E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Artrite Enteropática, uma manifestação inflamatória associada às doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Artrite Enteropática
A artrite enteropática é uma condição reumatológica de base imunomediada associada a doenças do trato gastrointestinal, especialmente às doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, além de poder ocorrer em infecções bacterianas ou parasitárias intestinais, doença celíaca, doença de Whipple e outras enteropatias.
Caracteriza-se pelo acometimento articular axial, periférico ou misto, podendo variar desde inflamação subclínica identificada por exames de imagem até quadros graves com limitação funcional.
O envolvimento articular pode preceder, acompanhar ou evoluir de forma independente da atividade intestinal, sendo influenciado por mecanismos inflamatórios sistêmicos e alterações da microbiota intestinal.
Fisiopatologia da Artrite Enteropática
A fisiopatologia da artrite enteropática baseia-se na interação entre inflamação intestinal, disbiose da microbiota, fatores genéticos e ativação do sistema imunológico. Evidências recentes indicam que a inflamação do trato gastrointestinal aumenta a permeabilidade intestinal, permitindo a passagem de antígenos microbianos para a circulação. Essas alterações da microbiota ativam células dendríticas e macrófagos intestinais, levando à produção elevada de interleucina 23, citocina central nesse processo.
A IL 23 estimula a diferenciação e ativação de células Th17, células linfoides inatas do tipo 3 e outras populações imunes, que passam a produzir IL 17, IL 22 e TNF alfa. Essas citocinas promovem uma resposta inflamatória sistêmica, com recrutamento de células inflamatórias para a sinóvia e as enteses. Antígenos originados do intestino podem se depositar nos tecidos musculoesqueléticos, desencadeando inflamação articular e entesopática.
Fatores genéticos, especialmente o HLA B27, contribuem para a ativação dessas vias inflamatórias, possivelmente por meio de dobramento anômalo da molécula e ativação da autofagia, o que intensifica a produção de IL 23. A IL 17 está relacionada à inflamação crônica e ao recrutamento de neutrófilos, enquanto a IL 22 participa tanto da inflamação quanto da neoformação óssea nas enteses.
Mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais, muitos pacientes apresentam inflamação intestinal subclínica, reforçando o eixo intestino-articulação. Assim, a artrite enteropática resulta de um processo imunoinflamatório iniciado no intestino, mediado por disbiose, citocinas pró inflamatórias e predisposição genética, culminando no acometimento articular.
Manifestações clínicas da Artrite Enteropática
As manifestações clínicas da artrite enteropática são variadas e envolvem tanto sintomas articulares quanto gastrointestinais. A avaliação clínica deve ser sistematizada, considerando o padrão de acometimento articular e sua possível relação com a atividade da doença intestinal.
Avaliação clínica inicial
A anamnese deve incluir investigação detalhada da dor articular, com atenção à presença de rigidez matinal, edema, padrão inflamatório e relação da dor com o repouso ou atividade física.
Sintomas intestinais também devem ser explorados, como alteração do hábito intestinal, perda de peso, inapetência, presença de sangue ou muco nas fezes, tenesmo, evacuações noturnas, úlceras orais recorrentes e dor ou secreção perianal. Nem sempre há paralelismo entre a intensidade dos sintomas articulares e intestinais.
É fundamental investigar histórico familiar de doença inflamatória intestinal, espondiloartrites, psoríase ou uveíte, além do uso de medicamentos, especialmente anti-inflamatórios não esteroidais, que podem agravar manifestações gastrointestinais.
Artropatia associada à doença inflamatória intestinal
A artrite associada à doença inflamatória intestinal pode se manifestar de forma axial, periférica ou mista. O acometimento axial envolve a coluna vertebral e as articulações sacroilíacas, caracterizando quadros de espondilite e sacroileíte.
Os pacientes geralmente apresentam dor lombar de início insidioso, associada à rigidez matinal, piora com repouso prolongado e melhora com atividade física. Em casos crônicos, o exame físico pode revelar limitação da flexão da coluna e redução da expansibilidade torácica. O envolvimento axial costuma ser independente da atividade intestinal e é mais frequente na doença de Crohn do que na retocolite ulcerativa.
Artrite periférica associada à doença inflamatória intestinal
A artrite periférica é tipicamente não erosiva e não deformante, sendo mais comum em pacientes com doença de Crohn com acometimento colônico. Pode anteceder as manifestações intestinais, ocorrer simultaneamente ou surgir anos após o diagnóstico da doença intestinal.
Além da artrite, podem estar presentes entesite e dactilite. A entesite manifesta-se por dor intensa, sensibilidade e edema, especialmente nos calcâneos, na inserção do tendão de Aquiles ou da fáscia plantar, podendo causar dificuldade para caminhar. A dactilite caracteriza-se por edema difuso de dedos das mãos ou dos pés, conferindo aspecto de dedo em salsicha.
Classificação clínica da artrite periférica
Tradicionalmente, a artrite periférica associada à doença inflamatória intestinal é dividida em dois tipos.
O tipo 1 corresponde à forma oligoarticular, com acometimento de menos de cinco articulações. Apresenta curso autolimitado, com duração aproximada de até dez semanas, acometendo de forma assimétrica grandes articulações, como joelhos, quadris e ombros. Esse padrão está fortemente associado à atividade da doença intestinal e é mais comum em casos de retocolite ulcerativa extensa ou doença de Crohn colônica. Frequentemente associa-se a outras manifestações extraintestinais, como eritema nodoso, pioderma gangrenoso, úlceras aftosas, uveíte e amiloidose secundária.
O tipo 2 corresponde à forma poliarticular, com acometimento de mais de cinco articulações. Possui curso crônico, podendo persistir por meses ou anos. Geralmente apresenta padrão simétrico, com envolvimento predominante das pequenas articulações das mãos, e sua atividade é independente da atividade da doença intestinal.
Diagnóstico da Artrite Enteropática
A suspeita diagnóstica deve ser levantada em pacientes com doença inflamatória intestinal que apresentem dor e edema articular ou dor lombar inflamatória. O exame físico deve avaliar sinais de inflamação articular, observando padrão e simetria do acometimento. É fundamental examinar dedos e tecidos periarticulares em busca de edema e sensibilidade, com atenção especial às enteses, principalmente na inserção do tendão de Aquiles.
A avaliação axial inclui exame da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas, com análise da flexibilidade, amplitude de movimento e presença de dor à palpação. Testes funcionais como o teste de Schober modificado auxiliam na avaliação da mobilidade lombar, sendo considerada alterada quando o aumento da distância é inferior a 5 cm durante a flexão anterior. A distância occipício parede é utilizada para avaliar a gravidade do acometimento axial, sendo anormal quando superior a 2 cm.
O exame físico deve ainda incluir avaliação abdominal, exame perianal para identificação de doença perirretal, inspeção da pele em busca de manifestações como eritema nodoso e pioderma gangrenoso, além de avaliação oftalmológica para detecção de uveíte ou conjuntivite.
Exames laboratoriais
- Hemograma completo: pode evidenciar anemia, leucocitose e trombocitose, achados frequentes em processos inflamatórios crônicos associados à doença inflamatória intestinal.
- Velocidade de hemossedimentação: geralmente encontra-se elevada, refletindo atividade inflamatória sistêmica.
- Proteína C reativa: marcador sensível de inflamação, costuma estar aumentada, especialmente nos pacientes com acometimento axial.
- Fator reumatoide: habitualmente negativo, auxiliando na exclusão de artrite reumatoide.
- Anticorpos anti endomísio e anti transglutaminase: indicados na investigação de doença celíaca como causa associada de artrite.
- Artrocentese e análise do líquido sinovial: indicada em casos de monoartrite ou oligoartrite para exclusão de artrite séptica, especialmente em pacientes imunossuprimidos. O líquido apresenta padrão inflamatório leve a moderado, com predomínio de células mononucleares, culturas negativas e ausência de cristais.
- Calprotectina fecal: pode estar elevada em doenças inflamatórias intestinais, porém não possui sensibilidade e especificidade suficientes para o diagnóstico isolado.
Exames de imagem
- Radiografia simples da coluna vertebral e articulações sacroilíacas: exame inicial nos casos de dor lombar inflamatória, podendo revelar esclerose, erosões, anquilose e sindesmófitos.
- Ultrassonografia musculoesquelética: útil na avaliação do acometimento periférico, identificando derrames articulares, sinovite ativa, entesite, tendinopatias e bursites, sendo sensível nas fases iniciais da doença.
- Ressonância magnética da coluna lombar e articulações sacroilíacas com STIR: considerada o padrão ouro para diagnóstico de sacroileíte ativa, detectando edema ósseo subcondral, osteíte e entesite, mesmo quando a radiografia é normal.
- Tomografia computadorizada de abdome e pelve: frequentemente utilizada para avaliar a atividade da doença intestinal, permitindo também a identificação de alterações ósseas crônicas, como erosões, sindesmófitos e fusão articular.
- Ressonância magnética enterográfica: método empregado para avaliação da inflamação intestinal, podendo identificar alterações inflamatórias nas articulações sacroilíacas mesmo em pacientes assintomáticos do ponto de vista axial.
Tratamento da Artrite Enteropática
O objetivo é controlar a inflamação sistêmica, prevenir dano estrutural e melhorar a qualidade de vida. Como existem diretrizes distintas para doença inflamatória intestinal, espondiloartrite axial e periférica, a estratégia terapêutica deve abranger todas as manifestações clínicas.
Anti-inflamatórios não esteroidais
Os anti-inflamatórios não esteroidais são considerados terapia inicial tanto para o acometimento axial quanto periférico, embora seu uso seja controverso pelo risco de exacerbação da doença intestinal. Evidências sugerem que cursos curtos podem ser seguros, especialmente quando a doença inflamatória intestinal está inativa. Inibidores seletivos da COX 2 não são preferidos em relação aos demais anti-inflamatórios, conforme diretrizes do American College of Rheumatology.
Tratamento da artrite periférica
Anti-inflamatórios não esteroidais e glicocorticoides
O tratamento inicial inclui anti-inflamatórios não esteroidais associados a infiltrações intra-articulares ou glicocorticoides orais em baixa dose, sempre que necessário, com proteção gástrica quando indicado.
Drogas modificadoras do curso da doença
Na falha do tratamento inicial, podem ser utilizados fármacos modificadores do curso da doença, principalmente sulfassalazina e metotrexato. A sulfassalazina é a opção preferencial, com titulação progressiva e avaliação de resposta após pelo menos 12 semanas. O metotrexato pode ser utilizado semanalmente, com ajuste gradual da dose. Não há evidências robustas para o uso da azatioprina na artrite enteropática.
Inibidores do fator de necrose tumoral
Os inibidores de TNF são indicados nos casos refratários ou quando há necessidade de controle simultâneo da doença intestinal. Anticorpos monoclonais como infliximabe, adalimumabe, golimumabe e certolizumabe são eficazes para manifestações articulares e intestinais. O etanercepte deve ser evitado por não controlar a inflamação intestinal e poder agravá-la. É obrigatória a triagem para tuberculose antes do início do tratamento.
Inibidores de interleucinas
O ustecinumabe pode ser considerado após falha dos inibidores de TNF, especialmente em pacientes com doença de Crohn, com maior benefício no acometimento axial. Inibidores de IL 17 não são recomendados, pois podem induzir exacerbações da doença inflamatória intestinal.
Inibidores de Janus quinase
Tofacitinibe e upadacitinibe podem ser eficazes no controle das manifestações articulares e intestinais, porém seu uso é limitado por alertas de segurança relacionados a eventos cardiovasculares, tromboembólicos, neoplasias e mortalidade.
Inibidores de integrina
O vedolizumabe atua principalmente no trato gastrointestinal e pode reduzir sintomas articulares, mas não é utilizado rotineiramente como monoterapia para artrite enteropática. Pode ser considerado em associação com inibidores de TNF em casos selecionados.
Glicocorticóides sistêmicos
Indicados para exacerbações agudas articulares ou intestinais, devem ser utilizados na menor dose eficaz e pelo menor tempo possível, podendo ser administrados por via oral, intramuscular ou intra-articular.
Tratamento da artrite axial
O tratamento inicial baseia-se no uso de anti-inflamatórios não esteroidais associados a um programa estruturado de exercícios e fisioterapia. Na ausência de resposta adequada, os inibidores de TNF são indicados. Drogas modificadoras do curso da doença convencionais não são eficazes no controle do acometimento axial, e os casos refratários seguem o mesmo algoritmo terapêutico da artrite periférica.
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Referências
Shahid Z, Brent LH, Lucke M. Enteropathic Arthritis. [Updated 2024 Apr 19]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK594239/



