Resumo sobre Síndrome das Pernas Inquietas: definição, manifestações clínicas e mais!
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Resumo sobre Síndrome das Pernas Inquietas: definição, manifestações clínicas e mais!

E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome das Pernas Inquietas, uma condição neurológica caracterizada por desconforto e uma necessidade irresistível de movimentar as pernas, especialmente durante o repouso. 

O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprimorar seus conhecimentos, garantindo uma prática clínica cada vez mais eficaz.

Vamos nessa!

Definição de Síndrome das Pernas Inquietas

A síndrome das pernas inquietas (SPI), ou doença de Willis-Ekbom, é um distúrbio neurológico sensório-motor relacionado ao sono, caracterizado por uma necessidade irresistível de mover as pernas, frequentemente acompanhada de sensações desconfortáveis, como formigamento, queimação ou rastejar. 

Esses sintomas ocorrem predominantemente durante períodos de inatividade, especialmente à noite, e são temporariamente aliviados pelo movimento. 

A condição pode atrasar o início do sono, provocar despertares noturnos e fragmentação do sono, resultando em sonolência diurna e prejuízos funcionais. 

O diagnóstico baseia-se nos relatos dos pacientes, considerando o agravamento vespertino e a exclusão de condições similares, como cãibras ou desconfortos posturais.

Epidemiologia da Síndrome das Pernas Inquietas

Em populações europeias e norte-americanas, a SPI de qualquer gravidade afeta de 5% a 15% dos adultos, enquanto formas clinicamente significativas têm prevalência entre 2% e 3%. A utilização de critérios mais rigorosos, considerando sintomas frequentes e sofrimento moderado ou grave, reduz a prevalência para cerca de 1,6%.

A prevalência varia por região e etnia, sendo mais alta em países do norte da Europa, seguida por regiões germânicas e mediterrâneas, e diminuindo em áreas do sul, leste europeu e asiático. 

O sexo feminino apresenta maior predisposição, com taxas de SPI 1,5 a 2 vezes superiores às do sexo masculino, principalmente devido ao aumento da prevalência durante a gravidez. Em mulheres nulíparas, as diferenças em relação aos homens são menos acentuadas. 

O transtorno do movimento periódico dos membros (PLMD) é considerado raro, embora sua prevalência exata seja desconhecida. Já os movimentos periódicos dos membros durante o sono (PLMS) são comuns em adultos mais velhos e frequentemente associados à SPI e outros distúrbios do sono, como apneia obstrutiva e narcolepsia.

Fatores de risco para Síndrome das Pernas Inquietas

  • Genética e história familiar: presente em 40-60% dos casos, com padrão autossômico dominante ou recessivo. Nenhuma mutação genética específica foi identificada.
  • Deficiência de ferro: baixos níveis de ferritina sérica (<45-50 ng/mL) associados a RLS, especialmente sem histórico familiar.
  • Insuficiência renal (uremia): altamente prevalente em pacientes em diálise renal; sintomas graves e alta mortalidade associada.
  • Neuropatia: mais comum em neuropatias axonais do que desmielinizantes. Sintomas podem sobrepor-se.
  • Lesões na medula espinhal: traumáticas, tumorais ou inflamatórias podem precipitar RLS.
  • Gravidez: afeta até 25% das gestantes, com pico no terceiro trimestre.
  • Esclerose múltipla: mais prevalente em formas graves e progressivas da doença.
  • Doença de Parkinson: prevalência de 15-20% em populações europeias; sintomas podem confundir-se com os da doença.

Fisiopatologia da Síndrome das Pernas Inquietas

A fisiopatologia da síndrome das pernas inquietas (SPI) está relacionada a alterações no sistema nervoso central (SNC) e periférico, embora seus mecanismos ainda não sejam completamente compreendidos. 

Não há evidências de que a neurodegeneração desempenhe um papel na condição, mas estudos apontam para múltiplas anormalidades em neurotransmissores, estoques de ferro e conectividade cerebral.

Uma das descobertas mais consistentes na SPI é a redução dos estoques de ferro no SNC, mesmo quando os níveis sistêmicos de ferro são normais. Estudos mostram que a ferritina no líquido cefalorraquidiano está reduzida, assim como os estoques de ferro em áreas como o estriado, tálamo e núcleo vermelho. 

Esses achados indicam uma disfunção nos mecanismos de regulação do ferro intracelular, o que pode estar associado aos sintomas da SPI. Além disso, autópsias revelaram alterações nos receptores de transferrina, reforçando a complexidade do processo.

Outro aspecto importante envolve os sistemas dopaminérgicos. A eficácia da terapia dopaminérgica no alívio dos sintomas sugere o envolvimento da dopamina na fisiopatologia. No entanto, não há evidências de deficiência dopaminérgica estrutural no estriado ou substância negra. Estudos de imagem apontam para alterações modestas na neurotransmissão dopaminérgica, e há hipóteses de que a SPI pode ser uma condição de função hiperdopaminérgica, com aumento da rotatividade de dopamina em alguns casos.

Outros neurotransmissores também estão implicados na SPI, como o glutamato, ácido gama-aminobutírico (GABA), adenosina e opioides endógenos. Anormalidades nesses sistemas podem contribuir para os sintomas e para a disfunção do controle motor e sensorial que caracteriza a condição. 

As alterações na fisiologia circadiana e na função talâmica têm sido observadas, com redução de células beta-endorfina positivas no tálamo e alterações na conectividade funcional cerebral.

No sistema periférico, há evidências de hiperalgesia estática (aumento da sensibilidade à dor por estímulos mecânicos), indicando uma possível sensibilização central à entrada de sinais periféricos. Também foram identificadas anormalidades microvasculares, incluindo redução do fluxo sanguíneo intramuscular, hipóxia periférica e função endotelial alterada nas pernas, o que pode contribuir para os sintomas motores e sensoriais da SPI.

Critérios diagnósticos para Síndrome das Pernas Inquietas

A. Sintomas principais:

  1. Necessidade de movimentar as pernas, acompanhada de sensações desconfortáveis ou desagradáveis, que:
    • Iniciam ou se agravam durante períodos de repouso ou inatividade.
    • Melhoram, parcial ou completamente, com o movimento.
    • São mais intensas à noite ou no final do dia.

B. Frequência e duração:

  • Os sintomas ocorrem pelo menos três vezes por semana.
  • Persistem por um período mínimo de três meses.

C. Impacto funcional:

  • Os sintomas causam sofrimento significativo ou prejuízo funcional, como:
    • Dificuldade nas relações sociais, no trabalho ou nos estudos.
    • Comprometimento em outras áreas importantes da vida.

D. Exclusão de outras condições:

  • Os sintomas não devem ser explicados por outras causas, como:
    • Transtornos médicos: artrite, edema nas pernas, isquemia periférica, cãibras.
    • Condições comportamentais: desconforto postural ou batida habitual dos pés.

E. Exclusão de efeitos de substâncias:

  • Os sintomas não podem ser atribuídos ao uso de drogas, medicamentos ou substâncias que causem efeitos fisiológicos, como a acatisia induzida por medicamentos.

Tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas

O tratamento da SPI combina abordagens não farmacológicas e medicamentos, visando alívio dos sintomas, melhora do sono e redução do impacto na qualidade de vida. A escolha terapêutica deve ser individualizada, considerando a gravidade dos sintomas e a presença de condições associadas.


Estabelecer uma rotina regular de sono é essencial, pois a privação de sono pode exacerbar os sintomas. Recomenda-se um ambiente de sono tranquilo, com horários consistentes para deitar-se e levantar-se.


O consumo de cafeína, álcool e tabaco deve ser limitado ou eliminado, já que essas substâncias podem piorar os sintomas da SPI. Além disso, deve-se revisar o uso de medicamentos que podem agravar a condição, como antidepressivos tricíclicos, inibidores de recaptação de serotonina e anti-histamínicos.


A prática regular de atividades físicas de intensidade moderada tem efeitos positivos no alívio dos sintomas. No entanto, exercícios extenuantes próximos ao horário de dormir devem ser evitados, pois podem agravar o desconforto.

Tratamento Farmacológico

Agentes dopaminérgicos (Primeira Linha)

Agonistas dopaminérgicos, como pramipexole e ropinirole, são as opções preferenciais para casos moderados e graves. Esses medicamentos têm efeito rápido e reduzem tanto os sintomas motores quanto os sensoriais. Contudo, podem causar efeitos colaterais como náuseas, sonolência e, em alguns casos, expansão dos sintomas (piora paradoxal).

A levodopa, outro agente dopaminérgico, é indicada para casos leves ou intermitentes. Apesar de eficaz, apresenta maior risco de rebote, com reaparecimento precoce dos sintomas após o término do efeito do medicamento.

Anticonvulsivantes

Gabapentina é altamente eficaz em casos de SPI associada a dor neuropática. Além de aliviar os sintomas, não apresenta o risco de expansão observado em dopaminérgicos, tornando-se uma alternativa segura para pacientes refratários ou com neuropatia dolorosa.

Opioides

Os opioides, como tramadol, codeína, metadona e oxicodona, são indicados para casos graves ou refratários, especialmente quando há dor intensa associada. Embora sejam eficazes, devem ser utilizados com cautela devido ao risco de efeitos colaterais, como constipação e sedação. No entanto, o risco de dependência é baixo quando usados em doses adequadas.

Benzodiazepínicos

Clonazepam e zolpidem são úteis para melhorar a qualidade do sono, especialmente em pacientes com insônia associada. Esses medicamentos também ajudam a reduzir a ansiedade, mas devem ser utilizados com cautela em idosos devido ao risco de quedas e efeitos cognitivos.

Suplementação de Ferro

Pacientes com ferritina sérica inferior a 50 ng/mL devem receber suplementação de ferro, geralmente na forma de sulfato ferroso (325 mg, 1-3 vezes ao dia), associado a vitamina C para aumentar a absorção. O acompanhamento dos níveis de ferritina deve ser feito a cada 3-4 meses, interrompendo a reposição quando os níveis ultrapassarem 50 ng/mL.

Tratamento em casos especiais

  • Gravidez:
    Durante a gestação, as opções de tratamento devem priorizar medidas comportamentais, como higiene do sono e suplementação de ferro ou vitaminas. Medicamentos como clonazepam podem ser utilizados no terceiro trimestre, enquanto agentes dopaminérgicos devem ser evitados no início da gravidez devido ao risco de malformações fetais.
  • Casos refratários:
    Para pacientes que não respondem aos tratamentos iniciais, combinações de medicamentos, como dopaminérgicos e gabapentina, podem ser usadas. Opioides potentes, como metadona e oxicodona, também são opções para alívio em casos graves.

De olho na prova!

Não pense que esse assunto está fora das provas de residência, concursos públicos ou até das avaliações da graduação. Veja um exemplo abaixo:

Acerca dos distúrbios de sono, assinale a opção correta.

A) A deficiência de ferro pode ser causa da síndrome das pernas inquietas.

B) A insônia é um dos distúrbios de sono mais prevalentes, com tratamento essencialmente medicamentoso.

C) Obesidade é importante causa de apneia obstrutiva do sono, sendo este diagnóstico praticamente excluído na ausência de IMC elevado.

D) O uso de medicamentos neuroestimuladores é vedado para tratamento de narcolepsia, haja vista risco de desenvolvimento psicose nesses pacientes.

E) Apesar do uso crescente de melatonina, este medicamento não apresenta eficácia para o tratamento de insônia.

Comentário da questão:

Caro Estrategista,

Temos uma questão sobre diversos distúrbios do sono. 

Como são várias patologias diferentes, vamos às alternativas para explicar cada uma melhor!

A) Alternativa correta. A síndrome das pernas inquietas é caracterizada por um incômodo nos membros inferiores, principalmente ao deitar à noite, que alivia com a movimentação desses membros, levando frequentemente o paciente a levantar da cama. Por isso, é uma causa de distúrbio do sono. 

Na sua investigação, podemos encontrar a deficiência de ferro como causa subjacente. Nesse caso, a reposição de ferro é a parte principal do tratamento. 

Contudo, também pode haver pernas inquietas sem ferropenia ou associada a outras condições. Nesse caso, podemos lançar mão de gabapentia/pregabalina, além de medidas comportamentais, como evitar cafeína, realizar exercício físico regularmente e massagear as pernas.

B)Alternativa incorreta. A insônia é, de fato, um dos distúrbios de sono mais prevalentes. Contudo, o seu tratamento, na maioria das vezes, é essencialmente não-medicamentoso. A abordagem dos aspectos comportamentais relacionados ao sono denomina-se higiene do sono. 

São algumas medidas recomendadas:

– Evitar o consumo de álcool e café, principalmente antes de dormir;

– Manter um ambiente calmo e escuro para o sono;

– Ter uma rotina de sono, obedecendo a horários;

– Evitar cochilos diurnos;

– Evitar o uso de telas na cama e até 1-2h antes de deitar-se;

– Realizar exercício físico regularmente, de preferência pela manhã.

Com as medidas comportamentais, é possível resolver a maior parte dos casos de insônia.

C) Alternativa incorreta. Embora a presença de obesidade e aumento da circunferência cervical sejam grandes fatores de risco para apneia do sono, é possível ter a síndrome da apneia-hipopneia obstrutiva do sono com IMC normal. Outros fatores anatômicos, musculares, fisiológicos e eventualmente medicamentosos podem contribuir para a obstrução dinâmica da via aérea durante o sono.

D) Alternativa incorreta. A narcolepsia é uma condição caracterizada por hiperssonia diurna crônica, podendo estar associada a episódios de cataplexia (perda súbita do tônus muscular), alucinações hipnagógicas (na transição vigília-sono) e paralisia do sono (recobrar a consciência ainda com a atonia do sono REM). É frequente o paciente se queixas de ataques súbitos irresistíveis de sono, dormindo em situações totalmente inadequadas. 

O tratamento envolve medidas comportamentais e, frequentemente, neuroestimuladores, como modafinil ou metilfenidato. O uso dessas medicações pode acarretar efeitos adversos psiquiátricos, chegando até a psicose em casos raros, porém isso não é uma contraindicação ao seu uso, devendo apenas ser monitorados.

E) Alternativa incorreta. A melatonina é um dos medicamentos que podem ser utilizados para o tratamento da insônia. Ela deve ser administrada algumas horas antes do início do sono e funciona como um regulador do ciclo circadiano. Não é muito potente e não ajuda na insônia de manutenção, mas pode ajudar alguns pacientes.

Veja também!

Referências

American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014

ALÓE, F.; TAVARES, S. M. A. Síndrome das pernas inquietas. Revista Neurociências, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 204-213, out./dez. 2006.

William G Ondo, MD. Clinical features and diagnosis of restless legs syndrome and periodic limb movement disorder in adults. UpToDate, 2024. Disponível em: UpToDate

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