetivo principal da intervenção é desobstruir o intestino e prevenir a necrose. O procedimento de Ladd é o tratamento de escolha, consistindo em detorção do intestino em sentido anti-horário, lise das bandas de Ladd que comprimem o duodeno e ampliação da base mesentérica para reduzir o risco de torção recorrente.
Passos do procedimento de Ladd
Além da correção anatômica, o procedimento inclui o reposicionamento das alças, colocando o intestino delgado no lado direito do abdome e o cólon à esquerda. É realizada ainda a apendicectomia profilática, já que a localização anômala do apêndice pode dificultar o diagnóstico de apendicite no futuro.
Condutas em casos de isquemia intestinal
Se durante a cirurgia for constatada isquemia ou necrose intestinal, procede-se à ressecção do segmento inviável. Nos casos em que a viabilidade é duvidosa, adota-se a estratégia do “second look” laparotômico, realizado 24 a 48 horas após a primeira abordagem, permitindo avaliar se houve recuperação do tecido.
Má rotação sem volvo
Nos pacientes sem volvo, a conduta é mais discutida. Muitos especialistas defendem a realização do procedimento de Ladd eletivo em crianças, devido ao risco potencial de complicações futuras. Já em adolescentes e adultos assintomáticos, pode ser adotada a conduta expectante, com acompanhamento clínico rigoroso e orientação para buscar atendimento imediato diante de sintomas como vômitos biliosos ou dor abdominal súbita.
Casos com malformações associadas
Quando a má rotação está presente em pacientes com anomalias congênitas, como heterotaxia, hérnia diafragmática ou defeitos de parede abdominal, a decisão sobre a correção cirúrgica deve ser individualizada. O risco de volvo deve ser cuidadosamente ponderado em relação às possíveis complicações do procedimento.
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Referências Bibliográficas
- WESTMORELAND, T.; VAN ZUUREN, E. J.; BARRON, S. A. Malrotação e Vólvulo do Intestino Médio. DynaMed. EBSCO Information Services, 2025.
- ALANI, M.; RENTEA, R. M. Midgut Malrotation. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023.