Resumo sobre Crioglobulinemia: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Crioglobulinemia: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Crioglobulinemia, uma condição caracterizada pela presença de imunoglobulinas no sangue que precipitam em temperaturas mais baixas e se dissolvem novamente ao aquecer. 

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Vamos nessa!

Definição de Crioglobulinemia

A crioglobulinemia é definida como a presença de crioglobulinas no soro do paciente. As crioglobulinas são imunoglobulinas isoladas ou associadas a componentes do complemento que precipitam in vitro quando expostas a temperaturas abaixo de 37 °C e se redissolvem após reaquecimento. 

Embora a simples detecção de crioglobulinas possa ser assintomática, sua presença pode estar associada a uma síndrome clínica caracterizada pela formação e deposição de complexos imunes, levando a inflamação sistêmica e, frequentemente, a vasculite de pequenos e médios vasos, com possível comprometimento cutâneo, articular, renal e neurológico. 

Epidemiologia da Crioglobulinemia

A crioglobulinemia clinicamente significativa é uma condição rara, com prevalência estimada em cerca de 1 caso para cada 100.000 pessoas. Entretanto, a presença de crioglobulinas circulantes sem manifestações clínicas é relativamente comum em situações de infecção crônica ou inflamação persistente.

Crioglobulinas podem ser detectadas em 15 a 20 por cento dos pacientes com HIV, em 15 a 25 por cento daqueles com doenças do tecido conjuntivo e em 40 a 65 por cento dos indivíduos infectados pelo vírus da hepatite C, podendo alcançar até 64 por cento nos casos de coinfecção HIV e hepatite C. Apesar dessa alta frequência laboratorial, apenas uma parte dos pacientes desenvolve manifestações clínicas ou vasculite crioglobulinêmica.

Em relação aos subtipos, a crioglobulinemia tipo I corresponde a aproximadamente 5 a 25 por cento dos casos e está principalmente associada a doenças linfoproliferativas. As crioglobulinemias mistas, tipos II e III, são as mais frequentes, representando cerca de 50 por cento e 40 por cento dos casos, respectivamente, e estão fortemente relacionadas à hepatite C crônica e a doenças autoimunes.

Etiopatogenia da Crioglobulinemia

A etiopatogenia da crioglobulinemia está relacionada a alterações na produção, agregação e depuração de imunoglobulinas que apresentam a propriedade de precipitar em temperaturas abaixo de 37 °C. 

Pequenas quantidades de crioglobulinas podem ser detectadas mesmo em indivíduos saudáveis, sugerindo que elas podem refletir um mecanismo fisiológico de regulação e remoção de complexos imunes circulantes. A doença clinicamente significativa surge quando esse equilíbrio é rompido.

De modo geral, a crioglobulinemia resulta da estimulação imunológica crônica, frequentemente associada a infecções persistentes, doenças autoimunes ou distúrbios linfoproliferativos. Nessas condições ocorre hiperativação e expansão clonal de linfócitos B, levando à produção aumentada de imunoglobulinas monoclonais ou policlonais com capacidade de formar crioglobulinas. A formação excessiva de complexos imunes antígeno anticorpo, associada a falhas nos mecanismos de depuração pelo sistema mononuclear fagocítico, favorece sua persistência na circulação e posterior deposição tecidual.

Nas crioglobulinemias tipo I, compostas por imunoglobulinas monoclonais, geralmente associadas a neoplasias hematológicas, a patogênese está relacionada principalmente à hiperviscosidade sanguínea e à oclusão vascular por agregados de crioglobulinas, com menor participação de mecanismos inflamatórios mediados por imunocomplexos.

Já nas crioglobulinemias mistas, tipos II e III, predominam mecanismos imunoinflamatórios. Nessas formas, as crioglobulinas contêm imunoglobulinas com atividade de fator reumatoide que se ligam a outras imunoglobulinas, formando complexos imunes capazes de ativar o complemento. 

A deposição desses complexos em pequenos e médios vasos desencadeia inflamação vascular, consumo de complemento, especialmente do componente C4, e lesão de órgãos como pele, rins e nervos periféricos. A infecção crônica pelo vírus da hepatite C é um dos principais modelos desse processo, promovendo ativação persistente de linfócitos B por estímulos diretos e indiretos.

Manifestações clínicas da Crioglobulinemia

As manifestações da crioglobulinemia variam amplamente conforme o tipo de crioglobulina e o mecanismo patogênico predominante. Muitos pacientes permanecem assintomáticos, porém, quando há expressão clínica, o quadro resulta principalmente de vasculite por deposição de complexos imunes ou de oclusão vascular.

Manifestações cutâneas

São as mais frequentes e frequentemente as primeiras a surgir. A apresentação típica é a púrpura palpável, predominando em membros inferiores. Também podem ocorrer livedo reticular, úlceras cutâneas, necrose e gangrena digital. Fenômenos vasomotores, como fenômeno de Raynaud e acrocianose, são mais comuns na crioglobulinemia tipo I e tendem a piorar com exposição ao frio.

Manifestações musculoesqueléticas

Comuns sobretudo nas formas mistas, incluem artralgias e mialgias, geralmente intermitentes e não erosivas. Artrite verdadeira pode ocorrer, mas é menos frequente.

Manifestações neurológicas

O comprometimento do sistema nervoso periférico é frequente nas crioglobulinemias mistas. Predomina a neuropatia sensitiva ou sensitivo-motora distal, podendo evoluir, em casos mais graves, para mononeurite múltipla associada a isquemia dos nervos periféricos.

Manifestações renais

Representam uma das formas mais graves de acometimento sistêmico, especialmente nas crioglobulinemias mistas. O padrão mais comum é a glomerulonefrite membranoproliferativa, manifestando-se por proteinúria, hematúria, síndrome nefrótica ou insuficiência renal progressiva.

Manifestações vasculares e de hiperviscosidade

Predominam na crioglobulinemia tipo I, associada a gamopatias monoclonais. Incluem isquemia digital, necrose cutânea e manifestações de hiperviscosidade, como cefaleia, tontura, alterações visuais, confusão mental e, raramente, eventos cerebrovasculares.

Manifestações sistêmicas e outras

Podem ocorrer sintomas constitucionais como fadiga, fraqueza e febre baixa. Linfadenopatia e esplenomegalia são descritas em parte dos pacientes. O acometimento pulmonar, gastrointestinal, cardíaco ou do sistema nervoso central é incomum, mas possível em quadros graves.

Padrão clínico clássico

Nas crioglobulinemias mistas, é característica a tríade de Meltzer, composta por púrpura palpável, artralgias e fraqueza, que sintetiza o padrão clínico mais típico da doença.

Essa organização reflete a diversidade de manifestações da crioglobulinemia e destaca os principais órgãos e sistemas acometidos conforme descrito no documento de referência.

Diagnóstico de Crioglobulinemia

A crioglobulinemia deve ser considerada em pacientes que apresentam púrpura palpável, artralgias, úlceras cutâneas, glomerulonefrite ou neuropatia periférica, especialmente quando esses achados ocorrem no contexto de infecção crônica, como hepatite C, doenças autoimunes ou doenças linfoproliferativas.

Detecção de crioglobulinas

A confirmação laboratorial exige cuidados rigorosos na coleta e no processamento da amostra. O sangue deve ser coletado e mantido a 37 °C até a separação do soro, evitando falsos resultados negativos. Após a separação, o soro é refrigerado a 4 °C, permitindo a precipitação das crioglobulinas, que podem surgir em até sete dias, sobretudo nas formas mistas. O precipitado deve redissolver após reaquecimento, confirmando sua natureza crioprecipitável.

O criocríto, que corresponde ao volume do precipitado em relação ao volume total do soro, é frequentemente utilizado para quantificação. Valores acima de 0,5 a 1 por cento ou concentrações superiores a 50 mcg por litro são considerados clinicamente relevantes, embora exista baixa correlação direta entre o criocríto e a gravidade clínica.

Caracterização imunológica

Após a detecção, é necessária a imunofenotipagem das crioglobulinas, geralmente por imunofixação, para classificar a doença em tipo I, II ou III. Essa etapa é fundamental, pois orienta a investigação etiológica e a conduta clínica.

Exames laboratoriais complementares

São achados laboratoriais frequentes a redução do complemento, especialmente do C4, principalmente nas crioglobulinemias mistas, e a presença de fator reumatoide, sobretudo no tipo II. Também podem ser observadas elevação de marcadores inflamatórios, hipergamaglobulinemia e alterações urinárias indicativas de comprometimento renal. A investigação etiológica deve incluir sorologias para hepatites virais e HIV, além da avaliação para doenças autoimunes e neoplasias hematológicas.

Avaliação histopatológica

Biópsias não são obrigatórias em todos os casos, mas podem ser úteis para confirmação diagnóstica e avaliação de gravidade. Lesões cutâneas geralmente demonstram vasculite leucocitoclástica nas formas mistas, enquanto a biópsia renal frequentemente revela glomerulonefrite membranoproliferativa associada à deposição de imunocomplexos.

Tratamento da Crioglobulinemia

Nem todos os pacientes com crioglobulinas detectáveis necessitam de tratamento. Indivíduos assintomáticos ou com manifestações leves podem ser apenas acompanhados. O tratamento é indicado quando há doença clinicamente significativa, como vasculite, comprometimento renal, neurológico ou manifestações isquêmicas.

Crioglobulinemia mista tipos II e III

Nas formas mistas, o tratamento é direcionado principalmente à doença de base, que com maior frequência é a infecção crônica pelo vírus da hepatite C ou uma doença autoimune.

Em pacientes com hepatite C associada, a terapia antiviral é o pilar do tratamento, pois a erradicação viral leva, em muitos casos, à redução ou remissão das manifestações da crioglobulinemia. Nas situações com vasculite ativa ou comprometimento orgânico significativo, podem ser necessários imunossupressores, como corticosteroides, associados ou não a agentes imunomoduladores, com destaque para o uso de terapias direcionadas aos linfócitos B.

Em casos graves, como glomerulonefrite rapidamente progressiva, neuropatia severa ou vasculite sistêmica extensa, pode ser indicada a plasmaférese, com o objetivo de remover crioglobulinas circulantes e complexos imunes, geralmente como terapia adjuvante e temporária.

Crioglobulinemia tipo I

Na crioglobulinemia tipo I, associada a gamopatias monoclonais e doenças linfoproliferativas, o tratamento é focado no controle da doença hematológica subjacente, como mieloma múltiplo ou macroglobulinemia de Waldenström. O manejo pode incluir quimioterapia, terapias alvo específicas e outras estratégias onco hematológicas.

Quando há manifestações relacionadas à hiperviscosidade ou isquemia grave, a plasmaférese pode ser necessária como medida de urgência, visando reduzir rapidamente os níveis de crioglobulinas circulantes.

Tratamento das complicações

O manejo das complicações orgânicas deve ser individualizado. O comprometimento renal, neurológico ou cutâneo grave exige abordagem multidisciplinar e monitoramento rigoroso. Medidas de suporte e prevenção de infecções são fundamentais, especialmente em pacientes submetidos a imunossupressão.

Prognóstico e resposta ao tratamento

O prognóstico está fortemente relacionado à doença de base e à resposta ao tratamento específico. A presença de crioglobulinas isoladamente não determina o desfecho, sendo o controle da condição associada o principal fator para redução da atividade da doença e prevenção de recorrências.

Essa estratégia terapêutica reflete a abordagem descrita no documento de referência, baseada na etiologia, na gravidade clínica e no tipo de crioglobulinemia envolvida.

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Referências

Patrice Cacoub, MD. Overview of cryoglobulins and cryoglobulinemia. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

Fernando C Fervenza, MD, PhDSanjeev Sethi, MD, PhDSteven Flamm, MD. Mixed cryoglobulinemia syndrome: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate

Ferri C. Mixed cryoglobulinemia. Orphanet J Rare Dis. 2008 Sep 16;3:25. doi: 10.1186/1750-1172-3-25. PMID: 18796155; PMCID: PMC2569912.

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