Olá, querido doutor e doutora! A neurocisticercose é uma das infecções parasitárias mais prevalentes do sistema nervoso central e representa um importante desafio para a saúde pública, especialmente em regiões endêmicas. Com manifestações clínicas que variam de crises epilépticas a déficits neurológicos e alterações cognitivas, a doença reflete a complexa interação entre o parasita Taenia solium e a resposta imunológica do hospedeiro. O diagnóstico e tratamento demandam uma abordagem multidisciplinar, envolvendo exames de imagem, testes imunológicos e intervenções terapêuticas específicas.
O ciclo de vida do parasita é completado quando humanos ingerem carne de porco contaminada e mal cozida, permitindo que os cisticercos sejam liberados no trato digestivo.
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Conceito de Neurocisticercose
A neurocisticercose é uma infecção parasitária do sistema nervoso central causada pela larva da Taenia solium, um cestódeo que utiliza humanos como hospedeiros definitivos. Essa condição é considerada uma das principais causas de epilepsia adquirida em regiões endêmicas, especialmente em países em desenvolvimento, onde práticas sanitárias inadequadas e a criação de suínos em condições precárias favorecem a transmissão.
Fisiopatologia da Neurocisticercose
A doença começa com a ingestão de ovos do parasita, presentes em alimentos ou água contaminados, ou pelo contato fecal-oral. No trato digestivo, os ovos liberam oncosferas, que atravessam a parede intestinal e entram na circulação sanguínea. Através do sangue, essas oncosferas migram para tecidos como músculos, olhos e o SNC, onde se desenvolvem em cisticercos.
No SNC, os cisticercos podem se alojar no parênquima cerebral, espaço subaracnoide, cisternas basais, sistema ventricular e, mais raramente, na medula espinhal ou nos olhos. A localização das lesões influencia diretamente as manifestações clínicas, como crises epilépticas, hidrocefalia ou déficits neurológicos focais. A progressão da doença está relacionada ao estágio evolutivo dos cisticercos, que passam por quatro fases: vesicular (viável e pouco imunogênico), coloidal (início da degeneração com intensa inflamação), granular (formação de granulomas) e calcificada (formação de nódulos mineralizados).
Os cisticercos vivos no estágio vesicular geralmente não geram resposta inflamatória significativa, devido à sua capacidade de inibir mecanismos imunológicos do hospedeiro. Porém, à medida que o parasita entra na fase coloidal, ocorre uma reação inflamatória intensa, com proliferação de células inflamatórias ao redor das lesões. Essa resposta pode levar a edema cerebral, glioses e, em casos graves, aracnoidite, hidrocefalia ou infartos cerebrais.
Epidemiologia da Neurocisticercose
A neurocisticercose é a infecção parasitária mais comum do sistema nervoso central e está amplamente distribuída em regiões endêmicas, como América Latina, África subsaariana, sudeste asiático e algumas áreas da Europa Oriental. Nessas regiões, práticas sanitárias inadequadas, consumo de água contaminada e manejo precário na criação de suínos facilitam a transmissão da Taenia solium. Nos países desenvolvidos, embora menos prevalente, a doença é diagnosticada principalmente em imigrantes provenientes de áreas endêmicas.
Fatores de Risco
- Condições sanitárias inadequadas: a ausência de infraestrutura para tratamento de esgoto e descarte inadequado de fezes humanas aumenta a disseminação de ovos da Taenia solium no meio ambiente.
- Consumo de alimentos e água contaminados: a ingestão de água ou vegetais crus contaminados com fezes contendo ovos do parasita é uma das principais vias de infecção.
- Criação de suínos em condições insalubres: a proximidade de suínos com ambientes contaminados por fezes humanas favorece o ciclo de vida do parasita.
- Contato próximo com portadores de tênia adulta: indivíduos que convivem com pessoas infectadas com a forma adulta da Taenia solium têm maior risco de adquirir a cisticercose, devido à liberação de ovos pelas fezes.
- Pobreza e baixa escolaridade: esses fatores contribuem para menor acesso a informações e práticas preventivas, aumentando o risco de exposição ao parasita.
- Migração e viagens internacionais: a globalização tem levado à dispersão da doença para países não endêmicos, principalmente em áreas urbanas com grandes comunidades migrantes.
Quadro Clínico da Neurocisticercose
Manifestações Neurológicas Iniciais
A neurocisticercose pode ser assintomática em seus estágios iniciais, especialmente em pacientes com um número limitado de cisticercos ou com parasitas ainda viáveis no estágio vesicular. Nesses casos, o diagnóstico muitas vezes é incidental, identificado em exames de imagem realizados por outros motivos. Quando os cisticercos começam a degenerar, eles desencadeiam uma resposta inflamatória que marca o início dos sintomas clínicos.
Crises Epilépticas
Crises epilépticas representam a manifestação mais comum da doença, sendo observadas em até 80% dos casos sintomáticos. Podem ocorrer em qualquer estágio do cisticerco, mas são mais frequentes nos estágios coloidal e granular, quando há maior resposta inflamatória. As crises variam de parciais a generalizadas, e frequentemente são o primeiro sintoma a levar o paciente a buscar atendimento médico.
Hipertensão Intracraniana
A hipertensão intracraniana é uma complicação importante, especialmente em casos de hidrocefalia obstrutiva causada por cistos localizados nos ventrículos ou devido à aracnoidite no espaço subaracnoide. Os sintomas incluem cefaleia persistente, vômitos, papiledema e, em casos graves, alterações no nível de consciência. Essa condição exige manejo imediato para evitar danos permanentes ao sistema nervoso.
Alterações Cognitivas e Psiquiátricas
Comprometimento cognitivo é comum em estágios avançados da doença, variando desde dificuldades leves de memória e atenção até quadros de demência. Além disso, alterações psiquiátricas, como depressão, ansiedade e mudanças de humor, são relatadas em alguns casos, refletindo o impacto da inflamação crônica e lesões cerebrais.
Diagnóstico da Neurocisticercose
Exames de Imagem
A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) são fundamentais para o diagnóstico. A TC é especialmente útil para identificar calcificações típicas da fase avançada da doença, enquanto a RM é superior para avaliar cistos ativos, o estágio evolutivo das lesões e a resposta inflamatória associada. A presença de cistos com o “sinal do ponto” (um nódulo hiperdenso representando o escólex) é considerada patognomônica. A hidrocefalia e alterações no fluxo do líquido cefalorraquidiano podem ser detectadas em casos com envolvimento ventricular ou aracnoidite.
Testes Imunológicos
Exames sorológicos, como o ensaio imunoenzimático (ELISA) e o immunoblot, ajudam a detectar anticorpos ou antígenos específicos do parasita. Embora esses testes tenham alta sensibilidade em casos de infecção múltipla, sua precisão diminui em pacientes com cistos únicos ou lesões calcificadas. A detecção de antígenos circulantes pode ser usada para monitorar a resposta ao tratamento em alguns casos.
Diagnóstico Diferencial
As lesões da neurocisticercose podem se assemelhar a tumores, abscessos ou granulomas causados por outras infecções, como tuberculose e toxoplasmose. Por isso, a correlação entre achados clínicos, laboratoriais e de imagem é essencial para evitar diagnósticos errôneos e atrasos no tratamento.
Tratamento da Neurocisticercose
- Terapia antiparasitária: o uso de antiparasitários, como albendazol e praziquantel, é a base do tratamento para eliminar os cisticercos viáveis. O albendazol é frequentemente preferido, administrado em doses de 15 mg/kg/dia por 7 a 14 dias, devido à sua eficácia em diversos tipos de cistos, incluindo os localizados em cisternas basais e ventrículos. O praziquantel, em doses de 50 mg/kg/dia por 15 dias, também é eficaz, mas pode ser menos indicado em casos com múltiplas lesões devido à maior necessidade de controle da inflamação associada à morte dos parasitas. A escolha da medicação depende do número, localização e estágio evolutivo das lesões.
- Uso de corticosteroides: os corticosteroides, como a dexametasona ou prednisona, são essenciais para reduzir a inflamação desencadeada pela destruição dos cisticercos. Eles ajudam a minimizar sintomas como edema cerebral, hidrocefalia e resposta inflamatória em lesões subaracnoides ou ventriculares. O uso concomitante de corticosteroides com antiparasitários é indicado para prevenir complicações, como aumento transitório da hipertensão intracraniana.
- Intervenções cirúrgicas: a cirurgia é indicada em casos específicos, como hidrocefalia obstrutiva grave, cistos ventriculares ou aracnoidite intensa. Procedimentos como derivação ventricular são realizados para aliviar a pressão intracraniana. A remoção endoscópica de cistos ventriculares pode ser considerada em locais acessíveis, reduzindo a necessidade de uso prolongado de antiparasitários.
Complicações da Neurocisticercose
- Epilepsia crônica: crises epilépticas recorrentes são a complicação mais comum da neurocisticercose, especialmente em casos com calcificações residuais ou inflamação persistente. Essas crises podem evoluir para epilepsia de difícil controle, afetando significativamente a qualidade de vida do paciente.
- Hipertensão intracraniana: a hipertensão intracraniana é causada por hidrocefalia obstrutiva, frequentemente associada a cistos localizados nos ventrículos ou a aracnoidite no espaço subaracnóide. Esse quadro pode levar a cefaleia intensa, vômitos, papiledema e, em casos graves, herniação cerebral.
- Hidrocefalia: a obstrução do fluxo do líquido cefalorraquidiano (LCR) por cistos nos ventrículos ou por inflamação nas cisternas basais é uma complicação grave. A hidrocefalia pode ser crônica e exigir procedimentos cirúrgicos, como a colocação de derivação ventriculoperitoneal.
- Deficiência neurológica focal: déficits neurológicos focais, como hemiparesia, alterações sensoriais ou disfunções de nervos cranianos, podem ocorrer devido à compressão de estruturas cerebrais ou à inflamação em áreas específicas do sistema nervoso central. Esses déficits podem ser permanentes, dependendo da extensão do dano.
Cai na Prova
Acompanhe comigo uma questão sobre o tema (disponível no banco de questões do Estratégia MED):
Exame Nacional de Residência Médica EBSERH (ENARE) 2025 Um paciente de 34 anos é levado ao pronto-socorro por sua esposa, pois vem apresentando cefaleia intensa e convulsões sugestivas de crises parciais complexas. Há presença de leve paresia braquiocrural à direita. É realizada uma tomografia computadorizada de urgência. Diante da história epidemiológica, sintomas, exame físico e achados na tomografia computadorizada de crânio, há a suspeita de neurocisticercose. O próximo exame complementar para avaliação dessa hipótese diagnóstica é:
A. exame parasitológico de fezes;
B. ressonância nuclear magnética de crânio;
C. ultrassonografia com Doppler transcraniano;
D. eletroencefalograma com mapeamento cerebral;
E. PET SCAN cerebral com radiotraçador 18F-Fluordeoxiglicose.
Comentário da Equipe EMED
INCORRETA ALTERNATIVA A: exame parasitológico de fezes; Exame de baixíssima sensibilidade na avaliação da cisticercose.
CORRETA ALTERNATIVA B: ressonância nuclear magnética de crânio; Exatamente! Padrão ouro, inclusive para definir a viabilidade do patógeno, o que poderá influenciar na decisão de tratamento.
INCORRETA ALTERNATIVA C: ultrassonografia com Doppler transcraniano; Outro exame sem propósito na neurocisticercose.
INCORRETA ALTERNATIVA D: eletroencefalograma com mapeamento cerebral; Serve para avaliar a presença de descargas epilépticas, que podem estar ausentes em indivíduos sabidamente epilépticas e não são, nem de longe, específicas para cisticercose.
INCORRETA ALTERNATIVA E: PET SCAN cerebral com radiotraçador 18F-Fluordeoxiglicose. Outro exame sem nenhuma indicação.
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Referências Bibliográficas
- Del Brutto O. H. (2014). Neurocysticercosis. The Neurohospitalist, 4(4), 205–212. https://doi.org/10.1177/1941874414533351.