E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Encefalopatia Hipertensiva, uma condição neurológica aguda causada por uma elevação súbita e grave da pressão arterial, que ultrapassa a capacidade de autorregulação cerebral.
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Vamos nessa!
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Definição de Encefalopatia Hipertensiva
A encefalopatia hipertensiva é uma emergência hipertensiva potencialmente fatal que ocorre quando há uma elevação abrupta e acentuada da pressão arterial, excedendo a capacidade de autorregulação dos vasos sanguíneos cerebrais.
Essa perda do mecanismo autorregulatório resulta em vasodilatação forçada, aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de plasma, levando à ruptura da barreira hematoencefálica e ao desenvolvimento de edema cerebral difuso.
Do ponto de vista fisiopatológico, a condição está intimamente relacionada à disfunção endotelial e à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, que contribuem para o aumento da resistência vascular, estresse oxidativo e inflamação neurovascular.
O comprometimento da barreira hematoencefálica envolve também a participação dos astrócitos, pericitos e microglia, cujas interações alteradas intensificam a resposta inflamatória e a disfunção neuronal.
Trata-se, portanto, de um quadro em que a elevação extrema da pressão arterial causa lesão direta ao sistema nervoso central, representando uma condição aguda e grave de dano cerebral reversível se reconhecida e tratada de forma imediata e adequada.
Fisiopatologia da Encefalopatia Hipertensiva
Em condições normais, o cérebro mantém o fluxo sanguíneo cerebral dentro de uma faixa estreita de pressão de perfusão cerebral (PPC), geralmente entre 50 e 150 mmHg, independentemente das variações da pressão arterial média (PAM).
Essa autorregulação cerebral é resultado da ação integrada de mecanismos neurogênicos, miogênicos, endoteliais e metabólicos, que ajustam o calibre das arteríolas para garantir perfusão adequada ao tecido nervoso.
Quando há elevação da PAM, ocorre vasoconstrição arteriolar cerebral para evitar a hiperperfusão. De forma inversa, a redução da PAM leva à dilatação dessas arteríolas, preservando o fluxo sanguíneo. Entretanto, aumentos súbitos e intensos da pressão arterial podem ultrapassar a capacidade de autorregulação, pois as arteríolas possuem um limite para a vasoconstrição.
Com a falha desse mecanismo, o aumento abrupto da pressão intracerebral provoca ruptura da barreira hematoencefálica. Ocorre então extravasamento de fluido e proteínas plasmáticas para o parênquima cerebral, gerando edema vasogênico. Esse edema eleva a pressão intracraniana, reduz a perfusão cerebral efetiva e leva a lesões neuronais difusas.
Em pacientes com hipertensão crônica, as arteríolas sofrem alterações estruturais, como hipertrofia da parede vascular, o que amplia a faixa de autorregulação para níveis mais elevados de pressão. Nesses indivíduos, uma queda rápida e acentuada da pressão arterial pode causar isquemia cerebral, mesmo com valores de PAM considerados normais em pessoas sem hipertensão.
Por outro lado, em indivíduos normotensos, crises hipertensivas agudas, como as que ocorrem em casos de eclâmpsia ou durante o uso de medicamentos citotóxicos e imunossupressores, podem desencadear encefalopatia hipertensiva com pressões diastólicas relativamente baixas, em torno de 100 mmHg.
Nesses contextos, acredita-se que exista um efeito tóxico direto sobre o endotélio vascular, contribuindo para a disfunção da barreira hematoencefálica e para o desenvolvimento do edema cerebral característico da doença.
Manifestações clínicas da Encefalopatia Hipertensiva
A encefalopatia hipertensiva é uma emergência médica grave que pode evoluir rapidamente se não houver intervenção adequada. As manifestações clínicas refletem o comprometimento neurológico causado pela elevação súbita e significativa da pressão arterial e podem progredir ao longo de horas ou dias.
Sintomas iniciais
Nos estágios iniciais, os pacientes costumam apresentar:
- Cefaleia intensa;
- Visão borrada;
- Náuseas e vômitos;
- Letargia;
- Dor cervical.
Esses sintomas podem preceder alterações neurológicas mais graves e indicam aumento da pressão intracraniana e disfunção cerebral difusa.
Alterações neurológicas
Com a progressão do quadro, surgem sinais de disfunção do sistema nervoso central, tais como:
- Alteração do estado mental, variando de confusão leve a sonolência, agitação ou coma;
- Convulsões, que podem ocorrer de forma isolada ou recorrente;
- Déficits neurológicos transitórios, como fraqueza motora ou sensitiva leve;
- Perda súbita da consciência, que pode indicar complicações graves, como hemorragia cerebral.
Em casos severos, a persistência de sinais neurológicos focais sugere acidente vascular encefálico hemorrágico decorrente da hipertensão não controlada.
Fatores associados
A condição é mais comum em indivíduos com mais de 40 anos e histórico de hipertensão crônica, frequentemente relacionada à não adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Situações como trauma, estresse físico ou emocional e recuperação de anestesia podem atuar como fatores desencadeantes.
Em pacientes mais jovens, geralmente abaixo dos 40 anos, episódios de hipertensão aguda com encefalopatia estão frequentemente ligados a causas secundárias, como uso de drogas ilícitas, eclâmpsia ou doença renal crônica.
Comprometimento de outros órgãos
A encefalopatia hipertensiva pode ocorrer de forma sistêmica, com lesão simultânea de órgãos-alvo, principalmente coração, rins e olhos:
- Cardíaco: angina, dispneia, estertores pulmonares e edema de membros inferiores indicam possível insuficiência cardíaca;
- Ocular: fundoscopia pode revelar hemorragias retinianas, exsudatos algodonosos, edema de papila e maculopatia hipertensiva;
- Renal: redução do débito urinário, alterações comportamentais e convulsões secundárias à uremia, que podem agravar o dano neurológico.
Diagnóstico da Encefalopatia Hipertensiva
Diante de um quadro suspeito, deve-se realizar uma avaliação rápida e sistemática das funções vitais, com atenção especial à via aérea, respiração, circulação e estado neurológico.
O paciente deve ser colocado sob monitorização contínua da pressão arterial, frequência cardíaca e saturação de oxigênio, além de receber monitorização cardíaca para detecção precoce de complicações.
O eletrocardiograma (ECG) é um exame inicial importante. Em indivíduos com hipertensão crônica, podem ser observados sinais de hipertrofia ventricular esquerda, como complexos QRS largos ou altos e alterações de segmento ST.
Já em pacientes com lesão renal aguda, alterações como ondas T apiculadas e alargamento do QRS podem indicar hipercalemia. Em casos com suspeita de isquemia, é recomendada a dosagem de marcadores cardíacos (CK-MB e troponina I).
Em gestantes, a monitorização fetal por tocografia pode ser necessária para avaliar sinais de sofrimento fetal, especialmente em casos de pré-eclâmpsia grave.
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais têm como objetivo descartar outras causas de encefalopatia e avaliar lesões de órgãos-alvo. A investigação inicial inclui:
- Hemograma completo e perfil de coagulação;
- Painel metabólico, com dosagem de sódio, potássio, creatinina, ureia e função hepática;
- Gases arteriais, especialmente em pacientes com uremia ou acidose;
- Dosagem de enzimas cardíacas, quando há suspeita de comprometimento miocárdico;
- Urina tipo I, para detectar proteinúria, hematúria ou cilindros eritrocitários, que podem indicar glomerulonefrite ou lesão renal aguda;
- Toxicologia urinária, útil em pacientes jovens e previamente saudáveis, nos quais se suspeita de uso de drogas ilícitas como causa da crise hipertensiva.
Em gestantes, podem ser observadas anemia, trombocitopenia e alterações hepáticas compatíveis com a síndrome de HELLP, além de proteinúria significativa.
Exames de imagem
A tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste é o exame de imagem inicial de escolha em pacientes com alteração do sensório, déficit neurológico focal ou convulsões. Embora possa ser normal em alguns casos de encefalopatia hipertensiva, o exame é fundamental para excluir hemorragia intracraniana, AVC isquêmico ou outras lesões estruturais.
A ressonância magnética (RM) de encéfalo, especialmente nas sequências ponderadas em T2 e FLAIR, é mais sensível para identificar edema cerebral vasogênico, característico da síndrome da encefalopatia posterior reversível (PRES).
Essa síndrome costuma se manifestar com edema bilateral da substância branca nas regiões parieto-occipitais, podendo também envolver lobo frontal, gânglios da base, tálamo, tronco encefálico e medula espinhal. Em até 15% dos casos, podem ser observadas áreas de hemorragia associada.
Em casos selecionados, outros exames podem ser úteis:
- Radiografia de tórax, quando há dispneia ou suspeita de edema pulmonar;
- Ultrassonografia pélvica, em pacientes com pré-eclâmpsia, para avaliar a viabilidade fetal e orientar condutas obstétricas;
- Punção lombar, raramente indicada, utilizada apenas quando há suspeita de infecção do sistema nervoso central. Nos casos de PRES, o líquor pode mostrar aumento leve de proteínas sem pleocitose (dissociação albuminocitológica).
Integração diagnóstica
O diagnóstico de encefalopatia hipertensiva é confirmado pela associação de sintomas neurológicos agudos, níveis pressóricos extremamente elevados e melhora clínica após a redução controlada da pressão arterial, sem evidências de outras causas estruturais ou infecciosas.
Essa abordagem permite distinguir a condição de outras emergências neurológicas e orientar o tratamento adequado para prevenir complicações graves, como hemorragia cerebral, coma ou morte.
Tratamento da Encefalopatia Hipertensiva
A redução inicial da pressão arterial sistólica deve ser de no máximo 25% na primeira hora. Após a estabilização, busca-se atingir valores em torno de 160/100 mmHg nas 2 a 6 horas seguintes, com normalização completa dentro de 24 a 48 horas. Essa abordagem controlada permite restaurar a perfusão cerebral adequada sem comprometer o fluxo sanguíneo em regiões que se adaptaram à hipertensão crônica.
A redução excessiva e abrupta da pressão arterial pode reduzir a pressão de perfusão cerebral abaixo do limite de autorregulação, aumentando o risco de isquemia e acidente vascular cerebral. Já a redução gradual e controlada minimiza eventos isquêmicos e favorece a recuperação da integridade vascular cerebral e de outros órgãos-alvo.
Terapia medicamentosa parenteral
No início do tratamento, devem ser utilizados fármacos anti-hipertensivos intravenosos, pois permitem titulação precisa e efeito rápido. As principais opções incluem:
| Fármaco | Dose | Início | Duração | Efeitos adversos e precauções | Indicações |
| Nitroprussiato de sódio (vasodilatador arterial e venoso) | 0,25 – 10 μg/kg/min EV | Imediato | 1 – 2 min | Náuseas, vômitos, intoxicação por cianeto. Cuidado na insuficiência renal e hepática e na pressão intracraniana alta. Pode causar hipotensão grave. | Maioria das emergências hipertensivas |
| Nitroglicerina (vasodilatador arterial e venoso) | 5 – 100 μg/min EV | 2 – 5 min | 5 – 10 min | Cefaleia, taquicardia reflexa, taquifilaxia, flushing, meta-hemoglobinemia. | Insuficiência coronariana, insuficiência ventricular esquerda |
| Hidralazina (vasodilatador de ação direta) | 10 – 20 mg EV ou 10 – 40 mg IM a cada 6 h | 10 – 30 min | 3 – 12 h | Taquicardia, cefaleia, vômitos. Piora da angina e do IAM. Cuidado na pressão intracraniana elevada. | Eclâmpsia |
| Metoprolol (bloqueador β-adrenérgico seletivo) | 5 mg EV (repetir 10/10 min até 20 mg) | 5 – 10 min | 3 – 4 h | Bradicardia, bloqueio atrioventricular avançado, insuficiência cardíaca, broncoespasmo. | Insuficiência coronariana, dissecção aguda de aorta (em combinação com NPS) |
| Esmolol (bloqueador β-adrenérgico seletivo de ação ultrarrápida) | Ataque: 500 μg/kg → Infusão: 25 – 50 μg/kg/min (aumentar a cada 10 min até máx. 300 μg/kg/min) | 1 – 2 min | 1 – 20 min | Náuseas, vômitos, bloqueio AV 1º grau, broncoespasmo, hipotensão. | Dissecção aguda de aorta (em combinação com NPS), hipertensão pós-operatória grave |
| Furosemida (diurético) | 20 – 60 mg (repetir após 30 min) | 2 – 5 min | 30 – 60 min | Hipopotassemia. | Insuficiência ventricular esquerda, situações de hipervolemia |
| Fentolamina (bloqueador α-adrenérgico) | Infusão contínua: 1 – 5 mg (máx. 15 mg) | 2 – 3 min | 3 – 5 min | Taquicardia reflexa, flushing, tontura, náuseas, vômitos. | Excesso de catecolaminas |
Durante essa fase, fármacos orais devem ser evitados, pois possuem início de ação mais lento e não permitem ajuste fino da dose. A clonidina é contraindicada, pois pode provocar depressão do sistema nervoso central.
Após a estabilização e o alcance da pressão-alvo, a terapia intravenosa é gradualmente reduzida e suspensa, sendo os anti-hipertensivos orais introduzidos entre 8 e 24 horas depois.
Condutas específicas em situações especiais
- Hipertensão induzida pela gravidez: A escolha do anti-hipertensivo deve considerar a segurança fetal e placentária. O controle pressórico deve ser mantido pelo maior tempo possível para permitir o desenvolvimento fetal adequado. Entretanto, a presença de convulsões ou outras manifestações graves requer interrupção imediata da gestação, independentemente da idade gestacional.
- Crises convulsivas: O uso de medicações anticonvulsivantes é indicado e mantido até a melhora clínica e radiológica. A suspensão pode ocorrer após 1 a 2 semanas, já que a recorrência das convulsões após a resolução da encefalopatia é incomum. A escolha do fármaco deve levar em conta a função renal e a presença de gestação.
Tratamento da síndrome da encefalopatia posterior reversível (PRES)
A PRES, frequentemente associada à encefalopatia hipertensiva, segue princípios terapêuticos semelhantes, com foco no controle rigoroso da pressão arterial e na remoção do fator desencadeante. O manejo inclui:
- Redução gradual da pressão arterial;
- Uso de anticonvulsivantes se houver crises;
- Correção de distúrbios eletrolíticos;
- Ajuste ou suspensão de medicamentos imunossupressores ou citotóxicos que possam ter contribuído para o quadro.
Em gestantes, deve-se garantir o parto oportuno, e em pacientes sob tratamento imunossupressor, é necessário avaliar a neuroimagem em caso de recidiva dos sintomas. Fatores como sobrecarga volêmica, elevação da pressão arterial média acima de 25% do basal e creatinina sérica maior que 1,8 mg/dL aumentam o risco de desenvolvimento ou recorrência de PRES.
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Referências
Potter T, Agarwal A, Schaefer TJ. Hypertensive Encephalopathy. [Updated 2024 Feb 2]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554499/
William J Elliott, MD, PhDJoseph Varon, MD, FACP, FCCP, FCCM, FRSM. Moderate to severe hypertensive retinopathy and hypertensive encephalopathy in adults. UpToDate, 2025. Disponível em: UpToDate
GONZAGA, Carolina. Encefalopatia hipertensiva: fisiopatologia e abordagem terapêutica. Revista Brasileira de Hipertensão, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 148-151, 2014.



