E aí, doc! Vamos explorar mais um tema essencial? Hoje o foco é a Síndrome de Boerhaave, uma condição rara e grave caracterizada pela ruptura transmural espontânea do esôfago, geralmente precipitada por episódios intensos de vômito ou aumento súbito da pressão intratorácica.
O Estratégia MED está aqui para descomplicar esse conceito e ajudar você a aprofundar seus conhecimentos, promovendo uma prática clínica cada vez mais eficaz e segura.
Vamos nessa!
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Definição de Síndrome de Boerhaave
A Síndrome de Boerhaave é uma condição rara e grave caracterizada pela perfuração transmural do esôfago, geralmente decorrente de aumento súbito da pressão intraesofágica, mais frequentemente associado a vômitos intensos ou esforço emético.
Diferencia-se da síndrome de Mallory Weiss por envolver ruptura completa da parede esofágica, e não apenas uma laceração mucosa. Sua apresentação clínica é variável e frequentemente inespecífica, podendo não incluir todos os elementos da tríade clássica de Mackler, o que dificulta o diagnóstico precoce.
Trata-se de uma das emergências gastrointestinais mais letais, com elevada mortalidade especialmente quando o diagnóstico e o tratamento não são realizados de forma oportuna, exigindo alto grau de suspeição clínica e manejo individualizado conforme o tempo de evolução e a gravidade do quadro.
Epidemiologia da Síndrome de Boerhaave
A Síndrome de Boerhaave corresponde a cerca de 15% dos casos de ruptura esofágica traumática. A incidência global estimada é de aproximadamente 3,1 casos por 1.000.000 de habitantes por ano, embora esse número provavelmente seja subestimado devido à subnotificação.
A condição foi descrita em diferentes grupos raciais em todo o mundo e apresenta predomínio no sexo masculino, com uma razão homem mulher variando entre 2:1 e 5:1. O maior risco é observado em homens entre a sexta e a sétima décadas de vida, porém a síndrome já foi documentada em todas as faixas etárias, incluindo neonatos e indivíduos com mais de 90 anos. Crianças entre 1 e 17 anos representam o grupo menos acometido.
Fisiopatologia da Síndrome de Boerhaave
A fisiopatologia da Síndrome de Boerhaave decorre de um aumento súbito e intenso da pressão intraesofágica, geralmente associado a vômitos forçados, relacionado a falhas na coordenação neuromuscular do esôfago, especialmente à ausência de relaxamento adequado do músculo cricofaríngeo. Esse mecanismo leva à ruptura transmural da parede esofágica, sendo frequentemente associado à ingestão excessiva de alimentos e ao consumo de álcool.
As perfurações são tipicamente longitudinais, medindo entre 3 e 8 cm, e ocorrem predominantemente no terço inferior póstero lateral do esôfago, cerca de 2 a 3 cm da junção gastroesofágica, região estruturalmente mais frágil.
A região torácica superior ou subdiafragmática representa o segundo local mais acometido. As consequências variam conforme a localização da ruptura, podendo incluir extravasamento de conteúdo gástrico para o mediastino e cavidades pleurais, resultando em inflamação mediastinal, empiema, enfisema ou hidropneumotórax, sendo as rupturas cervicais geralmente mais localizadas e de evolução mais benigna.
Manifestações clínicas da Síndrome de Boerhaave
Tradicionalmente, a Síndrome de Boerhaave é descrita pela tríade de Mackler, composta por vômitos, dor torácica inferior e enfisema subcutâneo, especialmente em homens de meia idade após ingestão excessiva de alimentos ou álcool. No entanto, essa apresentação completa é rara na prática clínica, sendo observada em uma minoria dos pacientes.
Apresentação clínica atípica
Na maioria dos casos, o quadro é inespecífico e variável, o que contribui para atrasos diagnósticos. Essa variabilidade está relacionada à anatomia do esôfago e à possibilidade de perfuração nos segmentos cervical, torácico ou abdominal.
Cerca de 25% a 45% dos pacientes não relatam episódios de vômitos no momento da apresentação, e a síndrome pode acometer indivíduos de qualquer idade, sexo ou grupo étnico.
Sintomas
Os sintomas dependem do tempo decorrido desde a perfuração e da extensão do extravasamento do conteúdo esofágico. Podem incluir dor súbita em região torácica, cervical ou abdominal, odinofagia, disfagia, rouquidão, disfonia, vômitos, hematêmese e desconforto ou insuficiência respiratória.
Achados ao exame físico
Ao exame físico, podem ser identificados enfisema subcutâneo com crepitação, ruídos mediastinais sincrônicos aos batimentos cardíacos caracterizando o sinal de Hamman, febre, hipotensão, taquicardia, taquipneia, cianose, diminuição dos murmúrios respiratórios, dor e rigidez abdominal, dor cervical, desvio traqueal, proptose e alteração do estado mental, refletindo a gravidade e a progressão do quadro clínico.
Diagnóstico da Síndrome de Boerhaave
O diagnóstico da Síndrome de Boerhaave é baseado principalmente na avaliação clínica e exames de imagem. A avaliação física é essencial para identificar sinais de instabilidade, como dor torácica, alterações hemodinâmicas e sinais de infecção.
Exames de imagem são cruciais para a confirmação diagnóstica. Radiografias simples podem mostrar enfisema subcutâneo ou mediastinal, alargamento do mediastino e derrame pleural. O sinal em V de Nacleiro, embora específico, é pouco sensível, aparecendo em até 20% dos casos. Exames laboratoriais geralmente mostram leucocitose com desvio à esquerda, hematócrito elevado e pH baixo no líquido pleural, além de aumento de amilase salivar.
O esofagograma com contraste hidrossolúvel (Gastrografin) é útil, pois evita complicações como mediastinite. Sua sensibilidade depende da localização e tamanho da perfuração, com falso-negativos em 10% a 38% dos casos. A tomografia computadorizada fornece detalhes mais precisos, identificando a localização da ruptura, coleções líquidas e outros achados como pneumotórax e hidrotórax.
A endoscopia é controversa, pois pode piorar a perfuração, e deve ser reservada para casos específicos onde a localização da ruptura não está clara e há indicação de tratamento endoscópico.

Tratamento da Síndrome de Boerhaave
O manejo da Síndrome de Boerhaave deve ser individualizado e definido por uma equipe multiprofissional experiente, considerando o tempo de evolução, a localização e a extensão da perfuração, além das condições clínicas do paciente. O diagnóstico precoce, idealmente nas primeiras 12 a 24 horas, está associado aos melhores resultados.
Princípios gerais do tratamento
- Suspensão imediata da alimentação por via oral;
- Reposição volêmica e estabilização hemodinâmica;
- Antibioticoterapia intravenosa de amplo espectro;
- Suporte nutricional, preferencialmente parenteral;
- Controle da fonte do vazamento e drenagem de coleções, quando indicadas.
Essas medidas são comuns a todas as modalidades terapêuticas e frequentemente combinadas com intervenções cirúrgicas ou endoscópicas.
Tratamento conservador
O tratamento clínico é indicado apenas para pacientes criteriosamente selecionados, com perfuração contida no pescoço ou mediastino, ausência de sepse e sintomas mínimos. Nessas situações, o manejo inclui jejum absoluto por pelo menos sete dias, nutrição parenteral, antibióticos intravenosos por 7 a 14 dias e drenagem de coleções líquidas. A vigilância clínica deve ser rigorosa, pois qualquer sinal de piora exige mudança imediata da estratégia.
Indicações de tratamento cirúrgico
- Progressão de perfuração contida para perfuração livre;
- Extensão da lesão esofágica;
- Febre persistente ou deterioração clínica;
- Desenvolvimento de sepse;
- Progressão de pneumotórax, pneumomediastino ou empiema.
A sutura primária do esôfago é o método cirúrgico mais eficaz, especialmente quando realizada precocemente, podendo ser feita por toracotomia ou por videotoracoscopia, geralmente associada a reforço com fundo gástrico.
Tratamento cirúrgico nas apresentações tardias
Nos casos diagnosticados após 24 horas, a viabilidade tecidual costuma estar comprometida, o que aumenta o risco de falha da sutura primária. Nessas situações, pode ser necessário realizar desbridamento do mediastino e da cavidade pleural, esofagostomia e gastrostomia para alimentação, com reconstrução definitiva do trato digestivo após cerca de seis semanas.
Tratamento endoscópico
- Colocação de stents esofágicos totalmente cobertos;
- Uso de clipes endoscópicos convencionais ou de grande porte;
- Sutura endoscópica.
As abordagens endoscópicas representam alternativas minimamente invasivas, especialmente em pacientes com comorbidades significativas, apresentando resultados promissores em casos selecionados.
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A Síndrome de Boerhaave se caracteriza por:
A) Hemorragia de fundo gástrico
B) Perfuração esofágica
C) Volvo gástrico organoaxial
D) Perfuração de divertículo de Zencker
Comentário da questão: Alternativa correta letra “B”
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Referências
Turner AR, Collier SA, Turner SD. Boerhaave Syndrome. [Updated 2023 Dec 4]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430808/



