E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é o Carcinoma de Adrenal, um tipo raro de tumor maligno que afeta o córtex das glândulas suprarrenais.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprimorar seus conhecimentos, garantindo uma prática clínica cada vez mais eficaz.
Vamos nessa!
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Definição de Carcinoma de Adrenal
O carcinoma de adrenal (CA) é uma neoplasia maligna rara e altamente agressiva que se desenvolve a partir do córtex da glândula adrenal, responsável pela produção de hormônios essenciais, como cortisol, aldosterona e andrógenos. Esse tipo de tumor é caracterizado por grandes massas que frequentemente invadem tecidos adjacentes e podem apresentar metástases a distância, comprometendo órgãos em outras regiões do corpo.
A incidência do carcinoma de adrenal é estimada em 1 a 2 casos por milhão de pessoas por ano, representando cerca de 0,05% a 0,2% de todos os cânceres e 0,2% das mortes relacionadas a câncer. Sua distribuição etária é bimodal, com um pico de ocorrência em crianças menores de 5 anos e outro em adultos entre a quarta e quinta décadas de vida.
A maioria dos casos é unilateral, com uma pequena proporção (2% a 6%) sendo bilateral, e o lado esquerdo parece ser o mais acometido. Há uma predileção pelo sexo feminino, com uma proporção de 2,5 a 3 casos em mulheres para cada caso em homens, sem preferência racial específica.
No Brasil, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, a incidência de CA em crianças é cerca de 10 vezes maior que a média mundial, atingindo de 3,4 a 4,2 casos por milhão de crianças. Essa elevada prevalência está associada, em grande parte, a uma mutação no gene TP53, detectada na maioria das crianças afetadas, o que aumenta significativamente o risco de desenvolvimento desse tipo de câncer.
O uso crescente de métodos de imagem tem contribuído para a detecção incidental do carcinoma de adrenal em estágios mais precoces, embora a maioria das massas adrenais encontradas sejam benignas, com apenas uma pequena proporção confirmada como maligna.
Biologia molecular do Carcinoma de Adrenal
A biologia molecular do carcinoma de adrenal (CA) é um campo em constante investigação, ainda pouco compreendido devido à raridade dessa neoplasia. No entanto, avanços recentes têm auxiliado na identificação de marcadores moleculares e mecanismos envolvidos na tumorigênese. Esses estudos, embora limitados em tamanho amostral, revelaram alterações genéticas e epigenéticas que contribuem para o desenvolvimento e progressão do CA.
Entre os principais marcadores moleculares associados ao CA, destacam-se:
- Mutações no gene TP53: O gene TP53 codifica a proteína P53, um supressor tumoral crucial que regula o ciclo celular e promove a apoptose em resposta a danos ao DNA. As mutações inativadoras no TP53 levam à perda da função da P53, permitindo a proliferação celular descontrolada e contribuindo para o desenvolvimento tumoral. Essas mutações estão presentes em uma parcela significativa dos casos de CA.
- Hiperexpressão do IGF2: O fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2 (IGF2) é hiperexpresso em aproximadamente 90% dos carcinomas adrenocorticais malignos. O sistema IGF, essencial para o desenvolvimento fisiológico da glândula adrenal, torna-se desregulado, promovendo a mitogênese por meio da interação entre o IGF2 e o receptor IGF1 (IGF1R). Esse mecanismo ativa cascatas de sinalização molecular que favorecem a malignidade tumoral.
- Mutações no gene CTNNB1: Alterações no gene CTNNB1 são encontradas em cerca de 6% dos CAs pediátricos e entre 36% e 55% dos casos em adultos. Essas mutações resultam no acúmulo de β-catenina no citoplasma, ativando fatores de crescimento da via Wnt, o que contribui para a proliferação e a progressão tumoral.
- Alterações em miRNAs: Os microRNAs (miRNAs), uma classe de pequenos RNAs que regulam a expressão gênica, desempenham um papel importante na tumorigênese adrenocortical. Estudos identificaram seis tipos de miRNAs alterados em carcinomas de adrenal quando comparados a adenomas, sugerindo que essas alterações podem influenciar a malignidade do tumor.
Esses achados destacam o papel de vias moleculares complexas na biologia do carcinoma de adrenal, como as relacionadas à supressão tumoral, sinalização de fatores de crescimento e regulação gênica por miRNAs.
Manifestações clínicas do Carcinoma de Adrenal
A apresentação clínica do carcinoma de adrenal (CA) é influenciada pela produção hormonal do tumor, dividindo-se em carcinomas funcionantes e não funcionantes.
Carcinomas não funcionantes
Os carcinomas não funcionantes representam aproximadamente 40% dos casos e são caracterizados pela ausência de produção hormonal ativa detectável. Eles tendem a progredir de forma silenciosa e geralmente são diagnosticados em estágios mais avançados, quando já apresentam grandes massas tumorais.
- Sintomas relacionados ao efeito de massa: esses tumores, ao crescerem, podem comprimir estruturas adjacentes, causando dor abdominal e nas costas, distensão abdominal e, em alguns casos, sintomas inespecíficos como febre e perda de peso. Quando palpáveis, as massas são detectadas em 40-50% dos casos.
- Incidentalomas: até 25% dos casos de carcinoma de adrenal não funcionante são descobertos incidentalmente durante exames de imagem, como tomografias realizadas por outros motivos. Tumores detectados dessa forma tendem a ser menores e têm um prognóstico ligeiramente mais favorável devido ao diagnóstico precoce.
- Metástases: a disseminação metastática é comum nos carcinomas não funcionantes, ocorrendo em até 30% dos casos. As metástases costumam envolver linfonodos regionais e paraaórticos, bem como pulmões, fígado e ossos, o que frequentemente resulta em sintomas adicionais e piora o prognóstico.
Carcinomas funcionantes
Os carcinomas funcionantes são responsáveis por aproximadamente 60% dos casos em adultos e até 85% em crianças. Diferem dos adenomas adrenais benignos pela secreção de múltiplos hormônios, como cortisol, andrógenos, estrógenos e aldosterona, que geram uma ampla gama de manifestações clínicas.
Adultos
- Síndrome de Cushing: comum em 30% dos casos, é caracterizada por obesidade centrípeta (acúmulo de gordura no tronco), fácies arredondada, pele fina, atrofia muscular, intolerância à glicose, hipertensão arterial, e sinais de fragilidade capilar, como equimoses espontâneas. Esses sintomas resultam do hipercortisolismo sustentado.
- Virilização: ocorre em cerca de 20% dos casos, especialmente em mulheres, manifestando-se por hirsutismo, acne, dismenorreia ou amenorreia e aumento da libido. Esses sinais decorrem do excesso de andrógenos produzidos pelo tumor.
- Associação de Cushing e virilização: uma combinação de hipercortisolismo e hiperandrogenismo ocorre em 10-20% dos pacientes, sendo frequentemente indicativa de malignidade.
- Feminização: presente em menos de 6% dos casos, ocorre principalmente em homens e manifesta-se por ginecomastia, redistribuição de gordura corporal e redução da libido. Os tumores feminilizantes tendem a ser mais agressivos e maiores em tamanho.
- Hiperaldosteronismo: é raro, representando apenas 2-3% dos casos. Manifesta-se por hipertensão arterial resistente e hipocalemia (baixa concentração de potássio no sangue), associada a fraqueza muscular e arritmias.
Crianças
- Virilização:a síndrome de virilização ocorre em mais de 80% das crianças acometidas. Em meninas, manifesta-se por crescimento excessivo de pelos em áreas androgênicas, como rosto e tórax, enquanto em meninos pode levar à puberdade precoce.
- Síndrome de Cushing isolada: menos comum, acomete apenas 6% dos casos pediátricos. Os sintomas incluem ganho de peso, alterações na distribuição de gordura, hipertensão e intolerância à glicose.
Características específicas de malignidade
Alguns sinais clínicos e padrões hormonais ajudam a diferenciar carcinomas de adenomas adrenais benignos:
- Síndrome de Cushing de início rápido: o hipercortisolismo de evolução rápida associado a características de virilização é fortemente sugestivo de malignidade.
- Cossecreção de hormônios: tumores malignos frequentemente produzem múltiplos hormônios ou subclasses de esteroides, como cortisol e andrógenos simultaneamente, enquanto adenomas tendem a secretar apenas um tipo específico de hormônio.
Diagnóstico do Carcinoma de Adrenal
O diagnóstico do carcinoma de adrenal (CA) envolve uma combinação de avaliação laboratorial e de imagem. Inicialmente, realiza-se uma triagem para identificar a produção hormonal excessiva, como no caso da síndrome de Cushing, hiperaldosteronismo e síndromes de virilização/feminização. Para excluir feocromocitoma, são medidas as catecolaminas e metanefrinas urinárias.
A avaliação laboratorial também inclui:
- Síndrome de Cushing: Avaliação de cortisol e ACTH, teste de supressão com dexametasona (1 mg) e dosagem de cortisol urinário em 24 horas.
- Hiperaldosteronismo: Dosagem de potássio sérico, aldosterona plasmática e atividade da renina plasmática.
- Síndromes de virilização/feminização: Dosagem de androgênios adrenais (androstenediona, DHEA), testosterona, 17-OH-progesterona, estradiol e/ou estrona, além da excreção urinária de 17-cetosteroides em 24 horas.
Em termos de imagem, o carcinoma de adrenal é frequentemente descoberto incidentalmente em exames de ultrassonografia ou tomografia computadorizada (TAC), já que os tumores geralmente são grandes, variando de 2 a 25 cm. Tumores acima de 4 cm, com características como necrose central, hemorragia intratumoral, margens irregulares e realce heterogêneo ao contraste, indicam malignidade.
A TAC é o exame de escolha, com alta sensibilidade e especificidade, especialmente para avaliar a atenuação das lesões e a presença de calcificações. A ressonância magnética (RNM) pode ser superior na avaliação de invasão de veia renal ou cava inferior. O PET scan, com o marcador FDG, ajuda na diferenciação das massas malignas, especialmente para detectar metástases a distância.
A biópsia percutânea é indicada apenas em casos específicos, como para avaliar metástases em tumores malignos conhecidos. No entanto, a biópsia deve ser evitada antes de excluir definitivamente o diagnóstico de feocromocitoma, pois pode desencadear uma crise fatal.
Estadiamento
O sistema TNM avalia o tamanho do tumor primário, a presença de metástases nos linfonodos regionais e a disseminação a distância. O estadiamento de Sullivan e Lee refina esses critérios, levando em consideração a evolução e o prognóstico da doença. O principal fator de prognóstico está na invasão de órgãos adjacentes e na presença de metástases, com os locais mais comuns de disseminação sendo fígado, pulmão, linfonodos e ossos.
Estadiamento TNM do carcinoma adrenocortical
TNM | Descrição |
Tumor primário (T) | |
Tx | Tumor primário não avaliado |
T0 | Sem evidência de tumor |
T1 | ≤ 5 cm com ausência de doença extra-adrenal |
T2 | > 5 cm com ausência de doença extra-adrenal |
T3 | Tumor de qualquer tamanho com infiltração local |
T4 | Tumor de qualquer tamanho com invasão de órgãos adjacentes |
Linfonodos regionais (N) | |
Nx | Linfonodos regionais não avaliados |
N0 | Sem evidência de metástase para linfonodo regional |
N1 | Linfonodos regionais positivos |
Metástase a distância (M) | |
M0 | Ausência de metástase a distância |
M1 | Presença de metástase a distância |
Estadiamento dos tumores adrenais
Sullivan et al. | Lee et al. |
Estágio I | T1, N0, M0 |
Estágio II | T2, N0, M0 |
Estágio III | T3, N0, M0 ou T1-2, N1, M0 |
Estágio IV | T4, N0, M0 ou T3, N1, M0 ou T1-4, N0-1, M1 |
Tratamento do Carcinoma de Adrenal
O tratamento do carcinoma adrenocortical envolve várias abordagens, dependendo do estágio e da localização do tumor.
Tratamento cirúrgico: A ressecção cirúrgica completa é o único tratamento potencialmente curativo, com uma taxa de sobrevivência de 32-50% em 5 anos. É essencial manter a cápsula tumoral íntegra para evitar disseminação. Nos estágios III-IV, a cirurgia é controversa, com algumas discordâncias sobre seu impacto no prognóstico final. Cirurgia laparoscópica é indicada para tumores pequenos, enquanto a cirurgia robótica ainda necessita de mais estudos.
Radioterapia: Não é eficaz para o carcinoma de adrenal, sendo indicada apenas para alto risco de recorrência local e metástases ósseas, com doses superiores a 40 Gy.
Tratamento clínico: Destinado a pacientes com tumores irressecáveis ou metastáticos, inclui o controle das síndromes hormonais, quimioterapia com mitotano e cuidados paliativos.
Tratamento hormonal: Para tumores funcionais, o controle da hipersecreção hormonal é fundamental. Medicações como mitotano, cetoconazol, metirapona e espironolactona são utilizadas para controlar os efeitos dos hormônios em excesso, sem aumentar a sobrevida.
Quimioterapia: O mitotano é o medicamento de escolha, com uma resposta em cerca de 32% dos pacientes. Cisplatina também é usada, mas não há consenso sobre a eficácia de outras quimioterapias.
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Referências
NARDI, Aguinaldo Cesar et al. Urologia Brasil. São Paulo: PlanMark; Rio de Janeiro: SBU-Sociedade Brasileira de Urologia, 2013.