Resumo sobre Síndrome da Realimentação: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Síndrome da Realimentação: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome da Realimentação, uma condição metabólica potencialmente grave que ocorre após a reintrodução nutricional em pacientes desnutridos ou em jejum prolongado. 

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.

Vamos nessa!

Definição de Síndrome de Realimentação

A síndrome da realimentação é uma condição metabólica potencialmente grave que surge após a reintrodução ou intensificação da oferta nutricional em indivíduos que passaram por períodos prolongados de jejum, inanição ou desnutrição significativa. 

Ela é caracterizada por alterações abruptas no equilíbrio de fluidos e eletrólitos, desencadeadas pela mudança do estado catabólico para o anabólico, que ocorre com o restabelecimento do aporte energético, especialmente de carboidratos. Esse processo promove aumento da liberação de insulina e rápida captação intracelular de eletrólitos e micronutrientes essenciais.

A síndrome está associada a importantes distúrbios metabólicos, sendo a hipofosfatemia considerada sua principal característica bioquímica, além de alterações nos níveis de potássio, magnésio e tiamina. 

Fisiopatologia da Síndrome da Realimentação

A fisiopatologia da síndrome da realimentação decorre das adaptações metabólicas ao jejum prolongado e da resposta abrupta do organismo à reintrodução nutricional. Durante a inanição, o corpo permanece em estado catabólico, com baixa secreção de insulina e maior produção de glicose a partir de proteínas, o que leva à depleção progressiva de eletrólitos intracelulares e micronutrientes, como fósforo, potássio, magnésio e tiamina.

Com o reinício da alimentação, especialmente com carboidratos, ocorre aumento rápido da glicemia e consequente elevação dos níveis de insulina, promovendo a transição para um estado anabólico. 

Esse processo estimula a captação intracelular de glicose e, simultaneamente, o deslocamento de fósforo, potássio e magnésio para o interior das células, intensificado pela ativação da bomba de sódio e potássio ATPase e pelas reações de fosforilação da glicose. Como esses elementos já se encontram reduzidos, há agravamento do desequilíbrio metabólico.

O fósforo é central nesse mecanismo, pois é essencial para a produção de adenosina trifosfato e para o metabolismo energético celular. Seus estoques são consumidos durante a inanição e sua demanda aumenta abruptamente na realimentação, resultando em hipofosfatemia e comprometimento da produção de energia e da oxigenação tecidual. 

O magnésio participa como cofator enzimático e sua redução pode intensificar outros distúrbios eletrolíticos, especialmente relacionados ao potássio. A deficiência de tiamina, micronutriente fundamental no metabolismo da glicose, torna-se mais evidente com a realimentação, contribuindo para falhas na produção energética. 

Manifestações clínicas da Síndrome da Realimentação

As manifestações clínicas são variadas e refletem principalmente as alterações eletrolíticas e bioquímicas que comprometem o potencial de membrana celular e as funções celulares. Como consequência, o quadro clínico costuma ser multissistêmico, com sintomas que podem variar desde queixas inespecíficas até alterações graves. Um achado clínico relevante é que a sensação inicial de náusea pode preceder episódios de hipotensão, funcionando como um sinal precoce de deterioração clínica.

No sistema cardiovascular, são descritas alterações importantes relacionadas ao desequilíbrio eletrolítico, incluindo arritmias, hipotensão, cardiomiopatia, choque, bradicardia, taquicardia e, em casos mais graves, parada cardíaca. Essas manifestações estão associadas principalmente às alterações de fósforo, potássio e magnésio, que interferem diretamente na condução elétrica e na contratilidade miocárdica.

As manifestações renais incluem necrose tubular aguda, insuficiência renal e acidose metabólica, frequentemente relacionadas às alterações no metabolismo do sódio e do fósforo. No sistema respiratório, podem ocorrer insuficiência respiratória, edema pulmonar e hipoventilação, associados tanto à disfunção muscular quanto às alterações metabólicas.

No âmbito musculoesquelético, são relatados rabdomiólise, mialgias, fadiga, fasciculações musculares e fraqueza do diafragma, evidenciando o impacto da deficiência energética e eletrolítica sobre o tecido muscular. Já as manifestações gastrointestinais estão frequentemente relacionadas à hipocalemia e à hipomagnesemia, incluindo diarreia, constipação, náuseas, vômitos e íleo paralítico.

Além disso, muitos pacientes com síndrome da realimentação apresentam comorbidades prévias, como deficiências vitamínicas e eletrolíticas, que podem ser agravadas, especialmente na presença de transtorno por uso de álcool, contribuindo para a complexidade e gravidade do quadro clínico.

Diagnóstico de Síndrome da Realimentação

A síndrome da realimentação é diagnosticada com base em alterações laboratoriais de eletrólitos que ocorrem até cinco dias após a reintrodução do aporte calórico, especialmente em pacientes em risco nutricional.

Estratificação da gravidade segundo a ASPEN

  • Forma leve: redução de 10 a 20 por cento em um, dois ou três dos seguintes eletrólitos séricos: fósforo, potássio ou magnésio.
  • Forma moderada: redução de 20 a 30 por cento em um, dois ou três dos eletrólitos séricos: fósforo, potássio ou magnésio.
  • Forma grave: redução superior a 30 por cento em um, dois ou três dos eletrólitos séricos: fósforo, potássio ou magnésio, ou presença de disfunção orgânica associada à redução desses eletrólitos ou à deficiência grave de tiamina.

Limitações dos critérios laboratoriais

Embora os critérios da ASPEN ofereçam uma definição prática, eles apresentam limitações por se basearem predominantemente em dados laboratoriais, sem contemplar plenamente a apresentação clínica do paciente. Além disso, marcadores nutricionais como albumina e pré albumina têm utilidade restrita, pois são reagentes de fase aguda e podem não refletir adequadamente o estado nutricional.

Importância da avaliação clínica

Diante dessas limitações, o diagnóstico da síndrome da realimentação deve sempre ser complementado por uma avaliação clínica cuidadosa, especialmente em pacientes vulneráveis, considerando o contexto nutricional e a evolução após a realimentação. O reconhecimento precoce é essencial devido ao elevado potencial de gravidade e mortalidade associados à condição.

Tratamento da Síndrome da Realimentação

O tratamento da síndrome da realimentação deve ser estruturado de forma sistemática e progressiva, com foco na prevenção de complicações metabólicas e no acompanhamento rigoroso de pacientes em risco. De maneira didática, ele pode ser dividido nos seguintes eixos:

Identificação e avaliação inicial

Antes do início da realimentação, é fundamental identificar pacientes de alto risco e realizar avaliação clínica e nutricional completa. Devem ser dosados eletrólitos séricos, especialmente fósforo, potássio e magnésio, além da análise de fatores associados, como histórico de etilismo, perda ponderal recente e comorbidades. Em casos de deficiências eletrolíticas graves, recomenda-se considerar o adiamento temporário da realimentação até a correção inicial dos distúrbios.

Estratégia de reintrodução nutricional

A realimentação deve ser iniciada de forma cautelosa, com restrição calórica inicial. As recomendações da ASPEN sugerem iniciar com 10 a 20 kcal por quilo por dia ou 100 a 150 g de dextrose nas primeiras 24 horas, aumentando gradualmente cerca de 33 por cento da meta calórica total a cada 1 a 2 dias, conforme a resposta do paciente. Sempre que possível, a nutrição enteral deve ser priorizada em relação à parenteral, desde que haja tolerância gastrointestinal.

Correção e monitoramento de eletrólitos

A reposição de eletrólitos é um pilar central do tratamento. Potássio, fósforo e magnésio devem ser corrigidos de acordo com protocolos padronizados. Em pacientes de alto risco, recomenda-se monitorar esses eletrólitos a cada 12 horas durante os primeiros três dias de realimentação, ajustando a reposição conforme a evolução. As diretrizes do NICE também orientam reposição eletrolítica paralela ao início da alimentação, com monitorização diária na primeira semana.

Suplementação de vitaminas

A suplementação de tiamina é essencial. Orienta-se administrar 100 mg de tiamina pelo menos 30 minutos antes do início da realimentação, especialmente quando houver uso de soluções contendo dextrose. A suplementação deve ser mantida duas vezes ao dia por 7 a 10 dias, como forma de prevenir complicações neurológicas e metabólicas. A dosagem rotineira de tiamina sérica não é considerada necessária.

Monitoramento clínico contínuo

O acompanhamento clínico deve ser rigoroso, especialmente nas primeiras 24 a 72 horas. A aferição de sinais vitais é necessária a cada quatro horas nas primeiras 24 horas, além do controle diário de peso, balanço hídrico e débito urinário. A avaliação clínica contínua é fundamental para detectar precocemente sinais de instabilidade metabólica.

De olho na prova!

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RJ – Faculdade de Medicina de Campos – FMC (Hospital Escola Álvaro Alvim) – 2015 – Residência (Acesso Direto)

A síndrome de realimentação pode ocorrer em pacientes com inanição grave e se caracteriza depleção dos seguintes elementos:

A) Sódio e potássio;

B) Selênio e potássio;

C) Manganês e cobre;

D) Zinco e ferro;

E) Magnésio e fósforo.

Comentário da questão: 

A síndrome de realimentação é uma grave complicação decorrente do trânsito de líquidos e eletrólitos entres os espaços intracelular e extracelular durante processos de restauração nutricional agressiva em pacientes desnutridos.

Os principais marcadores clínicos dessa síndrome são:

  • Hipofosfatemia (aliás, é o principal evento fisiopatogênico da síndrome)
  • Hipocalemia
  • Hipomagnesemia
  • Insuficiência cardíaca congestiva
  • Edema periférico
  • Rabdomiólise
  • Convulsões
  • Hemólise

O paciente desnutrido, como por exemplo um paciente com anorexia nervosa, possui as reservas de fosfato depletadas. Quando se inicia o processo de realimentação, e os pacientes são alimentados com carboidratos, a glicose induz a liberação de insulina, o que resulta na captação celular de fosfato (e em menor grau, potássio e magnésio) e redução dos níveis séricos de fósforo.

A insulina também faz com que as células produzam várias moléculas que requerem fosfato, o que contribui para o agravamento da Hipofosfatemia. A subsequente falta de intermediários fosforilados causa hipóxia tecidual, disfunção miocárdica, insuficiência respiratória devido à incapacidade do diafragma em se contrair, hemólise, rabdomiólise e convulsões.

Correta a alternativa “e”: Hipofosfatemia, Hipocalemia e Hipomagnesemia são os distúrbios eletrolíticos que marcam a apresentação clínica da Síndrome de Realimentação.

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Referências

Persaud-Sharma D, Saha S, Trippensee AW. Refeeding Syndrome. [Updated 2022 Nov 7]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK564513/

Nicole Siparsky, MD, FACS, FCCM. Overview of postoperative electrolyte abnormalities. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

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