Resumo sobre Radiodermatite: definição, manifestações clínicas e mais!
Fonte: UpToDate

Resumo sobre Radiodermatite: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos continuar explorando um tema importante? Hoje seguimos falando sobre as Radiodermatite, um efeito adverso da radioterapia que pode impactar a integridade da pele. 

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Radiodermatite

A radiodermatite é uma alteração cutânea resultante da exposição à radiação ionizante, podendo ocorrer de forma aguda ou crônica. Esse quadro é frequentemente observado em pacientes submetidos à radioterapia para o tratamento de câncer, sendo um dos efeitos adversos mais comuns desse procedimento. 

A condição pode se manifestar com diferentes graus de intensidade, variando desde eritema leve até ulcerações severas, dependendo da dose de radiação, do tempo de exposição e da sensibilidade individual do paciente. 

Embora a radioterapia moderna tenha minimizado os impactos sobre a pele, a radiodermatite ainda representa um desafio clínico, exigindo medidas preventivas e terapêuticas para reduzir o desconforto e evitar complicações a longo prazo.

Fisiopatologia da radiodermatite

A fisiopatologia da radiodermatite envolve uma série de reações celulares e moleculares desencadeadas pela exposição à radiação ionizante. Os efeitos podem ser classificados em agudos, ocorrendo durante ou logo após o tratamento, e tardios, que se manifestam meses ou anos após a exposição.

Efeitos agudos

A radiação ionizante provoca danos diretos e indiretos às células da pele, especialmente aos queratinócitos basais, melanócitos e células-tronco nos folículos capilares, que são altamente sensíveis à radiação. O processo inclui a ionização da água celular, a formação de radicais livres e quebras irreversíveis no DNA nuclear e mitocondrial. Isso compromete a capacidade de autorrenovação da epiderme, levando à inflamação e à degeneração tecidual.

A resposta inflamatória inicial envolve a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1, IL-6, IL-8 e TNF-alfa, além de quimiocinas que recrutam células imunes para a região afetada. As células endoteliais dos vasos sanguíneos locais também expressam moléculas de adesão, facilitando a migração de leucócitos para a área irradiada. Além disso, a radiação pode induzir a desgranulação dos mastócitos, contribuindo para a inflamação e o dano tecidual.

O estresse oxidativo é outro mecanismo relevante na fisiopatologia da radiodermatite. A exposição à radiação reduz a capacidade antioxidante da pele, afetando enzimas como superóxido dismutases e glutationa peroxidases. Esse desequilíbrio no controle redox contribui para a progressão da lesão cutânea e o atraso na cicatrização.

Efeitos tardios

As alterações tardias da radiodermatite estão relacionadas ao aumento da expressão do fator de crescimento transformador beta (TGF-beta), que desempenha um papel central na fibrose induzida pela radiação. 

Esse fator estimula a produção de matriz extracelular, promove a diferenciação de fibroblastos em miofibroblastos e está associado ao desenvolvimento de cicatrizes fibróticas na pele irradiada. Essas alterações podem levar a espessamento cutâneo, perda da elasticidade e hiperpigmentação da área afetada.

Fatores de risco para radiodermatite

  • Áreas do corpo mais sensíveis: pescoço, extremidades, tórax, abdômen, face, couro cabeludo e tecido mamário.
  • Maior risco em pacientes com seios grandes, implantes ou reconstrução mamária.
  • Obesidade, desnutrição, tabagismo e exposição crônica ao sol aumentam a predisposição.
  • Doenças do tecido conjuntivo, como esclerodermia, podem estar associadas a maior risco.
  • Colonização por Staphylococcus aureus pode contribuir para quadros mais graves.
  • Fatores genéticos, incluindo mutações associadas ao reparo do DNA, aumentam a suscetibilidade.
  • Doses elevadas de radiação e tratamentos convencionais apresentam maior risco do que esquemas hipofracionados.
  • Uso de quimioterapia concomitante, especialmente antraciclinas, taxanos e inibidores de EGFR, eleva a gravidade da dermatite.

Manifestações clínicas da radiodermatite

A dermatite aguda por radiação ocorre dentro de 90 dias do início do tratamento radioterápico, desenvolvendo-se gradualmente ao longo das sessões. A gravidade das alterações cutâneas depende da dose de radiação e da sensibilidade individual.

Os principais achados incluem:

  • Eritema
  • Edema
  • Alterações na pigmentação
  • Perda de cabelo
  • Descamação seca
  • Descamação úmida

Os sintomas relatados pelos pacientes podem incluir dor na pele, prurido e fadiga. Em casos graves (grau 4), pode ocorrer necrose epidérmica ou dérmica, resultando em fibrose e perda de elementos anexiais.

As imagens mostram dermatite por radiação em 4 estágios diferentes de gravidade em pele levemente pigmentada (A a D) e pele escura (E a ​​H). A dermatite por radiação varia de eritema e hiperpigmentação tênues (A, E) a eritema e hiperpigmentação definidos com descamação fina e seca (B, F) a descamação úmida precoce e crostas irregulares (C, G) a descamação úmida, ulceração superficial e descamação em folhas (D, H). Fonte: UpToDate

Manifestações Histopatológicas

As principais alterações microscópicas incluem:

  • Apoptose de ceratinócitos e vacuolização da camada basal
  • Edema epidérmico e necrose epidérmica em doses mais altas
  • Extravasamento de eritrócitos, vasodilatação e trombos de fibrina
  • Infiltrado inflamatório na derme

Pacientes tratados com inibidores de EGFR podem apresentar formas mais graves, com ulcerações, sangramentos espontâneos e crostas.

Reações agudas da radioterapia

  • Reação de recall da radiação: inflamação localizada em áreas previamente irradiadas, desencadeada por quimioterápicos (ex.: doxorrubicina, paclitaxel, gemcitabina). Manifesta-se como erupções cutâneas, descamação e prurido, podendo afetar pulmões e mucosas. Melhora após a suspensão do agente causador.
  • Queimaduras por radiação: resultam de exposição excessiva à radiação, com progressão imprevisível e dor resistente a opiáceos. Podem levar à necrose tecidual tardia.
  • EPPER (Eosinophilic, Polymorphic, and Pruritic Eruption): reação rara, mais comum em pacientes com câncer de mama ou colo do útero, caracterizada por lesões eritematosas pruriginosas fora da área irradiada. Trata-se com corticoides e anti-histamínicos.
  • Dermatite subaguda induzida por fluoroscopia: surge semanas a meses após exposição à radiação ionizante, apresentando placas eritematosas, hiperpigmentação e ulceração. O diagnóstico pode ser tardio, pois se assemelha a outras condições dermatológicas.
Erupção eosinofílica, polimórfica e pruriginosa associada a radioterapia. Fonte: UpToDate

Reações tardias da radioterapia

  • Dermatite crônica por radiação: surge meses ou anos após a exposição e se manifesta com fibrose dérmica, alterações na pigmentação (hiper ou hipopigmentação), atrofia e telangiectasias. Histologicamente, observa-se espessamento vascular e ausência de unidades pilossebáceas. O tratamento pode envolver pentoxifilina e vitamina E por períodos prolongados, fisioterapia para melhora da mobilidade e, em alguns casos, terapia a laser para telangiectasias e hiperpigmentação. A oxigenoterapia hiperbárica ainda carece de evidências sólidas de eficácia.
  • Morfeia pós-irradiação: complicação rara que leva ao surgimento de placas escleróticas semelhantes à morfeia idiopática na área irradiada. Mais comum em mulheres tratadas para câncer de mama, pode causar dor, morbidade e impacto estético. O tratamento inclui corticoides tópicos ou intralesionais, fototerapia e imunossupressores sistêmicos, conforme a gravidade.

Classificação da dermatite por Radiação

A gravidade é avaliada pelos Critérios de Terminologia Comum para Eventos Adversos (CTCAE) do NCI e pelos critérios RTOG/EORTC, sendo dividida em:

  • Grau 1: Eritema leve e descamação seca, geralmente assintomático.
  • Grau 2: Eritema intenso com descamação úmida em pregas cutâneas, podendo haver dor e edema moderado.
  • Grau 3: Descamação úmida confluente em áreas expostas, com possível sangramento ao trauma.
  • Grau 4: Necrose cutânea ou ulceração profunda, podendo necessitar de enxerto de pele.
  • Grau 5: Caso extremamente raro, com evolução fatal exclusivamente devido à dermatite

Tratamento de Radiodermite

O tratamento da radiodermatite é orientado pelo grau de severidade da lesão e envolve cuidados gerais com a pele, prevenção e manejo de infecções secundárias, além do uso de curativos específicos para promover a cicatrização.

Pacientes com dermatite de radiação grau 1

Nesta fase, a pele apresenta eritema leve e descamação seca. As principais medidas incluem:

  • Higienização e hidratação: A pele deve ser limpa com produtos suaves e hidratada com cremes hidrofílicos (óleo em água) para evitar ressecamento.
  • Uso de corticosteroides tópicos: Pacientes podem iniciar ou continuar o uso de corticosteroides de baixa potência (grupos 4 e 5), aplicados uma ou duas vezes ao dia, por até duas semanas após a radioterapia, para controle da coceira e inflamação.
  • Evitar anti-histamínicos: Esses medicamentos geralmente não são eficazes para o prurido associado à radiodermatite.
  • Curativos não são recomendados: Estudos demonstram que o uso de curativos hidrocolóides não impede a progressão da dermatite e não traz benefícios significativos em relação a placebo.

Pacientes com dermatite de radiação grau 2 a 3

Nestes casos, ocorre descamação úmida, inicialmente em áreas de dobras da pele (grau 2) e depois em regiões mais extensas (grau 3). O tratamento tem como foco a prevenção de infecções e a cicatrização da pele:

  • Uso de curativos específicos: Bandagens de espuma de silicone macias e absorventes (como Mepilex Lite e Biatain) são recomendadas para proteger a pele e manter um ambiente favorável à cicatrização. Esses curativos devem ser trocados diariamente ou conforme a gravidade da exsudação.
  • Agentes tópicos auxiliares: Podem ser utilizados produtos como sulfadiazina de prata e hidrogéis amorfos para favorecer a regeneração da pele.
  • Prevenção e tratamento de infecções: Caso haja sinais de infecção bacteriana, é indicada antibioticoterapia tópica ou sistêmica, conforme a necessidade.
  • Comparação entre diferentes curativos: Alguns estudos compararam curativos hidrocolóides e hidrogéis com violeta genciana 0,5%, demonstrando que os curativos úmidos favorecem uma cicatrização mais rápida e são mais confortáveis para os pacientes.

Em casos de dermatite grau 3 mais grave, a interrupção temporária da radioterapia pode ser necessária, especialmente se houver grande desconforto ou risco de complicações.

Pacientes com dermatite de radiação grau 4

A dermatite de grau 4 é rara e envolve necrose e ulceração profunda da pele. O manejo é individualizado e pode incluir:

  • Descontinuação da radioterapia: A terapia deve ser interrompida para evitar a progressão das lesões.
  • Abordagem multidisciplinar: O tratamento deve envolver especialistas, como radio-oncologistas, dermatologistas e enfermeiros especializados em feridas.
  • Intervenção cirúrgica: Em alguns casos, pode ser necessário desbridamento cirúrgico, enxertos de pele ou retalhos miocutâneos para recuperação da área afetada.
  • Controle de infecções: Antibióticos tópicos ou sistêmicos devem ser considerados para evitar complicações.

Pacientes em terapia concomitante com inibidores do EGFR

Pacientes que recebem inibidores do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), como cetuximabe, podem desenvolver reações cutâneas associadas à radioterapia. O manejo inclui:

  • Manutenção da terapia em graus leves a moderados: Para dermatite grau 1 a 3, a interrupção da medicação geralmente não é necessária.
  • Redução da dose em reações graves: Em pacientes com dermatite grau 3 mais intensa, alguns especialistas recomendam ajuste na dose de cetuximabe.
  • Suspensão do tratamento em grau 4: A radioterapia e o cetuximabe devem ser interrompidos até que a reação cutânea melhore para grau 2 ou menor.
  • Tratamento específico para erupção acneiforme: Pode ser necessária profilaxia ou tratamento direcionado para essa condição, que é comum com os inibidores de EGFR.

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Referências

RIVITTI, Evandro A. Manual de dermatologia clínica de Sampaio e Rivitti. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2024.

Julie Ryan Wolf, PhD, MPHAngela M Hong, MBBS, MMed, PhD, FRANZCR. Radiation dermatitis. UpToDate, 2023. Disponível em: UpToDate

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