E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Intoxicação por Organofosforados, uma condição potencialmente grave causada pela exposição a compostos químicos utilizados principalmente como inseticidas. Esses agentes inibem a acetilcolinesterase, levando ao acúmulo excessivo de acetilcolina nas sinapses e provocando intensa estimulação colinérgica no organismo.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
Navegue pelo conteúdo
Definição de intoxicação por organofosforados
A intoxicação por organofosforados é uma condição decorrente da exposição a compostos químicos derivados do ácido fosfórico, amplamente utilizados como pesticidas, herbicidas e agentes neurotóxicos em guerras químicas. Esses compostos atuam inibindo a enzima acetilcolinesterase, responsável pela degradação da acetilcolina, o que leva ao acúmulo excessivo desse neurotransmissor nas sinapses e à consequente hiperestimulação colinérgica em diferentes sistemas do organismo.
Os organofosforados foram inicialmente desenvolvidos em meados do século XIX, mas seu uso se expandiu após a Segunda Guerra Mundial. Na década de 1930, começaram a ser aplicados como inseticidas, e, posteriormente, alguns compostos foram adaptados como agentes neurotóxicos militares, destacando-se o sarin e o VX.
Esses agentes foram utilizados em eventos marcantes, como os ataques do grupo japonês Aum Shinrikyo em 1994 e 1995, o assassinato de Kim Jong-nam em 1997, e o envenenamento de Sergei e Yulia Skripal em 2018, no Reino Unido, com o agente Novichok.
Atualmente, embora o número de casos tenha diminuído em países desenvolvidos devido a regulações mais rigorosas, a intoxicação por organofosforados permanece um importante problema de saúde pública em nações em desenvolvimento, onde esses produtos continuam amplamente disponíveis e são frequentemente utilizados em contextos ocupacionais e intencionais.
Além dos efeitos agudos, a exposição pode resultar em complicações neurológicas tardias, como a síndrome intermediária, reforçando a relevância desse tipo de intoxicação no cenário toxicológico global.
Fisiopatologia da intoxicação por organofosforados
A intoxicação por organofosforados ocorre pela inibição da enzima acetilcolinesterase (AChE), responsável por degradar a acetilcolina (ACh) nas sinapses. Em condições normais, após a liberação de ACh na fenda sináptica e sua ação nos receptores pós-sinápticos, a AChE a hidrolisa rapidamente em ácido acético e colina, permitindo o término da transmissão nervosa.
Os organofosforados fosforilam o sítio ativo da AChE, tornando-a inativa e levando ao acúmulo de acetilcolina nas junções sinápticas. Esse excesso provoca estimulação contínua dos receptores colinérgicos, incluindo os nicotínicos, muscarínicos e os do sistema nervoso central (SNC).
Nos receptores nicotínicos, a hiperestimulação causa fasciculações e contrações musculares, que podem evoluir para paralisia flácida. Também pode haver hipertensão, taquicardia e sudorese intensa devido ao envolvimento das glândulas adrenais.
Já nos receptores muscarínicos, a ativação exagerada afeta o sistema parassimpático e simpático, levando a bradicardia, broncorreia e broncoespasmo, principais causas de insuficiência respiratória.
No SNC, o excesso de acetilcolina provoca convulsões, coma e depressão do nível de consciência. Além disso, os solventes e surfactantes presentes em formulações agrícolas podem agravar o quadro, aumentando o risco de aspiração pulmonar, pneumonite química e síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA).
Manifestações clínicas da intoxicação por organofosforados
As manifestações clínicas da intoxicação por organofosforados variam conforme o tipo de composto, a via de exposição, a dose absorvida e o tempo decorrido desde o contato. A lipossolubilidade de alguns agentes pode prolongar o quadro clínico, pois permite a liberação lenta da substância armazenada no tecido adiposo.
Manifestações gerais
Nos casos graves, o paciente pode apresentar rebaixamento do nível de consciência, miose intensa (pupilas puntiformes), fasciculações musculares e diaforese. Outros sinais incluem salivação e lacrimejamento excessivos, vômitos, diarreia e incontinência urinária. Quando ocorre ingestão intencional, é comum o odor característico de alho ou solvente.

Manifestações muscarínicas
Resultam da hiperestimulação parassimpática causada pelo acúmulo de acetilcolina nas sinapses. São frequentes bradicardia, broncorreia, broncoespasmo, aumento das secreções, dor abdominal, diarreia e espasmos gastrointestinais. Essas alterações podem evoluir para comprometimento respiratório grave devido à obstrução das vias aéreas e acúmulo de secreções.
Manifestações nicotínicas
Decorrem da estimulação prolongada das junções neuromusculares. Inicialmente, surgem fasciculações e contrações musculares involuntárias, seguidas por fraqueza progressiva e, em casos mais graves, paralisia flácida. Também podem ocorrer taquicardia e hipertensão associadas à ativação dos receptores nas glândulas adrenais.
Manifestações centrais
O excesso de acetilcolina no sistema nervoso central provoca ansiedade, confusão mental, sonolência, convulsões, alucinações e coma. Em situações severas, pode ocorrer depressão do centro respiratório, contribuindo para a insuficiência respiratória.
Complicações e evolução
A falência respiratória é a principal causa de morte, resultando da combinação entre broncoespasmo, broncorreia, paralisia dos músculos respiratórios e depressão central. Sobreviventes da fase aguda podem apresentar complicações neurológicas tardias, incluindo síndrome intermediária e neuropatias periféricas.
Diagnóstico da intoxicação por organofosforados
O diagnóstico da intoxicação por organofosforados é essencialmente clínico, devendo o tratamento ser iniciado antes da confirmação laboratorial sempre que houver suspeita fundada. A identificação precoce é fundamental, especialmente em situações em que não há histórico claro de exposição.
O quadro típico envolve pacientes com miose acentuada, diaforese intensa e dificuldade respiratória, podendo estar presente também o odor característico de alho ou petróleo, que auxilia na suspeita diagnóstica.
Quando há dúvida diagnóstica, pode-se realizar o teste terapêutico com atropina, administrando-se de 0,6 a 1 mg do fármaco. A melhora dos sintomas após a aplicação reforça a hipótese de intoxicação por inibidores da acetilcolinesterase. No entanto, a ausência de resposta não exclui o diagnóstico, pois casos graves podem requerer doses maiores para resposta clínica, o que limita a sensibilidade do teste.
Em alguns laboratórios, é possível realizar a dosagem das colinesterases plasmática e eritrocitária para confirmar o diagnóstico. As enzimas mais avaliadas são:
- Butirilcolinesterase (BuChE): encontrada no plasma e em vários tecidos, porém menos específica. Sua redução também pode ocorrer em doenças hepáticas, desnutrição, anemias e outras condições crônicas.
- Acetilcolinesterase eritrocitária (AChE eritrocitária ou RBC AChE): é considerada mais específica e apresenta melhor correlação com a gravidade clínica. Geralmente, os sintomas aparecem quando ocorre inibição superior a 50% da atividade enzimática.
A coleta das amostras deve ser feita com cuidado, pois o fluoreto pode inativar as enzimas e gerar falsos resultados baixos.
Além desses testes específicos, exames complementares podem auxiliar na avaliação do estado geral do paciente, incluindo hemograma completo, função hepática e renal, eletrólitos, glicemia, gasometria arterial e, quando necessário, teste de gravidez. O eletrocardiograma (ECG) costuma mostrar bradicardia sinusal, reflexo da estimulação parassimpática excessiva.
Tratamento da intoxicação por organofosforados
Antes de iniciar o atendimento, é indispensável que todos os profissionais de saúde utilizem equipamentos de proteção individual (EPI), a fim de evitar autocontaminação. Após garantir a segurança da equipe, deve-se proceder à descontaminação do paciente, removendo completamente suas roupas e lavando a pele com água e sabão pelo menos três vezes.
Essa limpeza deve ser feita com rapidez, sem atrasar o início das medidas médicas essenciais. É importante também ter cuidado com secreções corporais (vômito e diarreia), que podem conter resíduos do composto. Em casos de cabelos longos, recomenda-se corte se a lavagem não for suficiente, pois substâncias lipossolúveis podem se acumular nos fios.
Suporte vital
O controle das vias aéreas é a prioridade no manejo inicial. Pode ser necessária intubação orotraqueal devido a broncoespasmo, broncorreia ou convulsões. Deve-se evitar o uso de succinilcolina, pois, por ser também degradada pela colinesterase, pode causar paralisia prolongada. Além disso, é essencial garantir acesso venoso, monitorização cardíaca e oximetria de pulso.
Terapia antidótica
O tratamento específico envolve o uso de atropina e pralidoxima (2-PAM).
a) Atropina
A atropina é o principal antídoto, atuando como antagonista competitivo da acetilcolina nos receptores muscarínicos. A dose inicial recomendada é de 2 a 5 mg IV em adultos e 0,05 mg/kg em crianças, repetindo-se a cada 3 a 5 minutos até que as secreções respiratórias desapareçam e o paciente não apresente mais broncoespasmo.
O objetivo é atingir o estado de “atropinização”, caracterizado por taquicardia, pele e mucosas secas, midríase, redução das secreções e melhora respiratória. Pacientes com intoxicação grave podem necessitar de doses muito elevadas, administradas em bolus ou infusão contínua, por vários dias.
b) Pralidoxima (2-PAM)
A pralidoxima atua reativando a acetilcolinesterase inibida, devendo ser administrada antes do processo de envelhecimento da ligação fosforilada, que é específico para cada composto. O uso da 2-PAM deve ocorrer após a atropina, para evitar agravamento dos sintomas muscarínicos.
A dose recomendada é de 30 mg/kg em adultos (20 a 50 mg/kg em crianças) infundidos em 30 minutos, seguidos de infusão contínua de 8 mg/kg/h em adultos e 10 a 20 mg/kg/h em crianças, por vários dias se necessário. A administração muito rápida pode causar parada cardíaca, exigindo cautela.
Embora existam controvérsias quanto à eficácia da pralidoxima na redução da mortalidade, ela continua sendo recomendada em todos os casos de intoxicação por organofosforados até que novas evidências definam condutas alternativas.
Controle de convulsões
Nos casos em que ocorrem crises convulsivas, devem ser administrados benzodiazepínicos, como diazepam. Apesar de alguns estudos sugerirem efeito neuroprotetor, o uso profilático desses fármacos não é indicado.
Outros tratamentos e monitoramento
Para compostos de baixa distribuição tecidual, como dimetoato e diclórvos, pode-se considerar hemodiálise ou hemoperfusão, embora as evidências de eficácia sejam limitadas.
Devido ao risco de recorrência dos sintomas e insuficiência respiratória tardia, o paciente deve permanecer em monitorização intensiva por no mínimo 48 horas, preferencialmente em unidade de terapia intensiva (UTI). Pacientes assintomáticos por 12 horas podem ser considerados para alta hospitalar.
De olho na prova!
Não pense que esse assunto fica de fora das provas de residência, concursos públicos e até das avaliações da graduação. Veja um exemplo abaixo:
AM – Comissão Estadual de Residência Médica do Amazonas – CERMAM – 2021 – Residência (Acesso Direto)
Homem de 30 anos tira uma lata de cerveja da geladeira e rapidamente engole um bocado do seu conteúdo antes de perceber que não era cerveja. Dentro de alguns minutos ele apresenta cólicas abdominais graves, visão turva, espasmos e perda de consciência. A esposa refere a equipe médica que colocou spray de barata na lata de cerveja e tinha deixado na geladeira para tentar eliminar as baratas e esqueceu de avisar ao marido. O pessoal da emergência verifica a embalagem e determina que é um Organofosforado.
Para neutralizar a atividade de inibição da colinesterase do veneno de organofosforado, o homem deve receber qual dos seguintes antídotos:
A) Metacolina
B) Piridostigmina
C) Edrofônio
D) Atropina
Comentário da questão:
GABARITO: ALTERNATIVA D
A Síndrome Colinérgica, também conhecida como Síndrome Anticolinesterásica, é causada pela inibição da acetilcolinesterase, enzima responsável pela degradação da acetilcolina. Com o acúmulo da acetilcolina, há o aumento do tônus colinérgico no sistema nervoso central, periférico e autônomo, devido a hiperestimulação dos receptores muscarínicos e nicotínicos.
Esta toxíndrome pode causar sintomas como miose, broncorreia, sialorreia, diarreia, agitação psicomotora, cefaleia, tonturas, convulsões e rebaixamento do nível de consciência. Os principais responsáveis são os tóxicos carbamatos e organofosforados, e o tratamento é feito com uso de atropina ou pralidoxima.
Veja também!
- Resumo de transtorno de personalidade histriônica: diagnóstico, tratamento e mais!
- Resumo sobre lamotrigina: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo sobre trazodona: indicações, farmacologia e mais!
- Resumo de Rivotril: indicações, farmacologia e mais
- Resumo sobre naltrexona: indicações, farmacologia e mais!
Referências
Robb EL, Regina AC, Baker MB. Organophosphate Toxicity. [Updated 2023 Nov 12]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470430/

 
 

