E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Doença de Behçet, uma condição inflamatória crônica e rara, caracterizada por manifestações como úlceras orais e genitais recorrentes, além de inflamações oculares, cutâneas e articulares.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Doença de Behçet
A Doença de Behçet é uma condição auto-inflamatória rara, descrita inicialmente em 1937 pelo médico turco Hulusi Behçet, que observou em três pacientes a presença de úlceras orais e genitais recorrentes, uveíte e eritema nodoso.
Atualmente, é reconhecida como uma vasculite sistêmica de etiologia desconhecida, capaz de acometer tanto artérias quanto veias de diferentes calibres. Seu quadro clínico é marcado por manifestações mucocutâneas, como úlceras orais e genitais de repetição, além de alterações oculares, especialmente a uveíte crônica e recorrente.
Outras manifestações foram sendo incorporadas ao espectro da doença ao longo do tempo, tornando seu diagnóstico desafiador. Também chamada de síndrome de Behçet ou aftose maligna, trata-se de uma enfermidade de caráter multissistêmico que exige acompanhamento especializado devido à sua evolução variável e potencial de complicações graves.
Etiologia da Doença de Behçet
A etiologia da Doença de Behçet ainda é incerta, mas envolve a interação entre fatores genéticos e ambientais. A maior prevalência em regiões da “Rota da Seda” e a ocorrência familiar apontam para um componente genético, sendo o HLA-B51/B5 o principal alelo associado ao aumento do risco.
Outros genes ligados ao TNF, proteínas de choque térmico e ao complexo de histocompatibilidade também foram identificados, mas seu papel isolado é discutível. Entre os fatores ambientais, destaca-se a hipersensibilidade ao Streptococcus sanguinis, além da possível participação de microrganismos como Staphylococcus aureus, vírus Herpes simplex tipo 1 e espécies de Prevotella. Acredita-se que, em indivíduos geneticamente predispostos, a exposição a esses agentes possam desencadear uma resposta auto-inflamatória anormal.
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Fisiopatologia da Doença de Behçet
A fisiopatologia da Doença de Behçet caracteriza-se por uma vasculite auto-inflamatória que pode acometer artérias e veias de diferentes calibres. Diferencia-se de outras vasculites por não apresentar necrose vascular nem formação de células gigantes. Entre suas particularidades, destacam-se o comprometimento venular e a formação de aneurismas pulmonares e arteriais, considerados achados típicos. Além disso, ao contrário de outras doenças autoimunes, não há presença de autoanticorpos específicos.
O processo inflamatório é mediado principalmente pela imunidade celular. A ativação de linfócitos T auxiliares do tipo 1 (Th1) promove aumento da circulação de linfócitos T e maior liberação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1, IL-8, IL-12, IL-17, IL-37 e TNF. Esses mediadores estão associados tanto à fisiopatologia quanto à gravidade da doença. Também são observados maior ativação de macrófagos, aumento da quimiotaxia e da fagocitose de neutrófilos.
Esses mecanismos explicam o surgimento das lesões mucocutâneas, como aftas orais, pústulas cutâneas e eritema nodoso, decorrentes da intensa reação vascular neutrofílica que provoca dano tecidual. Outros fatores, como a presença de complexos imunes circulantes, anticorpos antiendoteliais e disfunção endotelial, também participam do processo inflamatório, favorecendo a perpetuação da vasculite e a progressão da doença.
Manifestações clínicas da Doença de Behçet
As manifestações clínicas da Doença de Behçet refletem sua natureza de vasculite sistêmica auto-inflamatória e abrangem diferentes órgãos e sistemas, variando desde quadros leves até complicações graves e potencialmente fatais.
As manifestações mucocutâneas são as mais frequentes e representam a marca registrada da doença. As úlceras orais estão presentes em quase todos os pacientes, são dolorosas, múltiplas, recorrentes e, em geral, não deixam cicatrizes. Já as úlceras genitais acometem mais de 80% dos casos, localizam-se principalmente no escroto em homens e na vulva ou vagina em mulheres, tendendo a cicatrizar com marcas permanentes. Além disso, são comuns lesões cutâneas como eritema nodoso, pústulas e lesões acneiformes. Também podem surgir tromboflebites superficiais e, em situações menos comuns, lesões semelhantes ao pioderma gangrenoso ou à síndrome de Sweet. Um achado típico é a reação de patergia, caracterizada pelo surgimento de pápulas ou pústulas no local de uma simples punção com agulha.
O comprometimento ocular ocorre em mais da metade dos pacientes, especialmente em homens jovens, e está entre as manifestações mais graves. O quadro clássico é a uveíte crônica recorrente, geralmente bilateral e de início nos primeiros anos da doença. A inflamação pode afetar tanto o segmento anterior quanto o posterior do olho, levando a dor ocular, fotofobia, turvação visual e, nos casos mais graves, vasculite retiniana e cegueira irreversível.
No sistema musculoesquelético, cerca de 50% dos pacientes apresentam artrite inflamatória não erosiva e não deformante, geralmente do tipo oligoartrite periférica. As articulações mais atingidas são os joelhos, seguidos por tornozelos, punhos e cotovelos, sem comprometimento significativo da coluna ou sacroilíacas, o que ajuda a diferenciar de outras espondiloartrites.
As manifestações vasculares representam um ponto central da doença, ocorrendo em aproximadamente 25% dos casos, com predomínio em homens. Tromboflebites superficiais e profundas são frequentes nos membros inferiores. A vasculite arterial pode levar à formação de aneurismas ou oclusões, e o acometimento da artéria pulmonar, com aneurismas, é considerado característico da doença, sendo a principal causa de mortalidade.
O sistema nervoso central é afetado em 5% a 10% dos pacientes, dividindo-se em duas formas principais. A forma parenquimatosa, mais comum, envolve o tronco encefálico e provoca sinais piramidais, cerebelares e sensitivos. Já a forma não parenquimatosa decorre da trombose de seios venosos, manifestando-se principalmente com cefaleia e papiledema. Em casos raros, pode haver envolvimento de nervos cranianos ou periféricos.
No trato gastrointestinal, podem surgir úlceras semelhantes às orogenitais, localizadas no íleo terminal, ceco, cólon ou esôfago. Lesões mais extensas, sobretudo ileocecais, apresentam risco de perfuração, o que exige diagnóstico diferencial com doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn.
Outras manifestações também podem ocorrer, ainda que menos frequentes. Entre elas estão as cardíacas, incluindo pericardite, miocardite, endocardite e aneurismas coronários; as renais, como glomerulonefrite e amiloidose secundária; além da epididimite em alguns pacientes.
Diagnóstico da Doença de Behçet
O diagnóstico da doença de Behçet é clínico e representa um desafio, já que não existem exames laboratoriais específicos ou patognomônicos. Os exames complementares geralmente revelam achados inespecíficos, como anemia de doença crônica, leucocitose e aumento de marcadores inflamatórios.
A investigação por imagem deve ser direcionada conforme o órgão acometido, podendo incluir radiografias e artrocentese para avaliação de artrite, tomografia computadorizada para descartar sangramentos, trombose ou isquemia, angiografia para pesquisa de aneurismas e punção lombar para investigar meningite.
O objetivo desses exames é excluir diagnósticos diferenciais. Além disso, recomenda-se exame oftalmológico detalhado na apresentação inicial para avaliar acometimento ocular, assim como biópsia das lesões cutâneas para confirmação do diagnóstico dermatológico.
Apesar da existência de critérios de classificação, eles devem ser aplicados com cautela no contexto clínico. O International Team for the Revision of International Criteria for Behçet Disease (ITR-ICBD) propôs, em 2008, critérios revisados que funcionam de forma pontuada: 1 ponto para aftas orais, manifestações cutâneas (pseudofoliculite, aftas cutâneas), lesões vasculares (flebite, trombose de grandes veias, aneurisma, trombose arterial) e teste de patergia positivo, além de 2 pontos para aftas genitais e lesões oculares. O diagnóstico é estabelecido quando o paciente apresenta 3 pontos ou mais.
Entretanto, mesmo com os critérios revisados, há limitações, pois algumas doenças podem mimetizar o quadro, como doença inflamatória intestinal, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reativa e infecções herpéticas. Por isso, o diagnóstico definitivo deve sempre considerar a exclusão dessas condições.
Tratamento da Doença de Behçet
O tratamento é complexo, individualizado e depende da gravidade e do tipo de manifestação clínica apresentada. O objetivo principal é controlar os surtos inflamatórios, aliviar os sintomas e prevenir complicações graves.
Manifestações mucocutâneas
- Úlceras orais e genitais isoladas: tratadas inicialmente com corticoides tópicos (triancinolona) ou sucralfato, que aliviam dor e aceleram a cicatrização. Anestésicos tópicos podem ser usados, mas são menos eficazes.
- Prevenção de recorrências: colchicina é a primeira escolha, mais eficaz em úlceras genitais. Apremilaste pode ser usado, especialmente em úlceras orais.
- Casos refratários: prednisona em doses baixas a moderadas, podendo ser necessária a introdução de imunossupressores como azatioprina (com monitoramento laboratorial rigoroso) e, em situações mais graves, anti-TNF (infliximabe, adalimumabe, etanercepte) ou interferon alfa.
Lesões cutâneas
- Formas leves: colchicina ou corticoides em baixa dose.
- Eritema nodoso: prednisona associada a azatioprina, com desmame gradual.
- Pioderma gangrenoso: cuidado local com antissépticos suaves, corticoides tópicos ou tacrolimo em casos leves. Nos graves, usam-se corticoides sistêmicos em altas doses, pulsoterapia com metilprednisolona ou ciclosporina.
Artrite
- Inicialmente tratada com colchicina e AINEs.
- Casos não controlados: prednisona em baixa dose.
- Formas persistentes ou refratárias: azatioprina, metotrexato, apremilaste ou agentes anti-TNF.
Acometimento gastrointestinal
- Tratamento base: corticoides sistêmicos associados à azatioprina.
- Pacientes que não respondem: anti-TNF (infliximabe, adalimumabe).
Doença renal
- Nefrite leve não exige tratamento específico.
- Amiloidose secundária pode responder à colchicina.
Manifestações oculares
- Uveíte anterior: corticoides tópicos; se refratária, prednisona sistêmica.
- Uveíte posterior ou grave: corticoides sistêmicos + azatioprina, podendo incluir pulsoterapia com metilprednisolona. Casos resistentes respondem a anti-TNF.
Manifestações vasculares
- Doença arterial de grandes vasos: corticoides em altas doses associados à ciclofosfamida. Procedimentos cirúrgicos só devem ser feitos fora da fase ativa.
- Trombose venosa: tratada com corticoides e imunossupressores, já que anticoagulantes não mostraram benefício claro.
Manifestações neurológicas
- Tratamento semelhante ao da uveíte posterior: corticoides em altas doses combinados com imunossupressores.
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Referências
Adil A, Goyal A, Quint JM. Behcet Disease. [Updated 2023 Feb 22]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470257/
Ellison L Smith, MDYusuf Yazici, MD. Clinical manifestations and diagnosis of Behçet syndrome. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate