E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Atresia Esofágica, uma malformação congênita caracterizada pela interrupção da continuidade do esôfago, que frequentemente se associa a fístula traqueoesofágica.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Atresia Esofágica
A atresia esofágica é uma anomalia congênita que resulta da falha na formação adequada do esôfago durante o desenvolvimento embrionário. O esôfago, estrutura responsável por conduzir o alimento da faringe ao estômago, origina-se a partir do intestino anterior, assim como a traqueia.
Durante o processo de diferenciação, essas duas estruturas devem se separar corretamente a partir de um tubo comum. Quando essa separação não ocorre de forma completa, ou quando há interrupção no desenvolvimento do esôfago, forma-se a atresia esofágica, frequentemente associada a fístula traqueoesofágica.
Essa alteração pode ocorrer isoladamente ou em conjunto com outras malformações congênitas, sendo comum sua associação a síndromes como VACTERL e CHARGE. Trata-se, portanto, de uma condição que reflete uma falha no desenvolvimento embrionário do trato aerodigestivo, com relevância clínica e impacto importante no período neonatal.
Fisiopatologia da Atresia Esofágica
A fisiopatologia da atresia esofágica está diretamente relacionada a alterações no processo de separação do intestino anterior durante o desenvolvimento embrionário. No início da embriogênese, o esôfago e a traqueia originam-se de um mesmo tubo primitivo, denominado intestino anterior.
Por volta da quarta semana de gestação, ocorre a divisão desse tubo em duas estruturas distintas: a traqueia, localizada anteriormente, e o esôfago, posteriormente. Quando esse processo de separação não se completa de forma adequada, pode ocorrer a interrupção da continuidade do esôfago, caracterizando a atresia, frequentemente associada à formação de uma comunicação anômala entre esôfago e traqueia, denominada fístula traqueoesofágica.
A formação da fístula resulta de defeitos nas interações epitélio-mesenquimais, que impedem a correta ramificação do broto pulmonar. Dessa maneira, um trajeto fistuloso conecta as duas estruturas, favorecendo a comunicação anormal.
Essa combinação de falha de desenvolvimento do esôfago e persistência de um trajeto com a traqueia explica a diversidade de apresentações anatômicas descritas nos diferentes tipos de atresia esofágica, desde a ausência isolada de continuidade esofágica até formas complexas com múltiplas fístulas.
Classificação da Atresia Esofágica
A atresia esofágica apresenta diferentes variações anatômicas, classificadas em cinco tipos principais, de acordo com a presença ou não da fístula traqueoesofágica e sua localização. Essa classificação auxilia no entendimento da malformação e orienta a conduta cirúrgica adequada para cada caso.
- Tipo A: corresponde à atresia esofágica isolada, sem fístula traqueoesofágica. Representa cerca de 10% dos casos. Nessa forma, o esôfago apresenta descontinuidade completa, com os segmentos proximal e distal terminando em fundo cego.
- Tipo B: caracteriza-se pela atresia esofágica associada a uma fístula traqueoesofágica no segmento proximal do esôfago. É a forma mais rara, com prevalência inferior a 1%.
- Tipo C: é a forma mais frequente, ocorrendo em aproximadamente 85% dos casos. Nesse tipo, há atresia esofágica com uma fístula conectando o segmento distal do esôfago à traqueia, permitindo a comunicação anômala entre os sistemas respiratório e digestivo.
- Tipo D: envolve atresia esofágica associada a fístulas traqueoesofágicas tanto no segmento proximal quanto no distal do esôfago. É extremamente rara, com prevalência inferior a 1%.
- Tipo E: conhecida como fístula traqueoesofágica isolada ou em “H”, ocorre sem atresia esofágica. Corresponde a cerca de 4% dos casos, mantendo a continuidade do esôfago, mas com comunicação anômala entre este e a traqueia.
Manifestações clínicas da Atresia Esofágica
As manifestações clínicas da atresia esofágica geralmente se apresentam logo após o nascimento, especialmente nos casos não diagnosticados durante a gestação. Os recém-nascidos exibem aumento da produção de secreções, que resulta em episódios de engasgo, dificuldade respiratória e crises de cianose durante as tentativas de amamentação.
Nos tipos de atresia esofágica associados à fístula traqueoesofágica distal (tipos C a E), observa-se distensão gástrica, visível em exames de imagem, devido à passagem de ar da traqueia para o estômago através da fístula. Já nos tipos A e B, em que não há comunicação entre traqueia e esôfago distal, essa distensão não ocorre, sendo um ponto de diferenciação importante.
Outro aspecto clínico relevante é o risco de refluxo de conteúdo gástrico pela fístula em direção à traqueia, o que pode levar à aspiração pulmonar e desencadear quadros de pneumonia e piora do desconforto respiratório. Nos casos do tipo E, a apresentação clínica pode ser mais tardia, especialmente quando a fístula é pequena, dificultando o diagnóstico inicial.
Quando suspeitar de Atresia Esofágica?
A atresia esofágica deve ser suspeitada principalmente durante a gestação, quando exames ultrassonográficos revelam polidrâmnio e ausência ou pequeno estômago fetal. Esses achados costumam aparecer no segundo ou terceiro trimestre.
Na atresia esofágica sem fístula (tipo A), os sinais típicos são polidrâmnio em quase todos os casos no terceiro trimestre, ausência ou colapso do estômago e, em alguns casos, dilatação da bolsa esofágica proximal.
Já nos casos com fístula traqueoesofágica, o diagnóstico pré-natal é mais difícil, pois a fístula permite a passagem de líquido ao estômago, mantendo volumes próximos ao normal. Nesses casos, o polidrâmnio aparece em apenas cerca de um terço dos fetos.
Diagnóstico de Atresia Esofágica
O diagnóstico da atresia esofágica baseia-se inicialmente na tentativa de passagem de uma sonda nasogástrica ou orogástrica. Nos recém-nascidos afetados, a sonda não progride além de 10 a 15 cm da boca, permanecendo enovelada na bolsa esofágica proximal. Esse achado é confirmado por radiografia de tórax em incidência anteroposterior, que mostra a sonda dobrada no fundo cego do esôfago.
A presença de fístula traqueoesofágica distal pode ser sugerida quando a radiografia evidencia ar no trato gastrointestinal, observado tanto em incidência anteroposterior quanto lateral. Nos casos em que há dúvida diagnóstica ou suspeita de fístula proximal, utiliza-se contraste hidrossolúvel em pequena quantidade na bolsa esofágica, sob fluoroscopia. O uso de bário é contraindicado devido ao risco de pneumonite aspirativa.
O diagnóstico da fístula em “H” (tipo E, sem atresia esofágica) é mais complexo. Pode ser realizado por seriografia do trato gastrointestinal superior com contraste hidrossolúvel espessado, utilizando a técnica de “pull-back”, ou por radiografia contrastada de deglutição. Caso o trajeto fistuloso não seja identificado, endoscopia esofágica e broncoscopia podem ser empregadas, inclusive com o uso de azul de metileno injetado na traqueia para evidenciar passagem ao esôfago. Técnicas avançadas, como tomografia computadorizada tridimensional com reconstrução de vias aéreas, também podem ser úteis, embora não sejam necessárias quando o diagnóstico já foi estabelecido por métodos contrastados convencionais.
Além da confirmação anatômica, é fundamental investigar outras malformações frequentemente associadas, como nas síndromes CHARGE e na associação VACTERL. Para isso, recomenda-se a realização de ecocardiografia, ultrassonografia renal e, quando indicado, exames complementares como enema opaco ou radiografias de membros.
Tratamento da Atresia Esofágica
O tratamento da atresia esofágica baseia-se em correção cirúrgica precoce, associada a medidas de estabilização inicial e acompanhamento multidisciplinar a longo prazo.
O passo inicial é a preparação pré-operatória, com aspiração contínua do coto esofágico proximal para reduzir o acúmulo de secreções e prevenir aspiração pulmonar.
O tratamento cirúrgico varia conforme o tipo de malformação:
- Nos casos de atresia esofágica com fístula traqueoesofágica, a abordagem preferida é a anastomose primária entre os segmentos esofágicos associada à ligadura da fístula, realizada o quanto antes.
- No tipo H (fístula sem atresia), geralmente utiliza-se abordagem cervical para ligadura da fístula.
- Quando há grande distância entre os segmentos esofágicos, pode ser necessário adiar a anastomose por alguns meses, aguardando o crescimento esofágico. Alternativas incluem técnicas de alongamento do esôfago, transposição gástrica ou interposição de segmentos de jejuno ou cólon. Em prematuros de muito baixo peso, muitas vezes adota-se abordagem em estágios, com ligadura inicial da fístula e anastomose em momento posterior.
No pós-operatório, a alimentação é reintroduzida progressivamente após a cicatrização. A gastrostomia raramente é necessária quando a anastomose primária tem sucesso. Como complicação frequente, destaca-se o refluxo gastroesofágico, muitas vezes agravado por distúrbios da motilidade esofágica. Por isso, costuma-se indicar o uso de inibidores da bomba de prótons (IBP) no primeiro ano de vida ou por mais tempo em casos sintomáticos.
O seguimento a longo prazo é fundamental, pois complicações gastrointestinais e respiratórias podem persistir até a vida adulta. Entre elas, estão estenose anastomótica, fístulas recorrentes, disfagia, esofagite, esôfago de Barrett e maior risco de câncer esofágico. No âmbito respiratório, são frequentes infecções de repetição, tosse persistente, asma e até bronquiectasias.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto está fora das provas de residência, concursos públicos ou até das avaliações da graduação. Veja abaixo:
PR – Universidade Estadual de Londrina – UEL (Hospital Universitário da UEL) – 2018 – Residência (Acesso Direto)
Recém-nascido a termo, parto normal, submetido a tentativa de passagem de sonda orogástrica nº 8Fr na sala de parto, com interrupção na sua progressão à cerca de 8 cm da narina. USG pré-natal evidenciou polidrâmnio. Em relação a esse caso, assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a principal hipótese diagnóstica.
A) Atresia intestinal.
B) Atresia de esôfago.
C) Atresia duodenal.
D) Brida de Ladd.
E) Cisto de mesentério.
Comentário da questão:
Qual o diagnóstico deste RN, cuja mãe apresentou polidrâmnio durante a gestação e, cujo exame físico na sala de parto detectou interrupção da progressão de sonda orogástrica à 8 cm da narina? Este RN é portador de atresia do esôfago! A rigor, o sinal mais precoce desta afecção é pré-natal, representado por polidrâmnio, que ocorre em 80% dos casos de atresia sem FTE e em 30% a 35% dos casos com FTE. Quando o diagnóstico pré-natal não é realizado, esta anomalia deve ser considerada em RN com salivação excessiva e regurgitação, tosse ou engasgo durante a primeira alimentação oral. Diante de suspeita clínica, a parada da progressão de sonda nasogástrica a 8 a 12 cm da narina de um RN é característica cardinal para o diagnóstico da atresia do esôfago. A alternativa correta é a letra “B”.
(A) INCORRETA. A atresia jejunoileal é a atresia gastrointestinal mais comum, sendo um pouco mais frequente no jejuno que no íleo. Habitualmente, o bebê nasce sem distensão abdominal, que começa a se tornar evidente após 18 a 24 horas. A distensão abdominal pode ser acompanhada de peristaltismo visível e será mais intensa quanto mais baixa a obstrução provocada pelo segmento atrésico. Vômitos biliosos podem estar presentes e, em recém-nascidos, são um importante sinal de alerta para a necessidade de investigação de obstrução intestinal congênita. Na ausência de vômitos, a passagem de uma sonda nasogástrica ou orogástrica com retorno de conteúdo bilioso tem o mesmo significado. Ainda, nas obstruções mais baixas, os bebês frequentemente não eliminam mecônio.
Alternativas (C) e (D) INCORRETAS. Os RN com obstrução duodenal apresentam quadro de obstrução alta do trato gastrointestinal, caracterizada por vômitos precoces e distensão abdominal discreta, ou apenas em andar superior do abdome (distensão gástrica). Como na maioria dos casos a obstrução do duodeno é distal à ampola de Vater, os vômitos costumam ser biliosos. Vômitos biliosos, algumas horas após o nascimento, são o mais precoce e mais comum sinal de obstrução duodenal, ocorrendo em 100% dos casos com obstrução total. As bridas de Ladd, que ocorrem com as anomalias de rotação e fixação do intestino; duplicação duodenal e, mais raramente, a veia porta anterior. É comum que esses defeitos estejam associados.
(E) INCORRETA. Os cistos de mesentério são lesões raras, essencialmente benignas e curadas com a ressecção cirúrgica. São formações císticas localizadas principalmente no mesentério do segmento jejunoileal e do cólon que provavelmente são originadas a partir de malformação do sistema linfático, sem comunicação com a rede de drenagem central da linfa. Podem assumir diversos tamanhos, desde poucos centímetros até grandes proporções. Os cistos pequenos são em geral assintomáticos, enquanto os maiores podem causar dor ou massa abdominal.
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Referências
Christopher M Oermann, MD. Congenital anomalies of the intrathoracic airways and tracheoesophageal fistula. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
Dorothy I Bulas, MD. Prenatal diagnosis of esophageal, gastrointestinal, and anorectal atresia. UpToDate, 2024. DIsponível em: UpToDate
Baldwin DL, Yadav D. Esophageal Atresia. [Updated 2023 Jul 25]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK560848/