E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Neurite Braquial, uma condição neurológica rara e dolorosa que afeta o plexo braquial, geralmente de início súbito, com dor intensa no ombro seguida de fraqueza muscular e atrofia.
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Vamos nessa!
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Definição de Neurite Braquial
A neurite braquial, também chamada de amiotrofia neurálgica ou síndrome de Parsonage-Turner, é uma condição neuromuscular que afeta os nervos periféricos, especialmente na região do plexo braquial.
Trata-se de uma síndrome rara e frequentemente subdiagnosticada, cuja causa exata ainda não é completamente compreendida. Acredita-se que fatores imunomediados, mecânicos e genéticos estejam envolvidos no seu desenvolvimento.
A principal manifestação clínica da neurite braquial é o início súbito de dor intensa na região do ombro, que pode ocorrer de forma unilateral ou bilateral. Após essa fase dolorosa inicial, que costuma durar de alguns dias a semanas, instala-se uma fraqueza muscular na região afetada. Em alguns casos, também podem ocorrer déficits sensoriais.
Os sintomas tendem a irradiar para o pescoço, braços e antebraços, e a recuperação pode variar bastante entre os pacientes. Por sua apresentação clínica variável e multifocal, o diagnóstico pode ser desafiador, sendo fundamental o conhecimento da evolução típica da doença.
Etiologia da Neurite Braquial
A etiologia da neurite braquial ainda não está completamente esclarecida, embora se reconheça que a maioria dos casos esteja associada a mecanismos imunomediados. Fatores que afetam o sistema imunológico estão presentes em mais da metade dos pacientes diagnosticados, atuando como gatilhos para o início do quadro.
Entre os desencadeantes imunológicos mais relatados estão infecções virais e bacterianas (como hepatite E, vírus coxsackie, Covid-19, Escherichia coli, Staphylococcus aureus e Aspergillus), procedimentos cirúrgicos, doenças do tecido conjuntivo, lúpus eritematoso sistêmico, arterite temporal, vacinação, gravidez e radioterapia. Dentre esses, a infecção pelo vírus da hepatite E se destaca como uma das causas virais mais frequentemente identificadas, presente em cerca de 10% dos casos.
Além dos fatores imunológicos, causas mecânicas também estão envolvidas. Estímulos como exercícios intensos de membros superiores, trauma na cintura escapular e trabalhos com esforço físico elevado têm sido relatados como possíveis agentes desencadeantes, representando aproximadamente 10% dos casos.
Há ainda uma forma hereditária da doença, conhecida como amiotrofia neurálgica hereditária (HNA), associada a mutações e duplicações no gene SEPT9. Essa variante, de padrão autossômico dominante, indica uma predisposição genética em determinados pacientes, embora o mecanismo exato de desenvolvimento ainda não seja totalmente compreendido.
Fisiopatologia da Neurite Braquial
A fisiopatologia da neurite braquial ainda não é totalmente compreendida, mas evidências apontam para um mecanismo predominantemente imunomediado. Estudos sugerem que o sistema imunológico pode agir diretamente sobre o plexo braquial ou desencadear uma resposta autoimune indireta, resultando em inflamação e dano neural.
Mesmo nas formas associadas a causas mecânicas, acredita-se que a resposta imunológica desempenhe um papel secundário. Nesses casos, a lesão mecânica poderia comprometer a barreira sangue-nervo, permitindo a entrada de mediadores inflamatórios que atuariam sobre os nervos do plexo braquial.
Outro fator envolvido na fisiopatologia é a isquemia neural, que pode surgir tanto por mecanismos inflamatórios quanto por compressão mecânica. A interrupção do suprimento sanguíneo contribui para o aparecimento súbito da dor intensa característica da doença. Dessa forma, tanto a inflamação quanto a isquemia parecem estar implicadas no processo fisiopatológico da neurite braquial.
Manifestações clínicas da Neurite Braquial
As manifestações clínicas da neurite braquial costumam seguir um curso bifásico, dividido em fase aguda e fase crônica, com variações na apresentação conforme os nervos acometidos e o momento da evolução da doença.
Fase aguda
Na maioria dos pacientes (cerca de 70%), a fase aguda inicia-se com dor intensa no ombro, geralmente unilateral, de início súbito e com caráter contínuo, podendo ser descrita como queimação, pontada ou pulsátil.
Essa dor costuma localizar-se na face lateral do ombro, escápula, parede torácica superolateral e fossa antecubital, com irradiação frequente para o pescoço e antebraço lateral. Isso se deve ao envolvimento de múltiplos nervos periféricos, como os nervos axilar, suprascapular, interósseo anterior, torácico longo e musculocutâneo. É comum que os pacientes acordem durante a noite devido à piora da dor, que não melhora com mudanças de posição.
A dor costuma ser autolimitada, com resolução média em até 4 semanas. Em casos mais raros, pode desaparecer em 24 horas ou persistir por mais de 8 semanas em cerca de 10% dos pacientes. Quanto maior o tempo de dor, maior tende a ser o tempo de recuperação.
Fraqueza muscular
Após a dor inicial, os pacientes geralmente desenvolvem fraqueza muscular no ombro e braço, sendo esta uma característica marcante da doença. A fraqueza costuma aparecer após algumas semanas do início da dor, mas em aproximadamente 30% dos casos pode surgir já nas primeiras 24 horas. Embora mais raramente, antebraço e mãos também podem ser afetados.
Outros sinais incluem déficits sensoriais, como parestesias e hipoestesia, presentes em cerca de 78% dos pacientes, principalmente sobre o braço lateral, região dos deltoides e antebraço radial. Contudo, essas alterações sensitivas podem passar despercebidas durante a fase de dor intensa.
Achados específicos
- Quando o nervo torácico longo está comprometido, pode ocorrer escápula alada medial.
- A fraqueza em abdução e rotação externa do ombro sugere comprometimento dos músculos deltoide, supraespinal e infraespinal.
- Em casos com envolvimento do nervo frênico, podem ocorrer disfunção diafragmática, ortopneia e fadiga intensa.
Fase crônica
A fase crônica é marcada por dor persistente, déficits sensoriais e comprometimento musculoesquelético, com possibilidade de atrofia muscular. A recuperação da força muscular costuma ser lenta e progressiva, variando de 6 a 18 meses.
Exame físico
Na avaliação clínica, deve-se realizar um exame neurológico completo, incluindo:
- Avaliação da força muscular e dos movimentos da escápula durante a abdução e anteflexão do ombro;
- Identificação de paresia segmentar (fraqueza de músculos inervados por um mesmo nervo periférico);
- Presença de sinais de neurônio motor inferior, como hipotonia, arreflexia, atrofia e fasciculações, principalmente nas raízes C5 a C7.
Diagnóstico de Neurite Braquial
O diagnóstico da neurite braquial é, em grande parte, clínico, baseado na identificação das características típicas da doença. No entanto, exames complementares são úteis para confirmar a suspeita e excluir diagnósticos diferenciais, como tendinite do manguito rotador, compressão medular cervical e neuropatias por aprisionamento.
Estudos eletrofisiológicos
- Condução nervosa e eletroneuromiografia (EMG) são fundamentais, especialmente em casos atípicos;
- As alterações nesses exames não são imediatas: anormalidades em condução nervosa podem surgir após 1 semana, e as alterações na EMG, após 3 a 4 semanas do início dos sintomas;
- A condução nervosa costuma mostrar redução na amplitude dos potenciais de ação, com velocidades normais, o que ajuda a diferenciar de doenças desmielinizantes;
- A EMG revela sinais de desnervação aguda, como potenciais fibrilatórios e ondas positivas agudas, além de sinais de re-inervação nas fases tardias (3 a 4 meses), com potenciais motores polifásicos.
Exames de imagem
- A ressonância magnética com contraste (gadolínio) pode mostrar sinais hiperintensos nos nervos afetados ou constrições em “ampulheta”;
- A ressonância sem contraste avalia alterações estruturais do ombro e coluna, mas geralmente o plexo braquial parece normal;
- A ultrassonografia pode demonstrar espessamento nervoso, constrições parciais ou completas, alterações em “ampulheta” e emaranhamento nervoso.
Exames laboratoriais
- Hemograma, velocidade de hemossedimentação (VHS) e líquor geralmente estão normais, sendo usados para excluir outras causas.
- Em alguns casos, o líquor pode apresentar discreta pleocitose.
- Pode-se testar sorologias para hepatite E, vírus Epstein-Barr, varicela-zóster e dengue, entre outros agentes virais associados.
Tratamento da Neurite Baquial
O tratamento da neurite braquial é dividido em duas fases, aguda e crônica, e, apesar de a condição ser geralmente autolimitada, intervenções terapêuticas podem ajudar no alívio dos sintomas e na melhora da recuperação funcional. A maioria das abordagens tem base em estudos de caso, com evidências limitadas sobre sua eficácia a longo prazo.
Fase aguda
Durante a fase inicial, o foco principal é o controle da dor intensa e a prevenção de agravamentos:
- Analgesia: O uso de analgésicos potentes, como opioides e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), é comum devido à intensidade da dor. Medicamentos para dor neuropática, como antidepressivos tricíclicos ou anticonvulsivantes, são menos eficazes por terem ação mais lenta;
- Corticosteroides e imunoglobulina intravenosa (IVIG) podem ser usados para acelerar a resolução da dor aguda, especialmente se iniciados nas primeiras duas semanas;
- Imobilização: A restrição do movimento do membro afetado pode ser necessária nos primeiros dias para aliviar a dor e evitar agravamento, sendo suspensa assim que a dor começa a diminuir.
Fase crônica
Com a melhora da dor, o tratamento se concentra na reabilitação motora e na função funcional:
- Fisioterapia: Inclui exercícios de amplitude de movimento, fortalecimento e alongamento para restaurar a função muscular. É eficaz especialmente após o controle da dor;
- Terapia ocupacional: Auxilia o paciente na readaptação às atividades diárias e laborais, por meio de estratégias funcionais e treinamento específico;
- Estimulação elétrica: Pode ser considerada quando os músculos permanecem desnervados por mais de 4 meses, embora seu benefício seja controverso. Exercícios de fortalecimento são contraindicados em músculos totalmente desnervados;
- EMG de controle: Pode ser solicitado para monitorar a reinervação e orientar a continuidade da reabilitação.
Tratamento cirúrgico
O tratamento conservador deve ser mantido por pelo menos 3 meses, visto que a maioria dos casos melhora espontaneamente. No entanto, procedimentos como neurose ou transferência nervosa podem ser indicados em pacientes com sintomas persistentes:
- A neurose pode melhorar os sintomas em até 90% dos casos, especialmente quando há constrição nervosa inferior a 75%;
- Enxerto nervoso pode ser considerado quando a constrição for maior ou igual a 75%;
- A transferência de nervos ou tendões pode ser indicada em casos de paralisia prolongada (acima de 6 meses), ou quando a neurose não for viável.
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Referências
Al Khalili Y, Jain S, Lam JC, et al. Brachial Neuritis. [Updated 2024 Feb 2]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK499842/
Feinberg JH, Radecki J. Parsonage-turner syndrome. HSS J. 2010 Sep;6(2):199-205. doi: 10.1007/s11420-010-9176-x. Epub 2010 Jul 30. PMID: 21886536; PMCID: PMC2926354.
Mark B Bromberg, MD, PhD. Brachial plexus syndromes. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate